Eu devia ter uns 11 ou 12 anos, não tenho mais certeza. Mas foi mais ou menos nesta época que meus pais se mudaram. Continuamos no mesmo bairro, Ramos, mas um pouco mais distante de minha escola, onde eu terminava o antigo 2º grau. Naquele ano eu comecei a voltar pra casa, após a escola, por um novo caminho, com alguns companheiros de turma na maioria das vezes, sozinho outras tantas. Saía da escola lá pelo meio-dia e no caminho passava por outra "escola", ou melhor, a quadra da escola de samba Imperatriz Leopoldinense. Pertinho da escola de samba, havia uma casa da qual eu sempre que passava em frente diminuía os passos. Da rua, dava pra escutar perfeitamente o som que vinha de dentro: um som de um instrumento de sopro - um saxofone?, uma clarineta? eu não sabia. A pessoa que tocava aquele instrumento estava nitidamente praticando, ensaiando com afinco para mais tarde tocar para a plateia de dançarinos de uma gafieira ou para os bolsos mais afortunados presentes em uma casa mais sóbria, como o Teatro Municipal.
Somente mais tarde eu fui descobrir quem era a pessoa que soprava elegantemente aquele instrumento, e que me fazia diminuir os passos para ouvir mais um pouquinho de sua arte. Tratava-se de Paulo Moura, no curto período em que o genial músico morou no meu bairro, no começo dos anos 1980.
Creio que foi minha mãe que me contou da presença daquele músico que eu pouco conhecia. Mas a certeza de que havia um músico respeitado no meu bairro me fazia querer conhecer um pouco mais do trabalho dele. Algum tempo depois, uma de minhas tias, que adorava comemorar aniversários de forma diferente, avisou à família que iria comemorar naquele ano na Lapa. O local escolhido era o Circo Voador, onde todo domingo havia a "Domingueira Voadora", com o maestro Severino Araújo comandando a Orquestra Tabajara num baile bastante concorrido. Paulo Moura não estava lá, mas a grandeza do naipe de metais da orquestra me fez lembrar daquele tempo passado.
Mais tarde meu pai apareceu em casa com um disco de gafieira de Paulo Moura. Eu já era adolescente e, através de meu pai, um grande fã de músicas de orquestras, bossa nova e MPB, comecei a ficar mais eclético e expandir meu gosto. Uma música do disco me agradava muito. Era a primeira faixa, o fox "Mulher", de autoria de Custódio Mesquita e Sadi Cabral, um grande sucesso dos anos 40. Os dois ou três primeiros minutos da gravação resumiam-se a um magnífico solo de clarineta de Moura, para somente depois entrar a voz do crooner. Perdi a conta de quantas vezes escutei aquela gravação. Outra canção que eu adorava ouvir do disco era o choro "Doce de coco", um choro simplesmente lindo.
Sim, eu sei, não são histórias brilhantes, nem muito originais. Mas resolvi contá-las depois que ouvi a notícia da morte de Paulo Moura, aos 77 anos, na clínica em que estava internado para se tratar de um câncer. Aquele homem que sem o saber alegrou meus retornos pra casa após a escola em meus tempos de garoto, se foi para sempre. Fico imaginando quem, como eu, não sorriu, dançou, amou, brigou, conversou ao som de um solo de sax ou clarineta de Paulo Moura. Quantos casais não se formaram depois de dançarem enlevados um fox-trot tocado por Paulo? Quantos brasileiros subitamente e sem o perceberem deixaram-se seduzir pelos sublimes arranjos da música instrumental dos discos do maestro, naquelas belas canções sem palavras? Quantos ignoram até hoje que o talento de Paulo Moura esteve presente em quase todos os grandes momentos de nossa música nas últimas décadas?
No ano passado, dei de presente ao meu pai o disco "Dois panos para manga", o belo encontro musical de Paulo Moura e João Donato, apenas piano e clarineta em versões instrumentais para clássicos brasileiros e americanos. Escutamos juntos o CD em casa e no carro. Não havia dúvidas: aquele menino que nascera em São Paulo na década de 1930 e que por algum tempo morara em nosso bairro era realmente genial.
Paulo Moura se foi no começo desta semana. Morreu sereno e tranquilo como sempre foi. Li nos obituários de sua morte que ninguém jamais se lembrara de tê-lo visto levantar a voz com algum músico ou esbravejar com alguém. Era de uma elegância ímpar, nos gestos e no instrumento. Pouco antes de morrer, Wagner Tiso e vários músicos amigos de Paulo o visitaram na clínica São Vicente, nde estava internado. Ali, já bastante fragilizado, Paulo pegou a clarineta e soprou por uma última vez "Doce de coco".
Hoje em dia só passo por aquela rua de carro, apressado entre o trabalho e a casa onde moro. A casa onde Paulo Moura morou ainda está lá. Sei que nunca mais ouvirei o som daqueles sopros musicais vindos lá de dentro. Mas a lembrança daquelas caminhadas de volta pra casa e do lento diminuir de passos apenas para ouvir o músico, ficarão comigo para sempre.
Adeus, Paulo Moura.
2 comentários:
Olá, Rogério! Sou sua aluna no curso GCMI! Infelizmente estive um pouco ausente dos chats, mas realizei a prova! Corrija com carinho... rsrs! Estou também desenvolvendo um blog e se quiser me visitar, sinta-se à vontade! samantanascimento.blogspot.com!
Gostei do blog já vi que vou aprender mt coisa por aqui tb! Até a próxima disciplina! abraços!
Olá, Samanta! Que bom vê-la por aqui. Esteja à vontade para sempre que quiser postar um comentário. Não tenho postado com frequência, mas vou tentar arrumar mais tempo...rs
Abraços!
Rogério
Postar um comentário