quarta-feira, 23 de junho de 2010

Sobre dublagens no cinema e a "grossura" de Les Grossman

No começo do ano fui ao cinema com a namorada assistir "Sherlock Holmes". Era uma sessão noturna, creio que das 21 horas. Qual não foi minha surpresa ao começar o filme e notar que desta vez não haveria legendas - o filme havia sido dublado. Nos entreolhamos, achamos estranho, mas como a maioria do público que já estava na sala parecia não reclamar, assistimos à sessão assim mesmo. Admito que na hora fiquei um tanto tanto contrariado - não me agradava ter de ouvir a voz de um dos meus atores preferidos (Robert Downey Jr.)dublada por um brasileiro. Mas, quer saber? Achei a dublagem bem satisfatória.

Na verdade, eu não deveria ter achado nada estranho. Já faz algum tempo que as distribuidoras lançam filmes de grande público em cópias dubladas e legendadas. Pesquisas feitas com o público dos blockbusters americanos mostrou que eles desejavam ver seus heróis em cópias dubladas também, e o mercado apenas seguiu a pesquisa. Daí o lançamento recente de cópias dubladas em português - e com ótima recepção do público - de filmes-pipoca como "Piratas do Caribe 3","Duro de matar 4", "Transformes 2", entre outros.

Os de grande público, bem entendido; porque aqueles filmes que se restringem ao circuiito alternativo continuam sem merecer cópias dubladas. E cá pra nós, creio que os admiradores deste circuito - os cinéfilos - em sua maioria torceriam o nariz para qualquer filme europeu ou asiático dublado. Imaginem um cinéfilo empedernido, daqueles que passam longe de qualquer blockbuster americano, entrando num cinema para assistir ao último cult-movie sul-coreano e se deparando com um asiático falando em português algo como..."qual é, meu irmão, o que tá pegando, mano"...não tenho dúvidas que o sujeito iria querer tomar alguma satisfação com a gerência.

Confesso que prefiro ver filmes no idioma original. Sou de uma geração que aprendeu a ver filmes legendados. Mas hoje não fico mais tão irritado em ter de assistir a filmes dublados, pois a verdade é que o serviço está mais profissional e melhor. Claro que há bons e maus dubladores, assim como há bons e maus filmes. O cinema hoje virou um passatempo mais de elite, e nossa cultura de "ler filmes" está sendo transferida por outra, mais receptível aos filmes dublados. Na Europa, os filmes dublados são realidade há muito tempo, e já rendeu até uma tese de doutorado sobre o tema. Como informa o jornalista Carlos Albuquerque em ótimo artigo, a dublagem no cienema já foi usada com os mais diversos interesses, desde o diretor que escolhia outras vozes que julgava mais adequadas para dublar os personagens de seus filmes (Fassbinder é um exemplo), até casos mais idelológicos, como na inusitada primeira versão para o alemão do clássico "Casablanca", na qual, através de cortes e substituição de diálogos, todos os nazistas e colaboradores da resistência do filme americano simplesmente desapareceram.

No Brasil, um dos motivos pelo qual a dublagem demorou a chegar aos cinemas -ficando por décadas restrita aos desenhos animados - estaria ao meu ver nas péssimas condições das salas de cinema até os anos 1980, época em que o cinema era realmente, como dizia a propaganda, a maior diversão: popular, com preços baixos. Faltou completar: e com salas ruins.

Quem tem mais de trinta anos sabe o que estou falando. O sistema de som da maioria das salas era péssimo e muitas vezes quem pagava o pato era o cinema brasileiro. Lembro de ter ido ver nessa época o filme nacional "O grande mentecapto", num cinema de rua, que obviamente não existe mais. Não consegui entender ou ouvir a metade do que os personagens diziam, devido ao som abafado. Na saída, ainda ouvi alguns espectadores lamentando a precariedade do filme nacional.

Enquanto espectadores brasileiros reclamavam injustamente contra a precariedade do som nos filmes nacionais, alguns diretores daqui aproveitaram a dublagem em seus filmes de forma original. Tal qual Fassbinder, um cineasta brasileiro que adorava mexer na dublagem de suas criações era Ivan Cardoso, o maior nome do "terrir" nacional. Lembro que por ocasião destes festivais de cinema, a organização programou alguns filmes nacionais para serem exibidos na praia. Eu estava em Copacabana quando foi programado o filme "O segredo da múmia", uma hilariante comédia onde havia um personagem, vivido por Evandro Mesquita, que era dublado no filme pela voz do Robin (!). Sim, por aquele mesmo dublador da série "Batman e Robin" das antigas. Numa cena inesquecível, Evandro/Robin é preso pelo vilão e deixado numa cela com várias mulheres - todas nuas. A frase de espanto do personagem com certeza jamais seria dita pelo Robin da TV: "Puta que pariu!!!"

Nem preciso adiantar que quando todos caíram na gargalhada quando ouviram tal palavrão sendo dito pela voz do Robin. Santa grosseria, Batman!


***

Vem mais groseria aí. Minha boa vontade para com filmes dublados melhorou um pouco depois de, por um incidente doméstico, ser obrigado a assistir ao filme "Trovão tropical", dirigido pelo comediante Ben Stiller em uma cópia da locadora dublada. Eu havia alugado o filme por indicação de um amigo, mas confesso que até a metade estava achando bastante enfadonho. Nem a presença de Robert Downey Jr. no papel de um soldado negro (!) revoltado me chamava a atenção.

Foi então que, lá pela metade do filme, que eu assistia com legendas, como sempre faço, o som em inglês começou a dar problemas. Depois de retirar a cópia, limpá-la e mesmo assim o problema continuar, vi que a única forma de conseguir assistir à minha sessão doméstica seria vendo/ouvindo em português mesmo. Foi então que tive duas surpresas hilárias.

Primeiro: o filme dublado em português, com toda a grossura do roteiro e sua profusão de fucks! sendo dita em altos e bons palavrões em português deixava a fruição da trama muito mais divertida! E em segundo lugar, um personagem que surge do meio do nada me fez dar boas gargalhadas até o fim do filme. Tratava-se de Les Grossman (atente para a ironia do nome), um executivo dono de estúdio gordo, careca, mal-educado, supergrosso e vivido por um ator que já fora considerado o protótipo do galã de cinema-bom moço: Tom Cruise!

(Entre parêntesis: considero Tom Cruise uma das figuras mais intrigantes do cinema americano. Tudo bem, ele pode ter mil problemas com fãs, superstições e tudo o mais, além de ser embaixador daquela curiosa religião, a cientologia, que entre outras coisas prega termos sido colonizados por extraterrestres. Mas volta e meia aparece com uma atuação espetacular. Não acreditam? Então confiram a performance do ator em "Entrevista com o vampiro", "Colateral", ou simplesmente aquela que é sua melhor, em "Magnólia").

Quem viu o filme "Trovão tropical" sem atentar para os créditos, com certeza não notou que aquele executivo com um vocabulário supergrosso e disparando impropérios a cada segundo era de fato Tom Cruise. Mas era. No meu caso, devo admitir que ouvir o derramar de grosserias do personagem em bom (?) português foi uma experiência hilariante. E a atuação do ator foi tão elogiada (e engraçada) que será agora levada novamente aos cinemas. Sim, Les Grossman terá um longa-metragem só dele.

Não sei se tem a ver, mas a notícia foi dada justamente após Les Grossman participar da entrega dos prêmios da MTV Movie Awards, dançando com Jennifer Lopez e ofuscando terrivelmente a duplinha de galãs-mirins da série "Crepúsculo". Confiram aqui o diálogo de Grossman com o ator de Crepúsculo Robert Pattinson, que virou comercial de sucesso nos EUA. Pena que não achei a versão dublada...





Não é nada, não é nada, já é hora de sermos mais tolerantes com as dublagens bem feitas. mesmo que seja para presenciarmos as grosserias politicamente incorretas de um personagem como Les Grossman.

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