Fiquei pensando nessa história ao ler e me comover com o cão Caramelo, que emocionou a todos que vêm acompanhando o resgate das vítimas das chuvas fortes na região serrana do Rio. Sua imagem, repousando ao lado do túmulo de sua suposta dona correu o Brasil - jornais, TVs, sites, rádios, todos publicaram ou fizeram menção ao amor do cão pela dona que teria morrido nas enchentes. Pois bem: sabe-se agora que a história não passou de uma tremenda barriga (notícia falsa), que o cão ao lado do túmulo não se chama Carqamelo e na verdade pertence a um funcionário do cemitério. Quem denunciou a farsa foi um jornalista de Teresópolis.

Agora fica pergunta: trata-se de mais um caso de má apuração ou "apenas" a sofreguidão de nossa imprensa em conseguir personagens e histórias emocionantes, unicamente com o intuito de alavancar a audiência? Lembro que uma vez estava assistindo na TV a um programa sobre escolha de profissões, e naquele dia o tema era justamente jornalismo. Dois universitários da profissão - um garoto e uma garota - visitavam a redação de um jornal e eram acompanhados pelo repórter do programa e o editor, que informava aos jovens como realizar uma boa apuração. Entre as várias dicas, havia esta: "vocês devem procurar bons personagens".
Notem bem: ele não falou por "fontes", mas sim "personagens". Ou seja, algo mais ligado à ficção do que ao relato testemunhal de um fato.
Sim, tudo indica que nesta triste história da tragédia na região serrana, a gana de nossa imprensa em encontrar boas histórias deu origem a essa barriga fenomenal do cãozinho. Aliás, é sintomático lembrar que outro cão esteve presente em uma das histórias mais comoventes - esta sim, real, pois filmada pela TV - desta tragédia: o resgate de Dona Elair pelos vizinhos. Todos lembram que dona Elair, ao saltar no rio presa a uma corda, tentou primeiramente levar seu cão, Bethoven, junto. Pobre Bethoven: a força da água era tão forte que dona Elair não conseguiu levá-lo junto e o cãozinho morreu, tragado pela força das águas. Elair perdeu seu cão; o verdadeiro Caramelo (onde estará?) perdeu sua dona.
Por estes dias também acompanhei uma reportagem sobre a tragédia das chuvas em que cães eram novamente os personagens principais. Segundo a matéria, vários cães perdidos ou abandonados por donos que perderam tudo na enxurrada,e que haviam sido transferidos para um pequeno clube improvisado, teriam, por ordem da prefeitura, que ser transferidos. A alegação era de que os animais poderiam transmitir doenças para a população, mesmo com veterinários prometendo vacinar todos em breve...
A sorte dos cães abandonados na região é ainda pior do que a dos humanos, que no momento recebem toda a carga de solidariedade em forma de doações vindas de todo o estado. Não seria bom um pouco de solidariedade também com os bichos?
Semana passada, enquanto as chuvas só faziam aumentar o número de mortes em Petrópolis, Teresópolis e Friburgo, levei o cão de meu pai, Zeca, um cocker spaniel, a uma veterinária perto de casa. Seus olhos estavam brancos e havia o presentimento de que ele estaria com catarata. O diagnóstico foi pior: Zeca está cego. No momento aguardamos o resultado de um exame de sangue que poderá dizer o que levou um cocker de 7 anos, com pedigree e muito bem tratado a contrair a cegueira. E também ficamos no aguardo de que nossas autoridades não fiquem tão cegas à tragédias anunciadas como esta na região serrana, que deixou o verão do Rio de Janeiro mais triste neste começo de 2011.