sexta-feira, 3 de março de 2017

Carnaval passou ...mas as marchinhas politicamente incorretas vão ficar!

Este blog não quer abafar ninguém, mas quer mostrar que gosta de samba também. E agora que o Carnaval passou, não posso ficar sem dar um pitaco na polêmica das marchinhas. Houve um tempo em que nossa cantora mais popular era Carmen Miranda. Seu primeiro grande sucesso foi justamente uma marchinha deliciosa chamada "Taí" (aquela que dizia "Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim...". A marchinha catapultou Carmen ao estrelato e levou-a a cantar em todo o brasil e países da América do Sul, antes de ser descoberta pelos americanos e iniciar uma carreira de sucesso nos EUA.

Carmen costumava muitas vezes iniciar seus show com um chamado à plateia: "Boa noite, macacada!". O público vinha abaixo e caía na gargalhada. Hoje em dia Carmen jamais poderia entoar este grito de guerra: sera acusada de racista e desrespeito com a rica miscigenação brasileira. A alegação dos blocos de que a sociedade evoluiu e hoje em dia não há mais espaço para estas denominações não procede. Claro que grande parte das marchinhas - e muitas de grande sucesso - usam e abusam de termos hoje considerados politicamente incorretos. Porém, são fruto do carnaval, são brincadeira, e o reinado de Momo é a época em que gostamos de brincar e pegar no pé de todo mundo. Homens se veste de mulher, mulheres de homens, gays enrustidos saem do armário e por aí vai. Implicar com a cabeleira do Zezé e elogiar a mulata que já foi a tal faz parte da festa. Quem não tá satisfeito que fique em casa. Mas não tentem censurar estas marchinhas, verdadeiras crônicas de costumes que deixaram sua marca no tempo e não merecem ser esquecidas.

O próprio termo "macacada" era nas primeiras décadas do século uma saudação comum entre amigos que se encontravam para se divertir. O termo ""não pega", como bem lembrou o jornalista Tárik de Souza em recente edição especial do programa Ronca Ronca, era uma expressão que naquela época queria dizer "eu não me importo". Sem aquela conotação racista que tantos apregoam. e já há gente achando que o "transviado" da "Cabeleira do Zezé" quer dizer homossexual...

É por isso que fecho com todas as marchinhas e deixo aqui uma defesa destas canções carnavalescas composta por Eduardo Dussek, um dos mais criativos e divertidos cantores brasileiros e verdadeira autoridade em marchinhas. Dussek compôs e gravou com preta Gil  "Marchinha de Carnaval (politicamente incorreta)". Deveria ser entoada por todos aqueles que defendem um carnaval com mais bom humor e menos patrulhamento:







Marchinha de Carnaval (politicamente incorreta)

Eu sou gostosa, maliciosa
Não leve a mal
Politicamente incorreta
Sou a marchinha de carnaval

Eu sou do jeito que eu quiser
Saio de homem ou saio de mulher
Sem essa de puxar o meu tapete
Sua censura que vá pro cacete!

sábado, 31 de dezembro de 2016

Uma festa de 15 anos, um convite nas redes sociais...e 1,2 milhão confirmam presença na festa


Lembro que uma vez, quando trabalhava na extinta Rio Sul Linhas Aéreas, uma amiga me convidou para o casamento dela. Seu nome era Aline e eu a havia ajudado nos primeiros dias de trabalho, como instrutor na elaboração de reservas (era comum aqueles com mais tempo de casa ajudarem nas primeiras ligações dos iniciantes). Aline era muito simpática e logo ficamos amigos. Menos de uma ano depois, encontrei-a num dos corredores da empresa. Aline iria casar e me convidava para a festa. Aceitei de bom grado. No dia seguinte, Aline, na ansiedade de comunicar a todos da empresa que iria casar, deu um passo em falso: prendeu um convite do casamente, como data e local, na sala de espera, um local o qual todos passavam. E, claro, todos ali leram o aviso. Resultado: no dia da cerimônia, não só os amigos de Aline estavam presentes, mas uma grande leva de funcionários da empresa que mal a conheciam (alguns nitidamente nem falavam com ela) aproveitaram a data para "prestigiar" o casamento de Aline.

Isto ocorreu nos idos de 1998 ou 1999, não estou bem certo. A internet ainda era algo para poucos brasileiros, e quem tinha acesso o fazia pelos PCs, na época bem caros. Lembrei da história depois de saber pela televisão da festa de aniversário da jovem mexicana Rubi, neste fim de 2016. Seu pai inadvertidamente colocou a informação da festa de 15 anos da filha no Facebook, dizendo que "todos são bem-vindos". A intenção era informar os parentes e vizinhos mais chegados. Só que, tal como Aline, o pai de Rubi deu um grande, um enorme passo em falso: mais de 1 milhão de pessoas leram o recado e se sentiram "convidados" à festa no México, ou seja, confirmaram presença pela rede social

Para usar uma palavra muito empregada atualmente, a mensagem viralizou, potencializando aquele convite feito pelo pai de Rubi em uma extensão jamais imaginada pela família. Pra variar, não faltaram hilariantes memes a ironizar, debochar, implicar ou simplesmente compartilhar a festa da debutante que, tal como no Brasil, costuma ser uma das festas mais tradicionais entre meninas que completam 15 anos. Um advogado local chegou a informar que avisaria a polícia para garantir a segurança do local caso a multidão realmente comparecesse.

Querem saber quantos realmente compareceram? Em torno de 10 mil, mesmo após os pais alertarem pela televisão que não conseguiriam receber todos. Pessoas de outras cidades estiveram no local, ambulantes com as indefectíveis barracas montaram praça perto da festa etc. Aos pais só restou manter a festa, apenas trocando o local para outro, descampado, para abrigar a enorme lista de "convidados" não oficiais. Tudo isso, em tempos de redes sociais, poderia assim mesmo ter se mantido no noticiário mexicano, mas ultrapassou as fronteiras após um episódio trágico: durante a festa, uma corrida de cavalos co  apostas deixou um morto e outro ferido.

Pensei bastante nesta história e lembrei de como hoje a internet tem realmente mudado nossas vidas. É preciso cada vez mais cuidado com o que escrevemos na web. Escolhi este curiosíssimo caso pra encerrar este ano no blog e tentado fortemente a começar minha primeira aula de Mídias Digitais em 2017 com a história do aniversário de Rubi. tenho certeza de que a turma gostará, e desta vez ninguém precisará "confirmar presença".

Um feliz 2017 para todos nós.

     







 

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Lides imperdíveis: um artista do século XIX é o mais vendido em 2016

Preste atenção neste pequeno parágrafo, tirado diretamente do site da revista Bilboard. Traz um texto tão bem escrito e tão inquietante em apenas duas linhas que motivou a volta da seção "lides imperdíveis" deste blog:

The biggest-selling CD act of 2016 doesn't sing. He doesn't play guitar and doesn't tour. In fact, no one alive has ever seen him.

Traduzindo:

O maior vendedor de CDs de 2016 não canta. Ele não toca guitarra e não faz turnês. Na verdade, ninguém vivo jamais o viu. 

O autor em questão é Mozart, e trata-se de um box-set (caixa de CDs) que é precisamente uma peça de colecionador. Chama-se "Mozart 225" e foi lançada para comemorar o aniversário de 225 da morte do grande compositor clássico, um dos maiores da humanidade. O autor da matéria - o jornalista da Bilboard Lars Brandle - explica que entre o planejamento, a curadoria e o lançamento levaram-se 18 meses até  caixa ficar pronta. A caixa teve 6250 compradores. mas, levando-se em conta que cada uma traz 200 CDs (sim, 200 CDs!), e multiplicando-se por cada comprador dá 1,25 milhão de CDs vendidos. Está tudo do músico rigorosamente ali dentro. Há desde as primeiras sonatas do jovem Mozart até seus últimos réquiens antes da morte.  



São tempos diferentes para a música e para os formatos. Mozart morreu antes de conhecer os primeiros fonógrafos, depois as vitrolas, os primeiros discos de vinil e a consolidação da indústria fonográfica durante o século XX, algo que só seria suplantado pela chegada das mídias digitais, que trouxe o CD e mais tarde as faixas em MP3. Mesmo com a caixa luxuosa em primeiro lugar, o formato CD está em queda e sofre agora a concorrência não só do que seria o mais esperado - downloads ou streamings do ITunes ou Spotify - mas do aumento das vendas do disco de vinil. um formato que até pouco tempo era dado como morto aqui no Brasil mas que nunca deixou de vender lá fora. Semana passada, a seguinte nota saiu na Veja:  "Vinil - No Reino Unido, o valor das vendas dos discos superou o dos downloads de música, pela primeira vez, desde que os dois formatos disputam mercado."

Tudo isso é muito interessante e reflete as transformações na indústria, onde o novo agora tem que conviver com formatos antigos ou reprocessados (dia sim outro também vejo anúncios de aparelhos tocadores de vinis que "também gravam em mp3"). Mas, terminando a digressão e voltando ao que interessa a este post, por que o lide escolhido por ser considerável excelente?

Por que faz, com um mínimo de texto, aquilo que todo jornalista, ao começar a escrever uma matéria, deveria tentar: lançar uma frase marcante, atiçar sobremaneira a curiosidade do leitor de tal forma que para uma mente inquieta seja impossível não continuar a leitura.

Só por isso. Ponto para a Bilboard e para Brandle.  






quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Essa música me lembra uma história - "How I got over", Aretha Franklin


Moro no Rio e trabalho em duas faculdades de comunicação, uma em Resende e a segunda em Volta Redonda. São em torno de três horas de viagem no começo da semana, quase sempre de carro, Para que a viagem se torne minimamente suportável (não é fácil se animar pra dirigir três horas numa segunda-feira à trabalho, parar rapidamente para um café e dar aulas à noite no sul fluminense), sempre levo comigo alguns CDs. São cantores, cantoras, bandas de rock ou de soul music, compositores dos mais diversos estilos musicais, nacionalidades e tendências. Eles me fazem companhia dentro do carro e fazem com que o conceito de "viagem" vá mais além do que enfrentar o calor ou frio, as curvas de quase 150 km e os eventuais engarrafamentos no caminho. Na semana passada, contei com uma companhia agradabilíssima. Era Aretha Franklin, em seu disco "Amazing Grace", um dos mais vendidos em sua carreira. Por pouco mais de uma hora, fui levado ao ano de 1972, quando o disco foi gravado em uma igreja batista norte-americana. Ali, Aretha cantou, acompanhada por um coral negro, o Southern California Community Choir, a formidável "How I got over". Pronto, Meu começo de semana estava agora começando de verdade.



A audição de "Amazing Grace" fez minha mente voltar no tempo. E lembrar de outra viagem - para o país onde nasceu Aretha, os Estados Unidos. Era minha primeira viagem para fora do Brasil, e eu viajaria sozinho. Uma excursão de 21 dias pela extinta Soletur, costa a costa, pelos Estados Unidos. Os últimos dias de viagem seriam em Nova York e eu estava ansioso para conhecer de tudo um pouco. tal e qual um turista aprendiz, com um pé no deslumbramento e outro no lado cultural que só uma viagem internacional me proporcionaria naquele momento. Pelo menos um dos lugares que eu queria muito ir não estava na programação da companhia de turismo. Tampouco era um roteiro dos mais badalados. Antes mesmo de decolar do Brasil eu sabia que deveria ir de qualquer maneira ao Harlem - o famoso e lendário "bairro negro" da grande cidade - para assistir a uma missa gospel. Num domingo pela manhã, peguei um metrô em Manhattan e me dirigi à igreja batista do bairro, onde se apresentava todas as semanas o coral Mount Moriah.

Antes de continuar, já me antecipo: não me arrependi nem um pouco.

Devo contar que à época - 1995, eu com 25 anos - já era apaixonado pela música negra americana. Comecei a escutar música de fato nas rádios cariocas que tocavam músicas da disco, num período de final dos anos 1970. Rádio Mundial AM, depois Cidade FM e depois várias outras. Um dia fui com meu pai e meu irmão ao cinema Metro Boavista, na Cinelândia, assistir a "Os irmãos cara de pau". Uma comédia amalucada e engraçadíssima que trazia em uma das cenas James Brown como um reverendo pregando numa igreja. A cena acabava com um coro gospel esfuziante e todos na audiência cantando e dançando sem parar. Além de Brown, o filme prestava um tributo e trazia em participações especiais vários astros da música negra americana, como Ray Charles, John Lee Hooker e ela, a insuperável Aretha Franklin. Depois que vi esse filme me apaixonei pela black music americana e suas vertentes - soul, funk, blues, rythyn' & blues etc. Então, quando soube que eu finalmente estaria em Nova York, e poderia dar um pulinho no Harlem, nem pensei duas vezes.

A escolha da Igreja foi pelos jornais brasileiros, antes da viagem. Naquele tempo o Nelson Motta morava em Manhattan e havia escrito algumas crônicas para a imprensa brasileira falando de um programa imperdível para brasileiros em férias em NY: a missa de domingo da Igreja Mount Moriah no Harlem. A leitura da crônica foi suficiente para eu me  deslocar naquele domingo de manhã até o bairro negro.

Não tive muita dificuldade em achar a igreja. O guia da excursão me ensinara como chegar ao local. Lembro que, ao chegar na entrada, me impressionei com as roupas dos frequentadores, homens e mulheres quase todos negros, que chegavam para a missa. Estavam alinhadíssimos. Parecia que deixavam o domingo pela manhã para usar suas melhores roupas. Entrei na igreja, escolhi um lugar bem discreto, ao fundo, e aguardei o começo. .






A memória me impede de lembrar de tudo, mas lembro nitidamente que a missa já começava com música. Um gospel absolutamente contagiante. Mesmo sem ser muito religioso, achei que aquela música, naquele lugar, tinha algo de divino. Em determinado momento, todos se levantaram, um dos músicos começou a levar uma melodia animada, e todos começaram a cantar uma música que poderia bem ser..."How I got over", clássico que Aretha gravou em 1972. Parecia que eu estava na cena da igreja ao lado de um dos Blues Brothers. Aleluia, deu vontade de repetir junto ao coro.das velhinhas super bem-vestidas. .   ,

Lembro que após alguns minutos, durante a pregação do pastor, sentaram-se ao meu lado duas meninas lindas, com aquele cabelo black cheio de estilo. Deveriam ter entre 10 e 12 anos, e pedi para tirar uma foto delas. Elas concordaram. Na pressa, esqueci de desligar o flash, o que fez com que elas levassem um pequeno susto com a foto. Agradeci a elas e olhei em direção ao pastor, que parou um pouco o sermão pra me olhar com cara de poucos amigos.Abaixei a cabeça, elas riram, ele voltou a falar para os fieis e só então eu relaxei.

Lembro que tudo deve ter levado em torno de uma hora, a memória custa a lembrar. Devo ter saído pouco antes do fim, quando o pastor continuava seu sermão, agora sem música. Na entrada da igreja, um grupo de brasileiros conversava com um homem baixo, muito bem vestido, que sorria de um jeito bem descontraído. Era o Nelson Motta. Pensei em ir ali falar pelo menos um "obrigado" pela manhã que sabia ter sido inesquecível. Mas não fui. Talvez por timidez, talvez ainda um tanto abalado pela cara feia do pastor dizendo "Don't take flashes in my church!" (será que ele disse isso mesmo, ou minha imaginação anda me pregando peças?), O fato é que eu saí da igreja e fui direto ao metrô. Algum tempo depois já estava chegando ao hotel para se juntar ao grupo da excursão.

Voltei ao Brasil e segui minha vida. Depois disso fiz muitas viagens pelo Brasil e o mundo. Visitei, é claro, várias igrejas que viraram grandes pontos turísticos. Algumas modestas, em cidades mais pobres, outras impressionantes, como a Sagrada Família de Barcelona, a maravilha arquitetônica de Gaudi. Mas sempre lembro com especial nostalgia daquela pequena igreja no Harlem, em 1995, em que um coral negro iluminou meu dia, com todos acompanhando, orando e cantando juntos uma música feita para reverenciar o senhor. .
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quinta-feira, 25 de agosto de 2016

A morte de um mestre da entrevista: Geneton Moraes Neto


Numa sala, estão o repórter e dois homens poderosos. Um deles é um ex-presidente dos Estados Unidos, famoso por sua luta pelos direitos humanos. O outro, o primeiro negro a se tornar arcebispo da Cidade do Cabo, em plena vigência do apartheid sul-africano. . Ambos receberam o Prêmio Nobel da Paz. Atendem pelos nomes de Jimmy Carter e Desmond Tutu. A simples escolha dos entrevistados poderia alarmar repórteres mais inexperientes. Mas este não. Calmamente, ele confere sua folha de perguntas, Depois, olha para o ex-presidente americano e dispara:

- O senhor compraria um carro usado do ex-presidente Bush?

A pergunta inusitada provoca gargalhadas do bispo africano e um sorriso amarelo de Carter, crítico da política intervencionista levada a cabo por Bush. Eles estão sendo entrevistados por Geneton Moraes Neto. um dos maiores jornalistas brasileiros, morto esta semana. Ainda é cedo para dimensionar o impacto de o termos perdido tão cedo. Geneton era uma usina de criatividade, um pernambucano que começou ainda aos 15 anos, na imprensa escrita, e que mais tarde migrou para a televisão. Amante da boa reportagem, no começo achou que não teria futuro na TV. Felizmente, estava errado. Em vários telejornais da Globo e depois na Globonews, produziu e realizou inúmeras reportagens sensacionais, como os dossiês que viraram especiais jornalísticos da emissora.

O público que acompanha televisão, porém, pode ter se espantado com as várias homenagens que a televisão e os jornais fizeram para ele na ocasião de sua morte, Geneton era um jornalista que, como Tim Lopes, atuava nas internas. Por vezes, nem quis usar sua própria voz para narrar as reportagens que produzira, preferindo escalar atores ou locutores da emissora para narrar o que apurara. Também não tinha aquele porte clássico do repórter de televisão: estatura média, um tanto gordo, óculos grossos, costeletas e cabelos por vezes despenteados.

O que mais o inclinava ao trabalho era uma boa história. e ele conseguiu várias. Mesmo que para tanto tivesse que brigar pelas pautas dentro da própria redação. Uma vez, chegou à redação eufórico, informando que havia feito contato com a última mulher viva do naufrágio do Titanic. Nas suas mãos e com sua capacidade de entrevistador, seria com certeza uma grande história, mas os editores perguntaram: "quem ainda liga para o Titanic?" Geneton desceu para tomar um café no bar em frente à TV e contou a pauta frustrada a quem estava lá, Todos disseram que seria uma ótima história, o que o fez voltar e brigar até conseguir realizar a entrevista. Foi um de seus grandes momentos na televisão.  Como no dossiê sobre os 11 jogadores da seleção brasileira de 1950, derrotados pelo Uruguai e as consequências deste fato:




Há dois anos, compareci a um debate na biblioteca de Botafogo em que estavam presentes o jornalista Mauro Ventura, que acabara de lançar o livro-reportagem "O espetáculo mais triste da Terra", sobre o trágico incêndio do Gran Circo Norte-Americano em Niterói, nos anos 1960, e Geneton, que, pra variar, roubou a cena com seus comentários irônicos e uma verdadeira paixão pela profissão. Da necessidade de sair da redação para ir às ruas, lugar "onde estavam as boas histórias". Da necessidade de lutar contra a acomodação e o jornalismo chapa-branca, desconfiando sempre do que dizem. Sua famosa frase "Fazer jornalismo é produzir memória" tem sido repetida esta semana nas homenagens a Geneton. Ao entrevistar grandes nomes de forma incisiva, confrontando-os com os fatos (como na marcante entrevista com o ex-general Newton Cruz, ou mesmo diante de um dissimulado Paulo Maluf) mas sem nunca desrespeitar o entrevistado, fazendo-os saírem da zona de conforto, Geneton produziu memória para as próximas gerações, e um exemplo está na última entrevista do poeta Carlos Drummond de Andrade em vida, dada ao repórter.

Espero de verdade que as novas gerações sigam fazendo do jornalismo uma profissão digna, e não essa permissividade com a publicidade cada vez mais latente, em que matérias e reportagens são cada vez mais realizadas apenas diante de um computador, muitas abastecidas por assessorias de imprensa, que zelam muito mais por uma boa imagem de suas empresas do que boas histórias.

O grande jornalista que se foi esta semana era dono de um estilo raro nas redações e, numa primeira reflexão, não parece ter deixado herdeiros. Espero estar errado e que surja logo um outro alguém o qual, quando me perguntarem em sala de aula qual o repórter a ficar de olho, eu o indique.

Pois, quando o assunto era televisão, eu sempre respondia: acompanhem o Geneton.




sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Cobertura das Olimpíadas - quando o interesse comercial chega em primeiro

Eu gostaria de começar essa postagem assim:

O Brasil inteiro está na expectativa da abertura dos jogos olímpicos, pela primeira vez sendo disputados na América do Sul. A população aguarda ansiosamente pela maior abertura de um evento esportivo de todos os tempos, cujas competições certamente estarão entre as maiores da história. A passagem da tocha olímpica inflou os ânimos ufanistas do povo brasileiro, que fez questão de acompanhá-la por mais de 300 cidades nos quatro cantos do país. Nesta sexta, a apoteose dos jogos olímpicos modernos tem início, com transmissão televisiva para todo o planeta. Todos os jogos, dentre todos os esportes, serão transmitidos pelas TVs aberta e a cabo, e a expectativa é grande.

Notou algo errado com o parágrafo acima? Pois é mais ou menos como o comitê olímpico brasileiro - e grande parte dos veículos de comunicação, como a TV Globo - vêm se referindo aos jogos olímpicos. Um misto de patriotismo, ufanismo e emoção que pode servir para inflar a audiência., mas que desde já sabemos quem perde:o jornalismo.  

Não precisa estar sintonizado na TV. Uma checada em dois dos maiores portais da internet, G1 e UOL, na quinta de manhã, sinaliza o contraste entre, pelo menos ali, quem apostava na informação correta e quem aposta na emoção Vejamos as principais manchetes em torno das 10 da manhã desta quinta-feira, véspera dos jogos:

UOL: "Na véspera da Olimpíada, crise na Rio-2016 afeta organização dos jogos"

G1 "Em cadeira de rodas, Zagallo recebe tocha de Parreira e emociona"
Subtítulo: Na internet, muitos lembram que 'chama olímpica' tem 13 letras, número da sorte do ex-técnico campeão do mundo

Enquanto o portal UOL aponta uma possível crise na organização do evento (indo ao fatos), o portal concorrente aposta na emoção. Hoje mesmo, na sexta, algumas horas antes do início do evento, vejo um anúncio na TV Globo: imagens de atletas se superando. comemorando, chorando etc. Ao fundo a trilha sonora: "Emoções", de Roberto Carlos.

Na disciplina específica do jornalismo esportivo, alunos que querem seguir carreira na área são advertidos pelos professores que na cobertura de jogos é permitido um viés mais emocional. Concordo. Lembro de Nelson Rodrigues, ao reclamar dos idiotas da objetividade, os quais, segundo ele, teriam abolido o ponto de exclamação das manchetes. O cronista reclamava ironicamente que quando o Brasil se sagrasse campeão mundial de futebol a manchete viria tal qual um manifesto fúnebre...

Mas há que se encontrar um meio termo. E isso é difícil para aqueles veículos cujos anunciantes investem milhões em propaganda. E estes anunciantes querem retorno, querem audiência. Quanto mais gente assistindo aos jogos, melhor. Para os anunciantes, para os canais de TV, para os portais da internet...mas não para aquela parte do público que prefere ser bem informado (e se emocionar com os jogos, por que não?) a ter sua telinha invadida por mensagens propagandísticas para vender produtos enquanto passam os jogos.

Está para ser contada a outra história do périplo da tocha olímpica ao longo dos 98 dias e quase 300 cidades pelo território brasileiro. Enquanto na TV era só alegria, a realidade era outra, com manifestações em várias capitais contra o governo, protestos contra a Globo, gente querendo apagar a chama das tochas, eventos de apoio cancelados por medo de tumulto e até uma onça morta.

Bem, talvez após os jogos. Enquanto isso, uma boa olimpíada para os atletas brasileiros. E para todos nós.
   















quarta-feira, 27 de julho de 2016

Em Anchieta, um exemplo de amor aos animais abandonados


O caminho até lá não é muito difícil pra quem vai de carro. Após romper as inúmeras obras da Avenida Brasil, pega-se a direção para Irajá e seguimos em frente. Passamos pelos bairros de Ricardo de Albuquerque, Anchieta e finalmente chegamos à Avenida Nazaré. Seus números de casas são como os daquelas ruas antigas, muitos deles trocados, o que faz a chegada no local correto um pouco difícil. Uma parada para perguntas e todos, de alguma forma, já sabem para onde vamos. "Ah, a moça que cuida de animais, né? Dê meia volta e logo depois da passarela é a casa dela!". Mais um pouco e ,chegamos ao Santuário dos Fofinhos, ou melhor, à casa de Renata Brito, uma carioca da Barra da Tijuca que vive e cuida praticamente sozinha de mais de 200 animais na periferia do Rio.

Professora de inglês, Renata trocou a vida de classe média alta para, em Anchieta, fazer seu próprio abrigo de cães e gatos. No princípio, chegou a trabalhar em algumas instituições de amparo aos animais abandonados. Porém, incomodada pela falta de dedicação de alguns funcionários, resolveu que ela mesma iria ter seu próprio abrigo. Escolheu um território crítico, com altos níveis de violência e abandono de animais, mas que poderia comprar uma casa, e resolveu se estabelecer ali mesmo. Em Anchieta, Renata encontraria não só um local para abrigar seus cães, mas também um sem-número de situações de maus tratos pelas quais ela jamais esperava enfrentar.

A medida que o abrigo ia ficando conhecido, a população de animais no abrigo ia aumentando. Toda semana pessoas abandonam animais na porta do Santuário dos Fofinhos - o nome que ela deu ao local -,  e vão embora, para que Renata os recolha e dê sua atenção, que pode ser o tratamento de uma doença até o encaminhamento para adoção. Em oito anos de abrigo numa região violenta, Renata já presenciou várias situações dramáticas. Um dia, alertada pela campainha, ela desceu as escadas até a rua e deparou com uma sacola fechada de supermercado. Renata se aproximou, ouviu um barulho e descobriu, dentro do saco, dois cachorros. Um deles não resistiu e morreu asfixiado. O outro estava com um dos glóbulos oculares para fora, em estado deplorável. "Graças a deus ele ainda estava vivo. Recolhemos, passou por uma operação e agora, apesar de cego de um olho, está melhor", ela diz. .

Quantidade de animais, espaço e localização. Estes são os três principais problemas do Santuário dos Fofinhos que Renata descreve em sua página no Facebook. A quantidade de animais vem aumentando a cada dia, até chegar num ponto crítico do qual, sem as ajudas das pessoas - que depositam quantias em contas bancárias ligadas ao abrigo ou comparecem pessoalmente nos fins de semana para deixar jornais, bacias, comida etc para os animais - não seria possível manter o local. São inúmeros cães que chegam ali doentes ou traumatizados após sucessivas histórias de humilhação e maus tratos. Gente que, segundo Renata, abandona bichos pelos motivos mais inusitados. Um exemplo é o razoável número de cães pretos ali presentes, vítimas, assim como os gatos, de superstição ou simplesmente racismo.

O segundo problema, a questão do espaço, diz respeito à casa onde reside Renata, sua filha pequena e mais de 200 animais. Auxiliada apenas por uma funcionária que a ajuda na casa e com os animais, é possível encontrar uma infinidade de cães, numa insólita organização elaborada por Renata. Há o quarto dos mais doentes, o espaço dos mais traumatizados e, por isso, mais agressivos, o quarto daqueles que sofreram violências diversas. Dentro de casa, alguns gatos convivem em harmonia com a cachorrada - ou melhor, apenas alguns, pois eles sabem que nem todos os cachorros do abrigo os respeitam. Tudo é bastante improvisado e mantido com a ajuda dos colaboradores. Do alto de uma escada, avisto uma fêmea de pitbull, abandonada e segundo Renata já idosa para uma cachorra, se aproximando de mim. Seu olhar é mais de tristeza do que de imponência por ser de uma das raças mais temidas no imaginário popular. Faço-lhe um carinho e ela, agradecida, fica alguns minutos sem desgrudar de mim. Compreendo que carinho de seus antigos donos quase nenhum ali recebera antes.

Já o terceiro problema tem sido um dos piores. O localização do abrigo, em Anchieta, um bairro pobre da periferia carioca, já era violenta quando Renata se instalou ali. Nos últimos meses, refletindo a sensação de insegurança que cobre todo o estado do Rio, piorou bastante, deixando a segurança do local em risco. São tiroteios frequentes, arrastões, falsas blitzes e outros problemas relacionados à segurança que inibem a ida até lá de pessoas que gostariam de ajudar. Por este motivo Renata pensa em vender a casa e conseguir um novo local para seus mais de 200 cachorros e gatos. Não é tarefa fácil, mas persistência é algo que Renata mantém consigo.

No momento, a contar com seus únicos gastos, o abrigo só teria condições de funcionar por 15 dias. No entanto, o abrigo, em situação crítica, resiste.  O que o tem ajudado a chegar ao resto do mês com ração, remédios e outras formas de ajuda são as contribuições de pessoas que ajudam periodicamente. Nos últimos meses, pessoas do grupo SOS Rejeitados, que encaminha cães e gatos para feiras de doações em todo o estado, tem auxiliado Renata a evitar uma superpopulação de bichos em sua casa. Além de outros que descobrem seu trabalho através das redes sociais e tornam-se colaboradores. É desta forma, com muita persistência  dedicação e amor aos animais que Renata Brito vem mantendo seu abrigo e dando a inúmeros animais animais abandonados, torturados ou humilhados uma segunda chance de sobreviverem e terem uma vida melhor.