Marginal Conservador começa este fevereiro inaugurando uma nova seção: "Lides imperdíveis". Quem estuda Comunicação, em especial Jornalismo, sabe que o lide (do inglês lead) é o começo da matéria, o primeiro parágrafo de uma notícia ou grande reportagem. Algo que deve ser levado bastante em consideração pelo bom jornalista, pois é ali, no comecinho do texto, que o jornalista deverá escrever linhas atraentes o bastante para que o leitor se interesse em o texto até o final. Parafraseando Cortázar ao se referir aos contos, um bom texto inicial deve levar o leitor a nocaute - um nocaute prazeroso, que o tire da pressa ou da distração e o leve a ler com atenção as próximas linhas.
Na década de 1940 foram introduzidas no Brasil as famosas regras da objetividade, influenciadas pelo jornalismo norte-americano. O Brasil deixava aos poucos a influência do jornalismo francês para adotar o estilo jornalístico dos EUA como parâmetro. Havia uma regra básica para os leads, como foram escritos por décadas: o jornalista deveria sempre responder, no primeiro parágrafo, a seis perguntas essenciais: o quê, quem, quando, como, onde e por quê? Ou seja, o mais importante deveria vir sempre no começo da reportagem, para facilitar a leitura.
Dois pesos, duas medidas. O lide ajudou vários candidatos a jornalistas não literatos a ingressarem na profissão, pois, qualquer um, com um pouco de treino em redações, poderia escrever um primeiro parágrafo seguindo o padrão imposto. Por outro lado, até hoje há profissionais de imprensa que abominam as regras da objetividade e a obrigação de responder às seis perguntas sempre, alegando serem estas regras uma "camisa de força" contra a criatividade do jornalista.
Já ouvi de uma conhecida dizer que o "lide já não é mais usado em nossa imprensa há mais de dez anos". Bem, ela me falou isso há exatamente dez anos e o lide ainda está por aí. Como professor, posso falar de cadeira que ele não só pode ser visto em grande parte de nossa mídia impressa, como ainda é ensinado nas faculdades de jornalismo em todo o Brasil. O que não há mais é tanta exigência de impor as regras da objetividade em todas as reportagens. O jornalismo se sofisticou e abraçou novas liberdades estilísticas.
Daí a ideia desta nova seção. Aqui, serão encontrados sempre lides muito bem escritos - que respondem ou não às seis perguntas básicas das regras da objetividade. Meu interesse será apenas publicar no blog lides que me chamaram a atenção recentemente, aliado a outros de reportagens históricas que fizeram a glória do jornalismo.
Começo a série com um exemplo bem recente: a excelente reportagem "Próxima parada: subúrbio", do jornalista Renato Lemos, publicada no último domingo, dia 6, na Revista do Globo, que sai encartada sempre aos domingos no jornal O Globo. Como morador da Zona Norte do Rio (onde fica o subúrbio), posso dizer que poucas vezes vi um retrato da área suburbana tão bem feito como nas linhas abaixo, escritas com estilo e espirituosidade.Vamos ao lide:
Não é fácil definir exatamente o que é um subúrbio carioca - nem a prefeitura tem dados precisos que ajudem a traçar seus limites -, mas é provável que não exista subúrbio de verdade sem linha do trem, pipa voada, cadeira na calçada, vizinha fofoqueira, botequim da esquina, fiado só amanhã, sacolé, pelada, top de lycra, carro lavado na rua, churrasquinho, escola de samba, caça-níquel, quintal, cigarro, Cosme e Damião, mangueira e amendoeira, um monte de van, um monte de camelô, bíblia, beata, macumba, favela, aquelas garotas de shortinho apertado, chinelo de dedo, suor, funk, cerveja e muito calor. É possível também que subúrbio que é subúrbio mesmo tenha nome e sobrenome, como Ricardo de Albuquerque, Vicente de Carvalho, Quintino Bocaiúva, Oswaldo Cruz, Magalhães Bastos e Bento Ribeiro. Há ainda os que defendam que o subúrbio, mais que um conceito geográfico, é um estado de espírito: a pessoa pode deixar o subúrbio, mas o subúrbio jamais a deixará. São pistas a seguir. Desde que a ação da polícia no Complexo do Alemão - aliada às bençãos de um onipresente São Jorge - trouxe mais paz à região, o carioca voltou a ter a chance de descobrir do que, afinal, é feito o subúrbio.