sexta-feira, 4 de março de 2011

O bebê de tarlatana rosa - versão 2011

A folia está chegando...Marginal conservador está, como dizia a música do Chico, se guardando pra quando o carnaval chegar. Mas antes queria aqui deixar registrada a história da incrível e aterradora foto ganhadora do World Press Photo de 2010.

Trata-se do retrato da jovem afeganistã Bibi Aisha, que, ainda bem jovem, casou com um homem que não amava e, pior, era bem violento. Poderíamos refletir se o casamento teria sido arranjado - como ainda o são muitos em países muçulmanos - ou não. Mas o pior ainda está por vir.

Um dia, cansada da violência do marido, Bibi foge de casa e se refugia na casa dos pais. O marido, indignado, a procura e a toma de volta. Não satisfeito, exige um julgamento pela regras do Talibã. A sentença é cruel: com a ajuda do cunhado, o marido corta as orelhas e o nariz de Bibi, depois a abandona à própria sorte. Algum tempo depois, uma organização de ajuda humanitária a encontra e a leva para os Estados Unidos, onde vive hoje. Desde então, Bibi frequenta sessões de ajuda psicológica e já passou por várias plásticas para reconstruir os órgãos extirpados.

Não, não vou deixar aqui a foto registrada em plena época de folia, mas quem quiser pode ir direto ao site do World Press Photo e conferir. O retrato de Bibi sem o nariz e vestida com o véu árabe me faz lembrar de outra jovem afegã, Sharbat Gula, a menina de 12 anos cujo belíssimo rosto saiu na capa das 100 melhores fotos de todos os tempos da revista National Geographic. Em 2002, a menina foi reencontrada pela equipe da revista e mereceu novo registro. Na imagem, as marcas do tempo impiedoso, que reflete uma mulher já madura, de trinta anos, de semblante não mais assutado, mas, como escreveu o crítico Ademir Pascale em bela resenha, dona de um olhar ainda expressivo, embora maduro e cansado.

O retrato da afegã Bibi, desfigurada, me leva ainda a lembrar de um conto do genial João do Rio, passado numa época de Carnaval do começo do século passado, em que as máscaras imperavam nos bailes e as ruas eram invadidas pelos primeiros blocos, ainda chamados de cordões ou corsos. Em, "O bebê de tarlatana rosa", um folião sente-se atraído por uma mulher durante um carnaval nas ruas do Rio. Ela, como tantos outros, está com uma máscara em que é ressaltado um falso nariz. Após um jogo de sedução de parte a parte, chega uma hora em que o homem, narrador da história, pede que a moça retire o falso nariz, para apreciá-la melhor. A moça reluta o quanto pode: por alguma razão, ela quer permanecer mascarada.

De tanto insistir, o homem tem o seu desejo atendido. A moça, vencida, subitamente fica séria e retira a máscara. O homem, então, aterrorizado, vê a realidade que não deveria ter presenciado: a moça, dona de um defeito genético, não tinha nariz, e sim um buraco no meio do rosto por onde conseguia respirar. Seu único momento de felicidade era durante o Carnaval, onde colocava a máscara e podia se confundir na massa de foliões, arlequins e colombinas sem "agredir" ninguém com seu estado.

Bibi Aisha é o "bebê de tarlatana" deste novo século tão conturbado por guerras, injustiças e opressões, onde mulheres em diversas regiões continuam sendo vítimas de intolerância dignas da Idade Média, ou pior. Com certeza, ao darem o primeiro prêmio ao seu retato desfigurado, os organizadores do World Press Photo quiseram deixar um claro recado à sociedade. Uma denúncia de costumes bárbaros em tempos de progressos tecnológicos e redes sociais.

Torçamos para que os médicos americanos consigam reconstruir o nariz e as orelhas de Bibi Aisha. E que continuem prestando todo o apoio psicológico para que ela não perca sua dignidade, que já demonstrou ter ao fugir de uma situação na qual milhares de afegãs são obrigadas a passar. E que um dia ela possa ver que ainda existe alegria no mundo, como nos carnavais mundo afora, quando todas as máscaras deveriam estar apenas a serviço do prazer.

Um comentário:

Unknown disse...

Gostaria Muito de assistir esse filme mas não consigo encontra-lo de jeito nenhum. por favor me digam onde eu posso baixa-lo.