Certa vez, um jornalista americano estava numa casa noturna quando notou a presença, em uma das mesas, da estrela de cinema Ava Gardner. Sim, ela mesma, "o animal mais belo da Terra", segundo a definição de Jean Cocteau, e até então - sabia o jornalista -, inacessível para entrevistas. No entanto, ele não se intimidou. Aproximou-se da estrela, que segurava uma taça de bebida, e antes mesmo que dissesse qualquer coisa, recebeu de Ava um jato de champanhe no rosto. Sem ação, o repórter recuou e voltou para o seu canto. No dia seguinte, a impetuosa estrela ficaria atônita ao abrir o jornal e ler na coluna do jornalista: "Ontem à noite eu dividi uma taça de champanhe com Ava Gardner!"
Histórias inusitadas como essa fizeram parte do debate sobre jornalismo, literatura e livros-reportagem na Biblioteca Municipal de Botafogo na noite do dia 31/10, quando os jornalistas Geneton Moraes Neto e Mauro Ventura conversaram sobre essa fascinante técnica jornalística que é a reportagem. Uma técnica que quando bem feita pode gerar grandes momentos do jornalismo e virar grandes livros, abandonando a efemeridade do jornal diário.
Logo no início Geneton contou a experiência de ter sido o último jornalista a conseguir entrevistar o arredio poeta Carlos Drummond de Andrade, conhecido por quase não dar entrevistas. O poeta, assim como muitos daqueles que destestam dar entrevistas, constumava dizer que tudo que ele queria dizer estava nas crônicas para os jornais e nos poemas. Ok, mas um bom jonrnalista nunca se satisfaz até pelo menos tentar uma forma de vencer as barreiras que o entrevistado estabelece. Foi assim que Geneton ficou sabendo que Drummond detestava estar próximo fisicamente de um repórter, mas era capaz de passar horas conversando pelo telefone. O jornalista conseguira o telefone. Arriscou e ligou. Má hora: a filha do poeta estava internada no hospital, à beira da morte. Mesmo assim, o poeta aceitou conversar por um longo tempo com o o jornalista ao telefone. Encerrado o telefonema, Geneton viu que tinha conseguido material para publicar não só uma entrevista no jornal, mas quem sabe um livro. Quando soube que a entrevista seria publicada, Drummond ainda tentou alguma forma de proibi-la, mas o jornal acabou publicando. Geneton ainda ouviria do poeta um comentário do qual que ele até hoje confessa não saber se Drumond estava criticando-o ou fazendo um elogio: "Você é implacável, heim!". Dois dias após a entrevista ser publicada, o poeta viria a falecer. Alguns anos depois, Geneton lançria em livro a totalidade daquela entrevista, com otítulo "Dossiê Drummond: A última entrevista do poeta"
Bom, na minha opinião, Geneton pode encarar o "implacável" como elogio...
Mauro Ventura contou à plateia que antes de começar a escrever "O espetáculo mais triste da Terra: o incêndio do Gran Circo Norte-Americano" chegou a começar a escrever (sem ir em frente) 22 livros. Isso o deixava angustiado, mas pelo menos tinha o exemplo dentro de casa de seu pai, Zuenir Ventura, que somenter escrevera seu primeiro livro "!968, o ano que não terminou", quando tinha mais de 50 anos. Com mais de 40, Ventura resolveu que o livro tão acalentado iria sair, e escolheu um os mais dramátivos edpisódios da história do Brasil - e que ocorrera em 1961, dois anos antes do próprio jornalista nascer. Foram dois anos de muito trabalho e pelo menos 150 entrevistas que resultaram num livro reportagem que se lê febrilmente, como assistíssemos a um bom filme de suspense.
Claro que dúvidas e inseguranças marcaram a feitura do livro. A princípio, o repórter especial do Globo, acostumado com a labuta diária de um grande jornal, pensou que recolhidos todos os depoimentos seria fácil passar para ao trabalho de contar aquela história. Mas não foi assim. Primeira dúvida: como começar o livro? Segunda, como estruturar os capítulos da forma mais envolvente? Terceira: e o grande número de depoimentos contraditórios, de fontes cujas versões pareciam a cada hora negar o que outra havia dito? Quanto a esta última dúvida, quem salvou Mauro foi seu pai, Zuenir, que o emprestou um exemplar do livro do argentino Rodolfo Walsh, "Operação Massacre" - reportagem sobre o fuzilamente de peronistas na Argentina, na qual o autor embaralha de forma bastante hábil as diversas versões do fato.
A partir da leiitura de Walsh, Ventura encontrou o caminho para o seu livro. E então não foi difícil comçar e estruturar a trama daquele fatídico 17 de dezembro de 1961, em Niterói, e que é considerado até hoje a maior tragédia circense da história.
Os dois jornalistas ainda falaram de seus livros e autores preferidos dentro do campo da reportagem, como os relatos de Joel Silveira e Ruben Braga como correspondentes na Segunda Guerra Mundial, as crônicas jornalísticas de Gabriel García Marquez, "Soldados de Salamina", de Javier Cercas, entre outros. Geneton - um dos melhores entrevistadores brasileiros - reclamou do "papo de comadres" em que se transformam algumas entrevistas, em especial na televisão e divertiu a todos ao reclamar do que ele chama de "síndrome da frigidez editorial", que pode ser resumida na incapacidade dos editores em aceitar boas histórias achando que o público não estaria interessado...
Enfim, um debate que rendeu uma noite acalentadora para quem acredita na força do bom jornalismo em encontrar histórias que merecem ser contadas, e em todo o trabalho árduo que faz parte da profissão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário