Sou daqueles que sempre levam um livro na mochila para qualquer viagem que faça. A trabalho ou lazer, sempre há a possibilidade de uma chuva impiedosa confinar a gente dentro de casa ou no hotel, e então um bom livro surge como saída acalentadora. Neste carnaval não foi diferente. Nos intervalos da folia, li o romance "Os espiões", de Luis Fernando Verissimo, autor que na opinião deste blogueiro deveria tornar-se leitura obrigatória em escolas de de todo o país, apenas para mostrar a nossos jovens como a boa literatura pode ser algo divertido e prazeroso.
"Os espiões" é um romance que trás de volta aos leitores uma das características marcantes do escritor gaúcho: misturar personagens típicos do cotidiano, daqueles que qualquer um de nós poderíamos encontrar numa mesa de bar - e o bar é um dos cenários-chave da trama - com um enredo mirabolante e com inúmeras citações cultas - da mitologia grega ao pintor italiano De Chirico, de considerações hilariantes sobre literatura a um suposto crime na fictícia cidade de Frondosa - local para onde os amadores espiões criados pelo escritor se aventuram em busca da resolução de um enigma - ou seja, a estranha carta que o protagonista recebe certo dia: ali, uma mulher chamada Ariadne promete contar sua história e depois se matar.
Em entrevista recente, Verissimo disse que só tinha a curiosa primeira frase do livro - "Formei-me em letras e na bebiuda busco esquecer" - antes de sentar e escrever todo o romance. Aos poucos os personagens e situações foram surgindo.
Motivado pela leitura do blog Todoprosa, do jornalista e escritor Sérguio Rodrigues, no qual há a seção "Começos inesquecíveis", transcrevo abaixo o primeiro parágrafo de "Os espiões": um ótimo exemplo de técnica literária, erudição e humor. Verissimo apresenta o protagonista e dá o tom da trama que virá nas próximas páginas.
Leiam e divirtam-se, então. (Só não precisam concordar com a excentricidades literárias do protagonista..ainda que motivadas por uma bela ressaca...rs):
"Formei-me em Letras e na bebida busco esquecer. Mas só bebo nos fins de semana. De segunda a sexta trabalho numa editora, onde uma das minhas funções é examinar os originais que chegam pelo correio, entram pelas janelas, caem do teto, brotam do chão ou são atirados na minha mesa pelo Marcito, dono da editora, com a frase "Vê se isso presta". A enxurrada de autores querendo ser publicados começou depois que um livrinho nosso chamado Astrologia e Amor - Um Guia Sideral para Namorados fez tanto sucesso que pérmitiu ao Marcito comprar duas motos novas para sua coleção. De repente nos descobriram, e os originais não param mais de chegar. Eu os examino e decido seu futuro. Nas segundas-feiras estou sempre de ressaca, e os originais que chegam vão direto das minhas mãos trêmulas para o lixo. E nas segundas-feiras minhas cartas de rejeição são mais ferozes. Recomendo ao autor que não apenas nunca mais nos mande originais como nunca mais escreva uma linha, uma palavra, um recibo. Se Guerra e Paz caísse na minha mesa numa segunda-feira, eu mandaria seu autor plantar cebolas. Cervantes? Desista, hombre. Flaubert? Proust? Não me façam rir. Graham Greene? Tente farmácia. Nem le Carré escaparia. Certa vez recomendei a uma mulher chamada Corina que se ocupasse de afazeres domésticos e poupasse o mundo de sua óbvia demência, a de pensar que era poeta. Um dia ela entrou na minha sala brandindo o livro rejeitado que publicara por outra editora e o atirou na minha cabeça. Quando me perguntam a origem da pequena cicatriz que tenho sobre o olho esquerdo, respondo:
- Poesia.
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