terça-feira, 30 de junho de 2009

Gay Talese vem ao Brasil - e não está resfriado!

Jornalistas, preparem-se: neste fim de semana, o mestre norte-americano Gay Talese, um dos criadores do new journalism, chega ao Brasil para participar da Flip, a festa literária de Paraty, no Rio de Janeiro. Rara ocasião para conferir de perto o autor de "Fama e anonimato", "A mulher do próximo" e "O reino e o poder" - grandes reportagens que inspiraram e ainda inspiram repórteres iniciantes e veteranos de todo o mundo. Entre as muitas reportagens que deram fama à Talese, hoje um senhor de 77 anos, uma de minhas preferidas é o perfil que o jornalista escreveu sobre Frank Sinatra.

No inverno de 1965, Gay Talese viajou de Nova York a Los Angeles a fim de entrevistar o cantor Frank Sinatra para a revista Esquire. A entrevista já tinha sido agendada pelo editor da revista e o relações-públicas do cantor. Contudo, pouco depois de chegar à cidade, Talese descobriu que ela não seria concedida. Os motivos alegados eram dois. Primeiro, Sinatra estava muito perturbado com recentes reportagens publicadas em jornais sobre suas supostas relações com a máfia. O segundo motivo poderia ser considerado um tanto mais prosaico, mas não para o maior cantor dos Estados Unidos: Frank Sinatra estava resfriado.

Um jornalista inexperiente daria meia-volta e rumaria ao aeroporto de volta. Mas Talese ficou em Los Angeles. Nos dias e semanas seguintes, enquanto esperava pela melhora na saúde de Sinatra e, quem sabe, a tão esperada entrevista, o jornalista procurou entrevistar gente próxima ao astro, que contava com um staff de 72 pessoas. Conversou com músicos e atores, executivos de estúdios, produtores musicais, seguranças, promotores, uma senhora que acompanhava Sinatra por todo o país carregando uma mala com 60 perucas usadas pelo cantor, donos de restaurantes, o filho que vivia à sombra do sucesso do pai, além de mulheres, muitas mulheres. Pessoas que, de uma forma ou de outra, haviam tido algum contato com o astro. Certo dia o relações-públicas de Sinatra ligou e disse que o cantor ainda não daria a entrevista, mas Talese poderia acompanhá-lo numa gravação de um especial para a TV e em outros momentos - de longe.

De repente, veio o insight: todas aquelas pessoas que dependiam de Sinatra encontravam-se unidas pelo fato de saberem que o astro, o "chefão", estava resfriado. A entrevista acabou não sendo concedida, mas Talese já tinha seu material. Voltou para Nova York e escreveu um dos maiores perfis sobre um astro em todo o século XX. A reportagem, que recebeu o título "Frank Sinatra está resfriado", fez um imenso sucesso e é até hoje estudada em dezenas de faculdades de jornalismo. Sinatra não dera a entrevista, mas seu perfil, sua alma, seus interesses, estava tudo ali naquelas páginas. O começo da reportagem é por si só um clássico:

"Sinatra resfriado é Picasso sem tinta, Ferrari sem combustível - só que pior. Porque um resfriado comum despoja Sinatra de uma jóia que não dá para pôr no seguro - a sua voz -, minando as bases de sua confiança, e afeta não apenas seu estado psicológico, mas parece também provocar uma espécie de contaminação psicossomática que alcança dezenas de pessoas que trabalham com ele, bebem com ele, gostam dele, pessoas cujo bem-estar e estabilidade dependem dele. Um Sinatra resfriado pode, em pequena escala, emitir vibrações que interferem na indústria do entretenimento e mais além, da mesma forma que a súbita doença de um presidente dos Estados Unidos pode abalar a economia do país".

O estilo conhecido como New Journalism teve seu auge na década de 1950, quando jornalistas-escritores como Talese, Truman Capote e Lillian Ross começaram a escrever reportagens longas em que as técnicas jornalísticas recebiam ajuda de recursos da literatura de ficção, como diálogos, voz interior etc. A diferença é que nada ali era inventado.

O estilo sobrevive até hoje, em que pese os cortes de custos das empresas de comunicação, que relutam em financiar grandes reportagens, que dão prestígio mas custam muito tempo e dinheiro. Pra quem estiver interessado, recomendo a coleção de livros da série "Jornalismo Literário", da Cia das letras, com grandes reportagens de John Hershey, Tom Wolfe, Norman Mailer, além de brasileiros como Joel Silveira, autor da incrível "A milésima segunda noite da Avenida Paulista".

Autores que, segundo Humberto Werneck, no posfácio de "Fama e anonimato", realizaram a "arte de sujar os sapatos", ou seja, largaram as redações e foram às ruas descobrir belas histórias.

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