quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

We will rock you: 25 anos do Rock in Rio


Numa bela tarde do ano de 1984 o empresário do grupo Queen atendeu ao telefone um tanto surpreso. Seu assistente dizia ser uma ligação internacional vinda do Brasil. Do outro lado da linha o brasileiro se apresentou: seu nome era Roberto Medina e queria contratar a banda para um show dali a um ano no Rio de Janeiro. Onde, no Maracanã?, perguntou o empresário. Não, respondeu o brasileiro, mas sim num terreno de 250 mil metros quadrados, no ainda longínquo bairro da Barra da Tijuca e próximo a Jacarepaguá. O brasileiro ainda avisou ao inglês que aquele seria o maior público que o Queen (então no auge)atingiria em toda a sua carreira. Incrédulo, achando tratar-se de uma grande piada, o inglês riu e não tardou a desligar o telefone, não sem antes prometer enviar àquele brasileiro sonhador uma garrafa de espumante, "no lugar da banda".

Ouvi a historinha contada pelo jornalista João Carlos Santana, do programa da CBN Sala de Música, ao lembrar dos 25 anos do primeiro Rock in Rio. Como o tempo passou rápido! Em janeiro de 1985, alguns meses depois do fatídico telefonema, multidões começaram a rumar para o local dos shows. Eu estava lá, com 15 anos de idade, e estive presente em três noites do festival que mudaria os rumos da indústria de entretenimento no Brasil.

Foi preciso ver para crer. Em meados de 1984 saiu uma notinha na coluna do Zózimo (um dos jornalistas mais bem informados da época) e havia ali a informação, pela primeira vez, de um festival de rock de grandes proporções no Rio de Janeiro, em janeiro de 1985, contando com estrelas nacionais e internacionais. Se antes apenas o inglês não levara a sério a notícia, desta vez muitos brasileiros duvidaram. E não era para menos: no Brasil de então, prestes a sair de uma ditadura militar, não havia nenhum antecedente de grandes shows de rock, nem de grandes festivais ao estilo Woodstock. Ainda mais de rock!?!? Aos olhos da inteligentzia tupiniquim, como cantara Rita Lee, roqueiro brasileiro sempre tivera cara de bandido.

Bem, Roberto Medina seguiu com sua loucura e o projeto acabou saindo do papel. E o empresário cumpriu a promessa de levar ao Queen o seu maior público: quase 300 mil pessoas assistiram extasiadas à banda, com o vocalista Fred Mercury regendo um coro de centenas de milhares cantando "Love of my life" e We will rock you". Fiz parte do coro destas músicas no primeiro dia, o qual estive presente com irmão, primo e amigos, depois de um périplo de mais de duas horas para chegar ao local - num tempo sem Linha Amarela, era necessário pegar um ônibus até a Central do Brasil e depois outro que nos levaria até o local. Carro? Nem pensar, éramos todos adolescentes e fãs de música, com dinheiro contado nos bolsos.

Foi neste dia também que o Iron Maiden realizou um show nota 10, com um profissionalismo de se aplaudir e conquistou uma legião de fãs brasileiros. Aliás, foi durante o festival que se começou a ouvir aqui e ali o termo "metaleiro", para designar os fãs de heavy metal - alguns na época bastante intolerantes com artistas que não os agradavam. Como Erasmo Carlos, que prativamente fou expulso do palco pelos fãs de heavy metal.

Mas, se Erasmo Carlos teve recepção amarga de parte do público, outros artistas brasileiros realizaram ali show inesquecíveis, mesmo com a discrepância de infra-estrutura entre artistas nacionais e internacionais. O cenário dos internacionais era melhor e quase megalomaníaco em alguns casos (a banda AC/DC fizera questão de ter no cenário um imenso sino de 6 toneladas, que teve que vir de navio, para que durante a apresentação da banda ele soasse no começo da música "Hells Bells") e o som, durante os shows internacionais, era bem mais alto.
Pouco acostumados com shows de grandes proporções, uma banda de Brasília que tinha apenas dois discos no currículo - os Paralamas do Succsso - improvisaram dois vasos de samambaias como "cenário" do palco e mandaram ver um show contagiante, que os projetou Brasil afora. Baby Consuelo (depois Baby do Brasil, atual Baby de Jesus, amanhã não sei) com a presença em sua banda de seu marido na época, o guitarrista Pepeu Gomes, conseguiu ser aplaudida até por roqueiros empedernidos após uma versão incendiária do clássico "Brasileirinho". Blitz (ainda na ativa), Lulu Santos e Barão Vermelho (com Cazuza) levaram o público ao delírio.

Outro show inesquecível foi o do dia 13, quando Rod Stewart encerrou a noite fazendo todo mundo cantar e dançar seus clássicos - "Sailing" foi cantada por mais de 100 mil. Lembro ainda de quando Rod levou uma versão super roqueira de "Twisting the night away", um dos clássicos de seu ídolo, a lenda soul Sam Cooke. Neste mesmo dia ainda tivemos as Go Go's, um grupo californiano só de mulheres, e a apresentação da alemã Nina Hagen, que surpreendeu quem não a conhecia com um ótimo show.

Mas também não consigo esquecer da chamada noite do heavy metal. Não era pra menos: no mesmo dia 19 de janeiro estavam escalados Whitesnake, Scorpions, Ozzy Osbourne e, fechando a noite, AC/DC. Ouso dizer que, mesmo com toda a chuva que caiu na véspera e durante o dia - que transformou a cidade do rock num imenso lamaçal - nunca mais os metaleiros terão aqui no Brasil uma noite tão boa e representativa do gênero. Os show foram excelentes, com alguns detalhes curiosos, como a galinha entregue a Ozzy Osbourne - que, reza a lenda, gostava de morder galinhas vivas no palco para beber o sangue - por alguém da fila do gargarejo. Bons tempos aqueles em que não existia plateia vip composta por celebridades entediadas à frente dos outros... E também a irresistível foi a apresentação do AC/DC, com um show de guitarra de Angus Young, coroando a apresentação com tiros de canhão em "For those about to rock - we salut you".

Enfim, foram 10 dias de muita música, paz e chuva. Após o festival, tornou-se comum que as grandes bandas pop incluíssem o Brasil no roteiro. Quem trabalhava com eventos amadureceu da noite pro dia e teve que se profisionalizar, com o tamanho e os números do festival.

Após 1985, houve ainda mais duas edições do Rock in Rio por aqui: a segunda, em 1991, no Maracanã, e a terceira, em 2001, de novo em Jacarepaguá. Com o preço do dólar nas alturas e as dificuldades enfrentadas, Medina levou a marca para a Europa e em 2004 houve o primero Rock in Rio Lisboa, de novo um sucesso de público. Hoje já há também o Rock in Rio Madri, na Espanha e para o ano que vem há a possibilidade de mais edições, na Polônia e...de novo no Rio. É o desejo de Medina, que está em negociações com a prefeitura do Rio para conseguir um local para seu festival que tornou-se um evento planetário.

Quem esteve presente em qualquer das edições do festival - e enfrentou as longas distâncias, a cerveja quente, a lama etc - sabe que valeu a pena. De minha parte, os shows inesquecíveis que vi naquele janeiro de 1985 só me fazem repetir um dos slogans do evento: eu vou!


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