Esta crônica está em clima de despedidas. No Rio, despede-se da temporada a peça "O despertar da primavera", depois de figurar em todas as listas de melhores do ano e emocionar uma multidão de espectadores - entre eles muitos jovens que estavam afastados do teatro e que foram não uma, mas duas ou mais vezes conferir. "O despertar da primavera", de Franz Wedekind, foi escrita em 1891, transformada em 2006 num musical pelos americanos Duncan Sheik e Steven Sater e adaptado aqui no Brasil pela dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho. Se você ainda não conferiu, é a chance para um novo despertar - cultural, rebelde e emocionante. E que diz muito ao espírito jovem que todos devemos (ou deveríamos) trazer dentro de si.
Espírito jovem? Sim, se lembrarmos que a peça de Wedekind se passa em fins do século XIX, época de repressão e moralismos, desejos sublimados e opressão. Conta a história de Melchior Gabor, aluno brilhante e rebelde de uma escola ultra-conservadora que se apaixona por Wendla, uma jovem educada pelos pais com rigidez excessiva. Há um núcleo básico entre os três elementos que simbolizam a repressão ao jovem: a escola, a família e a igreja. Os diretores Möeller e Botelho reduziram os atores adultos em cena para apenas um casal e chamaram 19 jovens para o elenco do musical. Ali, os adultos e suas convenções são os inimigos. E a busca do sexo - elemento principal da trama - um tabu a ser enfrentado. Wedekind ousou colocar vários conflitos nos personagens dos jovens em sua trama, como o sexo e a gravidez na adolescência, aborto, suicídio e homossexualismo. Por tudo isso, teve sua peça censurada por décadas. "O despertar" só foi encenada sem cortes ou censura em 1974, muitos anos depois da morte do autor.
Se Wedekind não teve tempo de conferir sua peça na íntegra como imaginou e escrevera, o escritor J.D. Salinger conheceu a glória em vida, mas jamais buscou aproveitar os louros da fama, preferindo viver por décadas recluso na pequena cidade de Cornish, um vilarejo em New Hampshire. Recusava-se a dar entrevistas a qualquer um e nunca cedeu direitos de seus livros para o cinema. Mesmo assim, sua obra mais conhecida, "O apanhador no campo de centeio", romance escrito em 1951, vendeu mais de 60 milhões de exemplares até hoje e estima-se que ainda venda por ano 250 mil exemplares. Qual a razão do fascínio?
Muitos tentaram explicar. O jornalista e escritor José Castelo definiu a obra no jornal O Globo como um "assombro que nunca termina". Um assombro que ele e muitos jovens em todo o mundo teriam sentido ao lerem a obra na juventude. Ou, como escreveu um crítico da revista "Time" à época: "Ele consegue entender a cabeça de um adolescente sem ter uma". Sim, porque toda a trama é narrada por um adolescente, Holden Caufield, no espaço de um final de semana, no qual, recuperando-se de uma crise nervosa, o jovem relembra dos últimos encontros que tivera - um profesor, uma ex-namorada... A originalidade para a época está no fato de o livro relatar todas as inquietações típicas da juventude, suas gírias, palavrões, manias, sua rebeldia aparentemente sem causa etc. Talvez por isso milhares de jovens tenham se identificado com o protagonista. Talvez, também, por este motivo o livro tenha sido até os anos 1980 censurado em escolas, enquanto em muitas outras é ainda hoje leitura obrigatória.
Deixemos então uma lágrima para Salinger, que viveu seu longo outono em reclusão, indisposto à fama e a qualquer encanto do mundo do entretenimento, e saudemos o despertar da primavera. Se existe o paraíso, em algum lugar o recluso escritor poderá encontrar e conversar longamente com o alemão Franz Wedekind. Enquanto isso, suas obras ainda continuarão por muitos e muitos anos sendo lidas ou encenadas, e emocionando as as mentes livres com um pouco da poesia e liberdade do que é ser e manter-se jovem.