Moro no Rio e trabalho em duas faculdades de comunicação, uma em Resende e a segunda em Volta Redonda. São em torno de três horas de viagem no começo da semana, quase sempre de carro, Para que a viagem se torne minimamente suportável (não é fácil se animar pra dirigir três horas numa segunda-feira à trabalho, parar rapidamente para um café e dar aulas à noite no sul fluminense), sempre levo comigo alguns CDs. São cantores, cantoras, bandas de rock ou de soul music, compositores dos mais diversos estilos musicais, nacionalidades e tendências. Eles me fazem companhia dentro do carro e fazem com que o conceito de "viagem" vá mais além do que enfrentar o calor ou frio, as curvas de quase 150 km e os eventuais engarrafamentos no caminho. Na semana passada, contei com uma companhia agradabilíssima. Era Aretha Franklin, em seu disco "Amazing Grace", um dos mais vendidos em sua carreira. Por pouco mais de uma hora, fui levado ao ano de 1972, quando o disco foi gravado em uma igreja batista norte-americana. Ali, Aretha cantou, acompanhada por um coral negro, o Southern California Community Choir, a formidável "How I got over". Pronto, Meu começo de semana estava agora começando de verdade.
A audição de "Amazing Grace" fez minha mente voltar no tempo. E lembrar de outra viagem - para o país onde nasceu Aretha, os Estados Unidos. Era minha primeira viagem para fora do Brasil, e eu viajaria sozinho. Uma excursão de 21 dias pela extinta Soletur, costa a costa, pelos Estados Unidos. Os últimos dias de viagem seriam em Nova York e eu estava ansioso para conhecer de tudo um pouco. tal e qual um turista aprendiz, com um pé no deslumbramento e outro no lado cultural que só uma viagem internacional me proporcionaria naquele momento. Pelo menos um dos lugares que eu queria muito ir não estava na programação da companhia de turismo. Tampouco era um roteiro dos mais badalados. Antes mesmo de decolar do Brasil eu sabia que deveria ir de qualquer maneira ao Harlem - o famoso e lendário "bairro negro" da grande cidade - para assistir a uma missa gospel. Num domingo pela manhã, peguei um metrô em Manhattan e me dirigi à igreja batista do bairro, onde se apresentava todas as semanas o coral Mount Moriah.
Antes de continuar, já me antecipo: não me arrependi nem um pouco.
Devo contar que à época - 1995, eu com 25 anos - já era apaixonado pela música negra americana. Comecei a escutar música de fato nas rádios cariocas que tocavam músicas da disco, num período de final dos anos 1970. Rádio Mundial AM, depois Cidade FM e depois várias outras. Um dia fui com meu pai e meu irmão ao cinema Metro Boavista, na Cinelândia, assistir a "Os irmãos cara de pau". Uma comédia amalucada e engraçadíssima que trazia em uma das cenas James Brown como um reverendo pregando numa igreja. A cena acabava com um coro gospel esfuziante e todos na audiência cantando e dançando sem parar. Além de Brown, o filme prestava um tributo e trazia em participações especiais vários astros da música negra americana, como Ray Charles, John Lee Hooker e ela, a insuperável Aretha Franklin. Depois que vi esse filme me apaixonei pela black music americana e suas vertentes - soul, funk, blues, rythyn' & blues etc. Então, quando soube que eu finalmente estaria em Nova York, e poderia dar um pulinho no Harlem, nem pensei duas vezes.
A escolha da Igreja foi pelos jornais brasileiros, antes da viagem. Naquele tempo o Nelson Motta morava em Manhattan e havia escrito algumas crônicas para a imprensa brasileira falando de um programa imperdível para brasileiros em férias em NY: a missa de domingo da Igreja Mount Moriah no Harlem. A leitura da crônica foi suficiente para eu me deslocar naquele domingo de manhã até o bairro negro.
Não tive muita dificuldade em achar a igreja. O guia da excursão me ensinara como chegar ao local. Lembro que, ao chegar na entrada, me impressionei com as roupas dos frequentadores, homens e mulheres quase todos negros, que chegavam para a missa. Estavam alinhadíssimos. Parecia que deixavam o domingo pela manhã para usar suas melhores roupas. Entrei na igreja, escolhi um lugar bem discreto, ao fundo, e aguardei o começo. .
A memória me impede de lembrar de tudo, mas lembro nitidamente que a missa já começava com música. Um gospel absolutamente contagiante. Mesmo sem ser muito religioso, achei que aquela música, naquele lugar, tinha algo de divino. Em determinado momento, todos se levantaram, um dos músicos começou a levar uma melodia animada, e todos começaram a cantar uma música que poderia bem ser..."How I got over", clássico que Aretha gravou em 1972. Parecia que eu estava na cena da igreja ao lado de um dos Blues Brothers. Aleluia, deu vontade de repetir junto ao coro.das velhinhas super bem-vestidas. . ,
Lembro que após alguns minutos, durante a pregação do pastor, sentaram-se ao meu lado duas meninas lindas, com aquele cabelo black cheio de estilo. Deveriam ter entre 10 e 12 anos, e pedi para tirar uma foto delas. Elas concordaram. Na pressa, esqueci de desligar o flash, o que fez com que elas levassem um pequeno susto com a foto. Agradeci a elas e olhei em direção ao pastor, que parou um pouco o sermão pra me olhar com cara de poucos amigos.Abaixei a cabeça, elas riram, ele voltou a falar para os fieis e só então eu relaxei.
Lembro que tudo deve ter levado em torno de uma hora, a memória custa a lembrar. Devo ter saído pouco antes do fim, quando o pastor continuava seu sermão, agora sem música. Na entrada da igreja, um grupo de brasileiros conversava com um homem baixo, muito bem vestido, que sorria de um jeito bem descontraído. Era o Nelson Motta. Pensei em ir ali falar pelo menos um "obrigado" pela manhã que sabia ter sido inesquecível. Mas não fui. Talvez por timidez, talvez ainda um tanto abalado pela cara feia do pastor dizendo "Don't take flashes in my church!" (será que ele disse isso mesmo, ou minha imaginação anda me pregando peças?), O fato é que eu saí da igreja e fui direto ao metrô. Algum tempo depois já estava chegando ao hotel para se juntar ao grupo da excursão.
Voltei ao Brasil e segui minha vida. Depois disso fiz muitas viagens pelo Brasil e o mundo. Visitei, é claro, várias igrejas que viraram grandes pontos turísticos. Algumas modestas, em cidades mais pobres, outras impressionantes, como a Sagrada Família de Barcelona, a maravilha arquitetônica de Gaudi. Mas sempre lembro com especial nostalgia daquela pequena igreja no Harlem, em 1995, em que um coral negro iluminou meu dia, com todos acompanhando, orando e cantando juntos uma música feita para reverenciar o senhor. .
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Um comentário:
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