A expressão "tragicomédia" tem origem teatral e diz respeito a uma peça ou situação com caráter de tragédia, mas permeada de humor pelos incidentes e desenlace - muitas vezes involuntário. Podemos descrever como exemplo de "situação tragicômica" a desafortunada tentativa de dois ladrões belgas em detonar, com dinamite, o caixa eletrônico do banco o qual resolveram assaltar. Ao exagerarem (em muito) na carga de explosivos, os infelizes acabaram explodindo a agência inteira - e a si próprios. O curioso fato chegou aos ouvidos dos organizadores do Prêmio Darwin, que resolveram por unanimidade agraciar o fato com o primeiro lugar de 2009.
Pra quem ainda não sabe o que é o Prêmio Darwin, vamos explicar. Trata-se de um prêmio criado na Inglaterra, que desde 1991 escolhe as histórias de mortes consideradas as mais estúpidas do ano, para homenagear "os que melhoram as espécies ao acidentalmente se retirar dela". A explicação científica do site ressalta que os indivíduos agraciados com o prêmio, ao fazerem jus a ele - ou seja, morrerem -, contribuem para a melhoria da genética humana, ao afastarem os "maus genes". Não deixando descendentes, não há risco de a estupidez passar de pai pra filho. Darwin, o homem que mudou definitivamente a ciência humana, em algum lugar deve estar se divertindo a valer com a "homenagem". Que ironia!
O Brasil não poderia ficar de fora do prêmio. No ano passado o Darwin Awards premiou em primeiro lugar o padre gaúcho Adelir de Carli, que teve a criativa ideia de voar puxado por mil balões de gás hélio na região Sul, vindo a morrer no mar em meio a um temporal. No site do Prêmio, há um tributo ao "padre baloneiro", contando em detalhes sua quase façanha: precavido, Adelir providenciou um verdadeiro kit de sobrevivência para levar junto e até um aparelho de GPS para se comunicar caso houvesse algum problema na viagem. Só se esqueceu de uma coisinha: não sabia usar o GPS!
(O mais curioso é que o padre não foi o único a cortejar a estupidez desta forma: segundo o site, em 1982, um americano se prendeu a 45 balões do tempo e, após várias intempéries no céu, voltou vivo pra contar a história - aliás, o fato teria inspirado a história de um dos melhores filmes de 2009: "Up: Altas aventuras", e seu adorável velhinho rabugento louco por balões).
A notícia que li no JB sobre a eleição do prêmio conta que este ano o Darwin foi bem disputado. Em segundo lugar, ficou um americano de 30 anos que, não aguentando de vontade de urinar, parou seu carro no meio da rodovia e se encaminhou para a mureta a fim de se aliviar. Quando viu o número de carros passando, ficou com vergonha e buscou mais privacidade pulando a mureta. O coitado só não percebeu que estava em cima de um viaduto, e morreu estatelado no chão.
O terceiro lugar é ainda mais bizarro: uma mulher, também americana, passeava de bicicleta quando o mal tempo fez surgir uma enchente e ela acabou caindo num rio. A polícia chegou bem a tempo de salvá-la. Quando os policiais se distraíram, a moça mergulhou de volta no rio: queria encontrar a bicicleta. Segundo o jornal, desta vez não houve chances de salvamento.
Pra falar a verdade, a originalidade do Prêmio Darwin é o caráter mórbido da coisa: o sujeito (ou sujeita) tem que morrer para "conquistar" o prêmio. O agraciado é sempre um "vencedor póstumo". Mas congratulações à estupidez sempre estiveram presentes em nossa imprensa.
Lembremos de Sérgio Porto e sua criação, o Febeapá, que não era prêmio mas sim um "festival", ou o "Festival de besteiras que assolam o país". Após a tomada do poder pelos militares, em 1964, Sérgio começou a selecionar diversas notícias que saíam nos jornais de norte a sul do Brasil. Segundo ele, estas notícias serviam para caracterizar os abusos cometidos sob inspiração da nova ideologia governamental. Dois exemplos coletados pelo colunista, de meados dos anos 60:
"Em Mariana (MG) um delegado de polícia proibiu casais de sentarem juntos na única praça namorável da cidade e baixou portaria dizendo que moça só poderia ir ao cinema com atestado dos pais. No mesmo estado, mas em Belo Horizonte, um outro delegado distribuía espiões da polícia pelas arquibancadas dos estádios porque 'daqui pra frente, quem disser mais de três palavrões, torcendo pelo seu clube, vai preso' ".
"Quando se desenhou a perspectiva de uma seca no interior cearense, as autoridades dirigiram uma circular aos prefeitos, solicitando informações sobre a situação local depois da passagem do equinócio. Um prefeito enviou a seguinte resposta, à circular: 'Doutor Equinócio ainda não passou por aqui. Se chegar será recebido como amigo, com foqguetes, passeatas e festas' ".
E pra não dizer que tivemos nosso próprio prêmio à estupidez na imprensa, lembremos aqui do saudoso troféu criado por Augusto Nunes, à época de sua passagem pelo JB, o Troféu Yolhesmann Crisbelles (nome que não quer dizer rigorosamente nada). O Crisbelles foi concebido, segundo o colunista, "para contemplar declarações tão pomposas quanto vazias, frases ininteligíveis ou textos amalucados", como essa espantosa frase do ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, em 2008, sobre a possibilidade de algum apagão no pais:
"Deus é brasileiro, e podemos contar com a ajuda de São Pedro. Por isso, posso garantir ao país que não haverá um apagão energético."
Na época, Nunes desconfiou: "É bom lembrar que São Pedro não tem passaporte verde e Deus anda ocupado demais para vigiar pessoalmente a quantas anda o país natal". Não deu outra: em 2009, tivemos novo apagão em quase todo o país. Procurado pela imprensa, desta vez Lobão saiu pela tangente: colocou a culpa nas "condições atmosféricas" e concluiu, solenemente: "Assunto encerrado!"
Bem, o ministro decretou e nós ouvimos: o assunto está encerrado (pelo menos até o próximo apagão...). O que não está encerrada é a estupidez. No livro "Como me tornei estúpido", o escritor Martin Page cria a histíoria de um rapaz brilhante que, para conseguir ser plenamente aceito na sociedade em que vive, investe na idiotice.
Não preciso nem responder se ele consegue, não é mesmo?
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