Há um mirante iluminado no olhar de Alécio e sua objetiva. (Mas a melhor objetiva não serão os olhos líricos de Alécio?)
Carlos Drummond de Andrade
Anos 60: um casal apaixonado passeia de mãos dadas pelos corredores de um museu. Ao fundo, o quadro "Os amores de Paris e Helena". Anos 70: três freiras vestidas à caráter observam atentamente as mulheres nuas do quadro "As três graças", de Regnault. Anos 80: à frente do quadro "Duas irmãs", duas mulheres (seriam também irmãs?) imitam o desenho retratado. Anos 90: uma mulher, segurando a filha no colo, grita nervosamente (como no clássico de Munch) para o alto - ao fundo, repousa o quadro "Henrique IV recebe o retrato da rainha e se deixa desarmar pelo amor". Anos 2000: uma bela mulher posta-se sem perceber à frente de uma moldura, dando vida, ainda que no brevíssimo instante de um clique, ao quadro.
Todos estes momentos foram registrados pelas câmeras do fotógrafo brasileiro Alécio de Andrade, no interior do Louvre, o museu mais famoso do mundo. Em 1964, Alécio, então trabalhando para a revista Manchete, foi enviado à França para cobrir conflitos de rua. Não voltou mais. Até 2003, quando morreu, foram quase 40 anos captando imagens de visitantes no interior do museu. Nestas quatro décadas. Alécio registrou nada menos de 12 mil imagens. Agora, 88 delas podem ser conferidas na exposição O Louvre e seus visitantes, no Museu Nacional de Belas Artes (Centro do Rio).
Logo nos primeiros anos em Paris, Alécio tornou-se um dos fotógrafos da agência Magnum, uma das mais prestigiadas entre os profissionais. Além dos retratos do Louvre, ficou famoso também pelos retratos de intelectuais, do cotidiano de Paris e as inúmeras imagens da infância. Estas têm espaço privilegiado na mostra do MNBA, como os dois irmãos que apontam para o quadro clássico. "Uma mulher nua!", parecem dizer.
Em 1981, Alécio foi contemplado com um poema de seu amigo e poeta de mesmo sobrenome, Carlos Drummond de Andrade, "O que Alécio vê" (vale a pena ler, no blog de Camila Alam). Para Drummond, as fotos de Alécio constituíam um poderoso, delicado e inesquecível comentário lírico do mundo. E aquelas imagens reveladas no interior do Louvre eram especiais, por terem a grande a grande liberdade de retirarem a formalidade e academicismo do ambiente de um grande museu para dar-lhe vida, contornando-o de poesia.
Alécio, como Drummond, era também um poeta. Um poeta das imagens.
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