(Elizabeth Davies, política sul-africana)
"You're so blind that you cannot see"
(Trecho da música "Free Nelson Mandela", The Special A.K.A.)
Este mês o mundo parou para comemorar os 20 anos da libertação de um homem negro, que ficou 24 anos preso numa cela de proporções mínimas na África do Sul, condenado a trabalhos forçados por discordar e críticar o apartheid - o nefasto regime de segregação racial que durante muitas décadas separou brancos e negros num mesmo país. No dia 13 de fevereiro de 1990, o homem saiu da cadeia e contemplou a liberdade pela qual ele tanto esperara. À sua frente, uma multidão de sul-africanos, negros como ele, que o seguiram pelas ruas da cidade, cientes de que, naquela hora, suas vidas poderiam mudar. O homem parou em frente a uma praça, olhou a multidão e fez um gesto com o punho fechado para o ar. Hoje, no mesmo lugar, uma estátua dele com o mesmo gesto está erguida ali.
Três anos depois, o apartheid encontrava seu fim na África do Sul. Em 1995, o ex-presidiário era eleito presidente da África do Sul e ganhava o prêmio nobel da paz. Estamos falando de Nelson Mandela (ou "Mandiba", seu nome de clã e como é chamado carinhosamente pelos africanos), e se o mundo parou para lembrar dos 20 anos de sua libertação é porque o considera um dos maiores líderes políticos que o mundo conheceu, da segunda metade do século XX até os dias de hoje.Um dos filmes em cartaz nos cinemas, "Invictus" , de Clint Eastwood, narra como Nelson Mandela (brilhantemente interpretado por Morgan Freeman) enfrentou o ódio racial entre brancos e negros pregando a tolerância e o respeito mútuos. Logo numa das primeiras cenas, ao tomar posse como novo presidente, ele nota as salas dos funcionários brancos vazias - haviam arrumado seus pertences acreditando que seriam preteridos por negros. Mandela reúne todos os funcionários - brancos, negros e mestiços - e diz que está ali para trabalhar com todos, sem restrições, acreditando apenas na competência de cada um, acima da cor da pele. Lembrem-se de Martim Luther king e seu famoso discurso, "I have a dream...". Numa sequência, o retrato de um líder.
Mandela conseguiu unir uma nação em torno de um time desacreditado, a seleção de rugby (símbolo, para a maioria negra, do regime opressor) e não mediu esforços para que eles chegassem à final da Copa do Mundo. Uma frase do capitão do time de rugby, ao visitar a cela de Mandela na prisão em que estivera preso, sintetiza a grandeza do líder sul-africano: "Como este homem conseguiu ficar mais de 20 anos preso neste cúbiculo e ainda consegue perdoar quem o colocou aqui?"
"Invictus" presta de fato uma bela homenagem a Nelson Mandela, mas eu queria era lembrar que, muito antes do cinema, em 1984, quando ainda estava preso, Mandela era agraciado com um libelo em forma de música vindo da Inglaterra, ainda antes de sua libertação, por meio da canção "Free Nelson Mandela", do grupo multirracial Special A.K.A. (ex-Specials), integrante do movimento Two Tone - dois tons, preto e branco. As bandas da Two Tone começaram a surgir a partir de 1979, no vácuo deixado pela fúria do movimento punk, e combinaram a anarquia e energia do punk com um gênero musical próximo do reggae, o dançante ska, difundido na Inglaterra por imigrantes jamaicanos. O sucesso das novas bandas foi imediato e influenciou até medalhões do rock "branco", como o Clash, que regravou o clássico jamaicano "Police and thieves".
Ou seja, enquanto antes de Mandela chegar ao poder era inconcebível ver negros e brancos apertando as mãos na África do Sul, na Inglaterra brancos e negros uniam-se para balançar o cenário musical com canções politizadas e extremamente dançantes. A metrópole reunindo pretos e brancos através da música, enquanto a ex-colônia insistia num regime de segregação racial. São as ironias da história contemporânea.
Na gravação de "Free Nelson Mandela" - com o som da Two Tone já em seu crepúsculo, sendo substituído nas paradas pelos grupos new romantics, ou simplesmente pelo som que seria chamado mais tarde como "new wave" -, o compositor Jerry Dammers, autor da música, contou no estúdio com membros originais de bandas famosas do movimento, como Specials, The Beat e Bodysnatchers. Nos vocais de apoio, ajudaram a criar uma canção ao mesmo tempo politizada e de irresistível apelo dançante.
"Free Nelson Mandela" ("Libertem Nelson Mandela") fez milhares de jovens ingleses cantarem pela libertação do líder negro, quando ainda estava preso. A maioria das bandas que compunham a Two Tone eram politizadas, e Jerry Dammers, investido no movimento anti-apartheid. "Free Nelson Mandela" tornou-se um sucesso e funcionou como um verdadeiro grito pela libertação do líder sul-africano. Muitos destes jovens ingleses que dançavam a música em clubes e afins nunca haviam ouvido falar em Mandela e cantavam em coro nos shows da banda versos como "you're so blind that you cannot see", que poderiam estar se referindo aos próprios ingleses ou ao mundo ocidental - alheios à desgraça sul-africana.
Felizmente, a desgraça, ou o apartheid, estava também em seus últimos momentos. Em 1993 era extinto o regime que por séculos perdurou, e em 1995 Mandela estaria à frente de milhões de compatriotas para fazer história.
Nelson Mandela - The Special A.K.A.
Free Nelson Mandela
Free Free
Free Free Free Nelson Mandela
21 years in captivity
Shoes too small to fit his feet
His body abused, but his mind is still free
You're so blind that you cannot see
Free Nelson Mandela
Visited the causes at the AMC
Only one man in a large army
You're so blind that you cannot see
You're so deaf that you cannot hear him
Free Nelson Mandela
21 years in captivity
You're so blind that you cannot see
You're so deaf that you cannot hear him
You're so dumb that you cannot speak
Free Nelson Mandela