terça-feira, 30 de junho de 2009

I'll be there: Como Michael Jackson chegou a todos os lares do mundo

Eu não ia escrever nada sobre a morte de Michael Jackson. Achei que as inúmeras edições especiais de jornais e revistas, programas de televisão, especiais no rádio, além de homenagens em sites nos quatro cantos do mundo se bastariam. Mas foi impossível. Não há como passar ao largo da morte deste grande ídolo. Em termos de comunicação, a morte de Jackson mostrou e ratificou a força do meio online: o site TMZ foi o primeiro a dar o furo mundial e, não satisfeito, ainda mostrou com exclusividade a chamada telefônica dos empregados do astro para a emergência. Rapidamente uma multidão em Los Angeles prostrou-se à frente da clínica para onde o artista fora levado. Na mesma tarde, um congestionamento como há muito não se via na internet chegou a emperrar o serviço de alguns provedores, como o Google. Todos queriam saber sobre o estado de Michael - aquele jovem desconhecido que começou a cantar ainda criança em bares sujos de Gary, Indiana, teve sua morte transmitida em questão de minutos para todos os cantos do planeta.

Agora, me diz com sinceridade: algum outro astro pop conseguiria tal repercussão?

Eu tinha 12 anos quando o álbum "Thriller" foi lançado, em 1982. E, posso dizer, com certeza nunca vi um único álbum tocar tanto nas rádios como naquela época. No auge do sucesso da canção "Billy Jean", uma experiência interessante era girar o dial do rádio FM por inteiro - a cada três estações percorridas, uma delas estava tocando o hit. Em 1983, na festa dos 25 anos da gravadora Motown, Michael, já um grande sucesso, mostrou ao público pela primeira vez os passos inacreditáveis de sua dança mais famosa, o moonwalk. Era a consagração total do astro.



Nos anos posteriores, sua fama só faria por aumentar. Se, no começo da década de 1990, sua trajetória artística já começara a declinar, seu sucesso como celebridade ainda era arrasador, como podemos conferir neste trecho do livro "Dish: how gossip became the news and the news became just another show", de Jeannette Walls:

Por volta de 1993, a cultura das celebridades era tão invasiva que astros do cinema e da música estavam entre as mais poderosas pessoas do país - e nenhum deles era maior que Michael Jackson. Jackson não era apenas um pop star; ele era sozinho um conglomerado multibilionário. Ele havia assinado um contrato com a Sony que chegara a 1 bilhão de dólares, o maior na história do entretenimento. Seu acordo com a Pepsi creditava a ele o aumento no número de consumidores do refrigerante numa média de lucros de 470 milhões de dólares, e Jackson então era uma grande e valiosa commodity para a empresa.
A cultura das celebridades, contudo, estendeu-se para além de seu lado financeiro. Eles eram os mais sagrados ícones da sociedade moderna. Celebridades haviam conquistado um significado cultural e um impacto emocional na América não encontrado em líderes religiosos ou políticos. E no começo dos anos 1990, nenhum performer personificou mais a síndrome de celebridade-semideus do que Michael Jackson. Era uma imagem que ele levara muito tempo cultivando. Embora seu trabalho filantrópico nesta década fosse limitado mais a cantar canções sobre crianças desamparadas em hospitais, Jackson era visto como um dos maiores líderes humanitários do mundo. Presidentes queriam ser fotografados junto a ele, e ele recebeu honras de Carter, Reagan, Bush e Clinton. O prefeito de Los Angeles Tom Bradley criou um Dia de Michael Jackson.

Muito se falou, nessa overdose de Michael Jackson que estamos recebendo desde quinta-feira passada, das contribuições do artista para a cultura de sua época. Jackson não foi somente um ótimo cantor, de voz afiadíssima, mas um grande dançarino e um visionário em seus videoclipes.

Antes de "Thriller", o videoclipe era uma mera peça comercial destinada a promover o disco do artista da música. Michael Jackson percebeu antes de todos que aquilo poderia ser mais que uma novidade da indústria do entretenimento -poderia ser um produto cultural, com valor estético.

Assim, Michael juntou todos os seus talentos na divulgação de seus videoclipes. A MTV americana nascera apenas um ano antes do lançamento de "Thriller", em 1981, conservadora (só tocava artistas brancos) e com um videoclipe de estreia que parecia profetizar o que viria por aí: "Video killed the radio star" ("o vídeo matou o artista de rádio"). Michael Jackson levou a sério o recado e intuiu que a música entrava ali em sua era visual.

O estouro do disco forçou a MTV a exibir os videoclipes de Michael, que se tornou o primeiro astro negro a tocar na emissora. No videoclipe de "Billy Jean", foi de Jackson a ideia de iluminar os pisos da rua que acendiam enquanto o artista dançava e cantava. No clipe de "Beat it", a produção estourou em cinco vezes o orçamento, e a gravadora avisou que não iria pagar. Jackson bancou do próprio bolso. O resultado, com as cenas de lutas coreografadas entre duas gangues rivais, correu o mundo e foram copiadas ad nauseum. Aliás, para dar maior veracidade às cenas, foram chamados em "Beat it" não só bailarinos mas integrantes reais de gangues de rua de Los Angeles.

A partir de "Thriller" - considerado até hoje melhor videoclipe da história, dirigido por John Landis, convidado por Jackson que ficara impressionado com os efeitos especiais mostrados no filme "Um lobisomem americano em Londres" - o artista começou a convocar grandes cineastas para dirigi-los, como Scorcese e Spile Lee. Os orçamentos eram enormes, mas valia a pena: cada clipe era aguardado como um acontecimento.

E assim foi com "Bad", com "They don't care about us", com "Black or white"(com sua lendária e revolucionária, para a época, fusão de rostos, em que um negro virava uma asiática, que virava uma africana, que virava um latino, depois um europeu...) e "Remember the time" (também sem economizar nos efeitos e com vários astros de Hollywood como coadjuvantes. Em todos eles, aparecia o artista em sua totalidade: cantor, dançarino, ator, performer.

Michael Jackson deu status de arte ao videoclipe. Pare um pouco, quando estiver em casa, e assista a um entre vários outros que passam diariamente nos canais de TV. Note que a maioria - em especial aqueles de artistas ligados à black music - copiam ideias já lançadas em algum clipe do artista. Sem o saber, estão pagando tributo ao cantor.

É pena que nos últimos 15 anos Michel jackson não tenha feito nada de artisticamente relevante. Suas mudanças na cor da pele (algo que ainda merece um bom estudo) e as diversas plásticas, além das diversas acusações de pedofilia contra meninos em seu rancho Neverland, transformaram-no numa mina de ouro para tablóides sensacionalistas. Aqueles mesmos que até semana passada o chamavam de freak, excêntrico, maluco, pedófilo; e que agora o veneram como o rei do pop.

E como nós, brasileiros, gostamos de celebrar nossos ídolos através do humor (às vezes rir é bem melhor do que ficar se condoendo em lamentações), deixo aqui a piada já levada em alguns sites e republicada na coluna de Anna Ramalho, no JB (confesso que só havia lido a primeira parte, mas com a "participação" de outra megapopstar a historinha fica ainda melhor):

Após a morte, Michael Jackson chega ao Céu e vai logo perguntando para São Pedro:
- Cadê o Menino Jesus. Estou louco para conhecê-lo!
- Sinto desapontá-lo, mas a Madonna já passou a mão nele! - respondeu o santo.

Descanse em paz, Michael.

3 comentários:

Janaina Faustino disse...

Oi, Rogério! Concordando com sua reflexão sobre a importância de Michael Jackson não apenas pra música pop mundial, mas, sobretudo, pra cultura de nosso tempo, diria que sua morte é altamente simbólica também por dois outros aspectos: 1) talvez ele tenha sido um dos últimos grandes ídolos da cultura pop (a única que acho que se equipara a ele em termos de "tamanho midiático", mesmo não tendo o mesmo talento, é Madonna); e 2) a grande indústria do disco, agonizante há tempos, recebeu o seu tiro de misericórdia.
Ah, e dois meses depois da morte, parece que Michael não descansará em paz tão cedo... Deplorável o papel da imprensa e, pior, de sua família nesse processo todo... Um beijo.

Rogério Martins disse...

Oi, Janaína. Realmente Michael Jackson talvez tenha sido o último grande megastar da cultura pop de nosso tempo. E todo aquele rolo com o corpo do artista (ouvi dizer que o mantém congelado) já está virando um novelão. Mas torço para que a indústria do disco não tenha recebido seu tiro de misericórdia. Sim, devemos buscar meios alternativos para a divulgação de novos artistas. No entanto, penso que um mundo sem álbuns completos, apenas músicas em "arquivos mp3" lançadas na internet sem o auxílio de gravadoras, seria bastante empobrecedor para a nossa fruição musical. O Radiohead avisou há pouco que não está mais interessado em fazer álbuns. Tudo bem, mas como escreveu o Jamari França no blog Jam Sessions, será que eles fariam isso se estivessem começando? Think about. Beijos.

Janaina Faustino disse...

Olá, Rogério. Sim, o que quis dizer é que me parece altamente simbólico que o maior vendedor de discos da história da música tenha morrido exatamente em uma época em que essa indústria se vê perdida. É como se tivesse ocorrido um ponto final, sabe? Nenhum outro artista vai vender discos como ele vendeu (pelo menos não naquele formato). Mas não é com alegria que percebo isso. Realmente o álbum completo tem grande importância. Pra mim um disco tem uma lógica, ou melhor, um conceito e eu só o compreendo dessa forma. Por exemplo, considero o "Off the wall" o melhor álbum dele pela sua forma e pelo seu conceito estético, incluindo aí desde a concepção gráfica do LP até o som. Acho o "Off the wall" uma obra-prima da música pop. Isso tem plena relação com nossa fruição, sim. O que nos resta é esperar pra ver até onde esses novos meios alternativos de divulgação vão nos levar. Beijos.