Atenção: este post é pra quem aprecia um bom texto jornalístico, uma crônica de um mestre que acaba de nos deixar.
Um tanto atrasado, eu não poderia deixar de reverenciar aquele que fez do jornalismo esportivo algo à beira do sublime, um mestre botafoguense tão bom nas letras como Garrincha o fora com a bola nos pés: Armando Nogueira. Nogueira era um estilista da palavra, um craque da crônica apaixonado por futebol, que com rara habilidade e categoria deixou para a posteridade textos belíssimos.
Seleciono apenas um deles, o majestoso "Na grande área", mesmo nome de sua coluna de jornal e depois de seu primeiro livro. Com vocês, Armando Nogueira:
Tudo acontece na grande área: a guerra de Pelé, a guerrilha de Garrincha, o chute fatal, a rebatida heróica, o drible temerário de um beque, a tragédia do goleiro, em cujos pés solitários a grama não floresce; na grande área, ressoa, implacável, a hora da verdade, erguendo e derrubando mitos no gesto simples de chutar uma bola; na grande área, nasce o gol, nasce o infarto que mata de emoção o torcedor; na grande área, onde os homens se acovardam e se engrandecem, a rasteira é pecado que no ato se paga pelo castigo do pênalti, entidade tão decisiva no destino de um jogo que, segundo um velho pensador do futebol, só devia ser cobrado pelo presidente do clube; nos canteiros da grande área, os pés imortais de Domingos da Guia pisando a grama de leve para não magoar a própria semente de sua arte - Nilton Santos.
Quanta emoção na pureza geométrica da grande área, onde não falta sequer o singelo mistério da meia-lua, quarto minguante dos fracos, lua cheia de Leônidas.
Vivi tristezas, vivo alegrias, tenho chorado, já cantei muito, às vezes rezo, vendo a bola correr, na grande área; nem mesmo os sentimentos mais subalternos da alma humana - nem deles a grande área do futebol me tem poupado o coração; já tremi de medo, já odiei, já invejei. A paixão do futebol tem me pesado a vida de tantas emoções que já não tenho mais o direito de lastimar se um dia a morte me queira surpreender no instante de um gol.
(Armando Nogueira)
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