sábado, 24 de dezembro de 2011

Smile! É Natal

Finalmente, nos estertores de 2011, Marginal Conservador está de volta. Sei que para manter um blog hoje em dia deve-se seguir à risca uma das regras básicas para fisgar letores, que é mantê-lo sempre atualizado. Bem, um tanto por falta de tempo, e bastante por desorganização interna, deixei de postar artigos aqui pelo período de sete meses... Mas a vontade de escrever voltou forte e estou de volta. Sei que posso ter perdido alguns dos meus poucos leitores, sei também que estou voltando praticamente do zero, mas a necessidade interna de postar aqui observações sobre a comuicação, a música, o cinema e o mundo continuam. E, como o fim de ano é época de promessas - que nem sempre são cumpridas, é certo, rsrs - prometo que em 2012 o blog terá finalmente uma periodicidade razoável. Por enquanto, ocuparei este final de ano com pequenas pílulas; assuntos que eu gostaria de ter escrito e deixei passar.

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2011 foi um ano de grandes avanços tenológicos, apesar da perda de Steve Jobs, um dos grandes gênios de nossa era. A cada mês um sem-número de inovações dentro das mídias digitais é lançada. Filas quilométricas - que antes só se formavam para o lançamento de uma obra cultural bastante esperada - para os lançamento de um no gadget eletrônico são constantes. Ao mesmo tempo, o mundo europeu passa por grave crise econômica e há revoltas populares em diversas partes do mundo. Especial atenção deve ser dada às revoltas que começaram a proliferar em janeiro no Oriente Médio e que fez brotar a chamada Primavera Árabe. Diferente das revoluções armadas do passado, um dos diferenciais das insurreições no Egito e Tunísia foi o papel das redes sociais (como o Facebook e o Twitter) nas manifestações, que levaram milhares às ruas e forçaram a saída de "faraós embalsamados" há décadas no poder. Sim, com a internet ficou mais difícil para o poder instituído controlar os meios de comunicação da mesma forma que faziam antes, ou seja, apelando para violência e a censura. A internet não foi a causadora das revoltas no mundo árabe, mas teve papel fundamental como catalisadora destes eventos.

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Falando de censura, de forma velada ou não, ela também esteve entre os personagens non gratos de 2011. Como estão vendo, Marginal Conservador volta bem mais marginal que conservador neste fim de ano. A censura esteve presente na proibição do filme sérvio "A serbian movie: terror sem limites" no meio do ano, pela Caixa Cultural, e também com o cancelamento da mostra de fotografias da artista americana Nan Goldim no Oi Futuro, também no Rio. Sobre esta última mostra, agora prevista para acontecer no MAM, transcrevo um ótimo comentário feito por Francisco Bosco em sua crônica do Globo:

"Não posso deixar de comentar a infeliz decisão do Oi Futuro de censurar – é essa a palavra – a mostra de Nan Goldin, para mim uma das maiores artistas do mundo. Pois é importante perceber que essa censura por critérios de mercado (as fotos não são rentáveis para a imagem da empresa) é tão política quanto a censura tradicional, típica de poderes totalitários: ela impede representações alternativas do mundo, outros modos de interpretar e propor a vida. Viva o MAM, que prontamente acolheu a mostra.”

Apenas para arrematar. A censura ao filme sérvio ocorreu porque a Caixa receava perder certos clientes que, mesmo sem ter visto a obra, teriam ficado indignados coma as "fortes cenas" do filme. Ou seja, uma censura também por motivos econômicos.

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Sim, foram muitos assuntos sobre os quais eu deveria ter escrito e por diversas razões deixei passar. Mas, depois de falar sobre revoltas no mundo e retorno da censura, não posso deixar de comentar momentos felizes que fizeram deste meu final de ano. Primeiro, a festa de 300 edições do programa Ronca Ronca, de Maurício Valladares, no Teatro Rival do Rio, com muita música boa e variada, sem clichês ou imposições caretas, e o show da banda Os Roncatripas, especialmente formada para saudar as trezentas edições do programa, que me revelou tantas novidades sonoras que hoje fazem parte de minha vida. Eu, que acompanho o programa do DJ e fotógrafo vascaíno desde os anos 1980, quando começou na saudosa Flumninense FM, não pude deixar de apertar a mão do Maurício e agradecer pelo trabalho no rádio. Que venham muitas outras festas e mais trezentas edições do Ronquinha.

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É curioso que um dos hábitos mais excitantes para aqueles fanáticos por música, que é procurar pepitas escondidas em lojas de discos, sem uma direção específica, apenas pelo prazer de descobrir aquela canção ou LP que marcará seus dias, sua vida, esteja se perdendo com as cada vez mais raras lojas de disco. Mas ainda há salvação. No começo desta semana dei de cara com a edição recém-lançada no Brasil do lendário álbum SMILE, dos Beach Boys, que seria lançado em 1967, mas por diversos motivos acabou sendo engavetado por décadas. Durante anos o mundo só pôde ouvir algumas pérolas que estariam no LP, como "Good Vibrations" (o primeiro compacto a vender mais de 1 milhção de cópias na histíoria da música e "6º melhor música de todos os tempos" no ranking da revista Rolling Stone), "Heroes and Villains" ou "Surf's Up". Conta a lenda que Brian Wilson, o autor destas gemas pop, perfecionista ao extremo e um dos maiores artífices da música pop em todos os tempos, teria "surtado" ao ouvir o disco "Sargeant Peppers" dos Beatles, naquele mesmo ano, e ambicionbado fazer um disco ainda melhor que o clássico dos clássicos dos Beatles. Infelizmente não foi possível na época. Mas hoje, se vc gosta de música, proponho um desafio: experimente deitar num sofá próxiumo a uma boa aparelhagem de som. Desligue a TV, o computador e esqueça o celular em algum lugar. Coloque no CD-player esta versão nova e definitiva de SMILE e aproveite estes qusase 60 minutos do que o próprio Brian Wilson, em suas palavras, ambicionou fazer: uma sinfonia adolescente para Deus.

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Pois é, Deus com certeza aprovaria esta sinfonia maravilhosa de Brian Wilson, com os vocais celestiais dos Beach Boys. Seria uma bela trilha para este Natal. Dito isto, me despeço, com um até breve, e com os votos de Boas Festas a qualquer fã de cultura e comunicação que passar por aqui. Para todos vocês, deixo de lembrança esta delicuiosa canção e Natal interpretada pela dupla She & Him, no programa da Ellen de Generis. Abraços a todos!



quarta-feira, 27 de abril de 2011

Rio - Cidade Lagoa

Terça-feira de manhã. Ligo o rádio e espero a previsão do tempo. Antes, um ouvinte manda um e-mail para a CBN Rio, lido pelo locutor: "Trânsito bom no geral...entre as lanchas da Baía de Guanabara somente". O locutor não deixa de escapar um riso pela ironia do ouvinte. Nos dias anteriores, fortes temporais voltaram a marcar presença nas ruas do Rio.

Bem que essa semana o outono até que tentou dar as caras pela primeira vez no ano na cidade maravilhosa. Mas o veranico fora de hora não deixou e trouxe novos temporais que deixaram - quanta novidade! - diversos trechos da cidade alagados.

Bem, nessas horas o melhor é manter a calma e relaxar - a não ser que você more nas imediações da Praça da Bandeira e seja comerciante. Aí não dá mesmo! Na quarta, o jornal Extra colocou duas fotos da Praça da Bandeira alagada - uma de 1964 (!) e outra da última segunda-feira, dia 25. O título dizia tudo: "Até o próximo temporal".

Mas, como dizia, devemos manter a calma. E lembrar que nossos poetas populares há muito já haviam diagnosticado o problema. Sempre que chove desta forma, me lembro de um delicioso sambinha interpretado por Moreira da Silva, dos autores Cícero Nunes e Sebastião Fonseca, já nos anos 1960. Ao gravá-la, Morengueira a transformou definitivamente num clássico.

Regravado por Jards Macalé nos anos 2000, "Cidade Lagoa" apenas constata a realidade da inapetência de nossas autoridades ao lidar com chuvas e temporais. Trata-se de uma crônica da cidade em dias de chuva forte.

No mais, como dizia o Extra, até o próximo temporal...

Cidade Lagoa

Esta cidade, que ainda é maravilhosa,
Tão cantada em verso e prosa,
Desde os tempos da vovó.
Tem um problema, crônico renitente,
Qualquer chuva causa enchente,
Não precisa ser toró.
Basta que chova, mais ou menos meia hora,
É batata, não demora, enche tudo por aí.
Toda a cidade é uma enorme cachoeira,
Que da Praça da Bandeira,
Vou de lancha a Catumbi.
Que maravilha, nossa linda Guanabara,
Tudo enguiça, tudo pára,
Todo o trânsito engarrafa.
Quem tiver pressa, seja velho ou seja moço,
Entre n'água até o pescoço,
E peça a Deus pra ser girafa.
Por isso agora já comprei minha canoa,
Pra remar nessa lagoa, toda a vez que a chuva cai,
E se uma boa me pedir uma carona,
Com prazer eu levo a dona,
Na canoa do papai.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Música e Imagens - Assistindo "Metrópolis" no Municipal

Estive semana passada no Teatro Municipal do Rio para um acontecimento imperdível - a exibição da obra-prima "Metrópolis", de Fritz Lang, na versão restaurada e com acompanhamento de orquestra. Para quem adora cinema, foi um momento único de conferir esta superprodução do cinema mudo (o filme é de 1927), acompanhado pela trilha original e na sua versão quase completa: há alguns anos, foram encontrados em Buenos Aires cerca de 25 minutos originais do filme que se supunham perdidos para sempre. O trabalho de restauração levou um bom tempo e enfim, a exibição no Municipal foi a mais próxima daquela imaginada pelo diretor.



A primeira vez que assisti "Metrópolis" foi há mais de 20 anos. Eu tinha 18 anos e estava me preparando para fazer o vestibular para Comunicação. Como todo jovem de 18 anos, estava descobrindo coisas novas, entre elas o cinema e sua história. Na época, o cinema Estação Botafogo (que ainda se chamava "Cineclube Estação Botafogo") abriu um curso sobre a história do cinema, ministrado pelo ex-cineasta Pedro Camargo. Apesar de curtir cinema desde criança, foi durante este curso que me tornei cinéfilo, passando desde então a querer conhecer a história mundial do cinema e todas as suas fases, seus clássicos, seus grandes diretores etc. Vários clássicos foram mostrados ali, como "Encouraçado Potenkim", "Intolerância", "Cidadão Kane" (que vi pela primeira vez no exato dia em que completei 18). Nas aulas sobre o expressionismo alemão, dois filmes me impressionaram: "O gabinete do dr. Caligari" e "Metrópolis".


Claro que o professor não mostrou o filme todo, mas o pouco que vi naquela aula me impressionou. É incrível como Lang conseguiu dar realismo a um filme de ficção-científica ambientado em 2026, com aquele planos gerais da cidade futurista e ainda os milhares de extras contratados para a produção. O filme narra a história de uma sociedade dividida em duas classes. Acima do solo, a classe dominante, com sua burguesia e caprichos capitalistas. Nos subterrrâneos da cidade, vivem milhares de pessoas que - numa crítica clara à opressão da sociedade industrial, tal como Chaplin iria fazer depois em "Tempos modernos" -, vivem em condições mínimas, obrigadas a trabalhar o dia inteiro acertando as máquinas e os ponteiros para que a cidade de cima não entre em pane. A trama começa a se definir quando o filho de um empresário e industrial, "dono" da cidade, atraído pela entrada em cena de uma bela mulher, resolve ir atrás dela nos subterrâneos. Lá, ele trocará de lugar com um operário, e sofrerá na pele as rígidas normas do trabalho massacrante até encontrar a moça, que é uma espécie de líder dos "de baixo".


Ao saber disso, e com a convicção de que a moça planeja uma tomada de poder utilizando o povo subterrâneo, o pai do rapaz chama um cientista para idealizar e construir um robô à imagem e semelhança da moça, a fi de que esta semeie a discórdia entre os revoltosos e acabe com qualquer ideia de revolução. Mas o cientista tem planos ainda mais delirantes para sua criação...


"Metrópolis" foi então o filme mais caro da história do cinema alemão, e teria impressionado até um jovem político chamado Adolf Hitler, que convidou Lang para realizar filmes ligados à ideologia nazista. A mulher do diretor, Thea Von Harbou, autora do romance que deu origem ao filme e coautora do roteiro em parceria com o marido, aceitou o projeto. O marido não: o casamento terminaria ali. Lang não concordou e foi para Paris, de onde mais tarde, como recrudescimento do nazismo, partiria para os Estados Unidos, onde continuou sua carreira e realizou vários clássicos, como "Fúria".


Os pouco mais de 20 minutos acrescentados à obra deram mais sentido ao filme original, ficando ainda melhor. Numa época em que ainda não havia o procedimento hoje conhecido como "director's cut", em que filmes cortados à revelia do diretor na época do lançamento são mais tarde relançados contendo a suposta "versão original" (e quando o processo começa a se banalizar), o diretor alemão, se vivo estivesse, com certeza se emocionaria com a versão de seu filme quase completo num grande teatro. Ou seja, quem esteve ali no Municipal com certeza viu o filme numa versão melhor do que aquela mostrada em 1927, já que em muitos países, como nos Estados Unidos, os produtores cortaram várias cenas para que a exibição atendesse aos formatos de duração de um filme à época.


Muitos que veem hoje o filme criticam seu final conciliador, no qual o líder dos operários aperta a mão do empresário e dirigente máximo da cidade futurista, enquanto os letreiros salientam que "o mediador entre a cabeça e as mãs deve ser o coração". Há ali uma crítica ao poder das máquinas na sociedade industrial, que teriam derrubado o sentimento humano e transformado todos em seres automatizados, ou "robôs" - vale conferir as cenas da multidão se preparando para a troca de turno no trabalho, com movimentos perfeitamente sincronizados, com máquinas.


Eu prefiro ressaltar a importância do filme para a cultura cinematográfica e pop que viria nas próximas décadas - Metrópolis" inspirou de Chaplin a "Blade Runner", rendeu uma versão colorizada e com trilha rock n' roll nos anos 1980, inspirou videoclipes de artistas como Queen e Madonna, quadrinhos, moda, além de uma infinidade de filmes de ficção-científica ao redor do mundo. O mais importante: o filme continua absolutamente moderno em sua plenitude.


Após a exibição do filme e os aplausos efusivos do público do Teatro Municipal, naquela noite de quarta-feira, não pude lembrar de alguns teóricos da Escola de Frankfurt, que viam os produtos da comunicação de massa (tais como o cinema) como um indício da "derrocada da cultura em mercadoria": uma cultura que havia perdido sua autenticidade e sua "aura" de fruição. No entanto, o tempo passa e hoje as fronteiras que demarcavam as culturas erudita e popular estão cada vez menos nítidas. O que diriam o aristocráticos pensadores da Escola caso pudessem conferir o filme do modo que foi exibido no teatro? Ora, a exibição de um filme derivado de uma arte popular e "de massa" num ambiente ligado à grande arte como o Teatro Municipal do Rio de Janeiro é apenas um exemplo de que a arte - popular ou erudita, alta ou baixa, aristocrática ou de massa -, e tantas outras definições erráticas que perpassaram os séculos anteriores não deve estar ligada a considerações redutoras. Uma obra-prima é uma arte que transcende sua época e continua influenciando gerações e gerações de indivíduos nas décadas seguintes. E "Metrópolis" é um perfeito exemplo. Aliás, em qualquer mídia: com o anúncio do lançamento da versão remasterizada em DVD e Blu Ray, o apreciador de um bom filme poderá conferir que em qualquer ambiente "Metrópólis" continuará luminoso.

sexta-feira, 4 de março de 2011

O bebê de tarlatana rosa - versão 2011

A folia está chegando...Marginal conservador está, como dizia a música do Chico, se guardando pra quando o carnaval chegar. Mas antes queria aqui deixar registrada a história da incrível e aterradora foto ganhadora do World Press Photo de 2010.

Trata-se do retrato da jovem afeganistã Bibi Aisha, que, ainda bem jovem, casou com um homem que não amava e, pior, era bem violento. Poderíamos refletir se o casamento teria sido arranjado - como ainda o são muitos em países muçulmanos - ou não. Mas o pior ainda está por vir.

Um dia, cansada da violência do marido, Bibi foge de casa e se refugia na casa dos pais. O marido, indignado, a procura e a toma de volta. Não satisfeito, exige um julgamento pela regras do Talibã. A sentença é cruel: com a ajuda do cunhado, o marido corta as orelhas e o nariz de Bibi, depois a abandona à própria sorte. Algum tempo depois, uma organização de ajuda humanitária a encontra e a leva para os Estados Unidos, onde vive hoje. Desde então, Bibi frequenta sessões de ajuda psicológica e já passou por várias plásticas para reconstruir os órgãos extirpados.

Não, não vou deixar aqui a foto registrada em plena época de folia, mas quem quiser pode ir direto ao site do World Press Photo e conferir. O retrato de Bibi sem o nariz e vestida com o véu árabe me faz lembrar de outra jovem afegã, Sharbat Gula, a menina de 12 anos cujo belíssimo rosto saiu na capa das 100 melhores fotos de todos os tempos da revista National Geographic. Em 2002, a menina foi reencontrada pela equipe da revista e mereceu novo registro. Na imagem, as marcas do tempo impiedoso, que reflete uma mulher já madura, de trinta anos, de semblante não mais assutado, mas, como escreveu o crítico Ademir Pascale em bela resenha, dona de um olhar ainda expressivo, embora maduro e cansado.

O retrato da afegã Bibi, desfigurada, me leva ainda a lembrar de um conto do genial João do Rio, passado numa época de Carnaval do começo do século passado, em que as máscaras imperavam nos bailes e as ruas eram invadidas pelos primeiros blocos, ainda chamados de cordões ou corsos. Em, "O bebê de tarlatana rosa", um folião sente-se atraído por uma mulher durante um carnaval nas ruas do Rio. Ela, como tantos outros, está com uma máscara em que é ressaltado um falso nariz. Após um jogo de sedução de parte a parte, chega uma hora em que o homem, narrador da história, pede que a moça retire o falso nariz, para apreciá-la melhor. A moça reluta o quanto pode: por alguma razão, ela quer permanecer mascarada.

De tanto insistir, o homem tem o seu desejo atendido. A moça, vencida, subitamente fica séria e retira a máscara. O homem, então, aterrorizado, vê a realidade que não deveria ter presenciado: a moça, dona de um defeito genético, não tinha nariz, e sim um buraco no meio do rosto por onde conseguia respirar. Seu único momento de felicidade era durante o Carnaval, onde colocava a máscara e podia se confundir na massa de foliões, arlequins e colombinas sem "agredir" ninguém com seu estado.

Bibi Aisha é o "bebê de tarlatana" deste novo século tão conturbado por guerras, injustiças e opressões, onde mulheres em diversas regiões continuam sendo vítimas de intolerância dignas da Idade Média, ou pior. Com certeza, ao darem o primeiro prêmio ao seu retato desfigurado, os organizadores do World Press Photo quiseram deixar um claro recado à sociedade. Uma denúncia de costumes bárbaros em tempos de progressos tecnológicos e redes sociais.

Torçamos para que os médicos americanos consigam reconstruir o nariz e as orelhas de Bibi Aisha. E que continuem prestando todo o apoio psicológico para que ela não perca sua dignidade, que já demonstrou ter ao fugir de uma situação na qual milhares de afegãs são obrigadas a passar. E que um dia ela possa ver que ainda existe alegria no mundo, como nos carnavais mundo afora, quando todas as máscaras deveriam estar apenas a serviço do prazer.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Lides imperdíveis

Marginal Conservador começa este fevereiro inaugurando uma nova seção: "Lides imperdíveis". Quem estuda Comunicação, em especial Jornalismo, sabe que o lide (do inglês lead) é o começo da matéria, o primeiro parágrafo de uma notícia ou grande reportagem. Algo que deve ser levado bastante em consideração pelo bom jornalista, pois é ali, no comecinho do texto, que o jornalista deverá escrever linhas atraentes o bastante para que o leitor se interesse em o texto até o final. Parafraseando Cortázar ao se referir aos contos, um bom texto inicial deve levar o leitor a nocaute - um nocaute prazeroso, que o tire da pressa ou da distração e o leve a ler com atenção as próximas linhas.

Na década de 1940 foram introduzidas no Brasil as famosas regras da objetividade, influenciadas pelo jornalismo norte-americano. O Brasil deixava aos poucos a influência do jornalismo francês para adotar o estilo jornalístico dos EUA como parâmetro. Havia uma regra básica para os leads, como foram escritos por décadas: o jornalista deveria sempre responder, no primeiro parágrafo, a seis perguntas essenciais: o quê, quem, quando, como, onde e por quê? Ou seja, o mais importante deveria vir sempre no começo da reportagem, para facilitar a leitura.

Dois pesos, duas medidas. O lide ajudou vários candidatos a jornalistas não literatos a ingressarem na profissão, pois, qualquer um, com um pouco de treino em redações, poderia escrever um primeiro parágrafo seguindo o padrão imposto. Por outro lado, até hoje há profissionais de imprensa que abominam as regras da objetividade e a obrigação de responder às seis perguntas sempre, alegando serem estas regras uma "camisa de força" contra a criatividade do jornalista.

Já ouvi de uma conhecida dizer que o "lide já não é mais usado em nossa imprensa há mais de dez anos". Bem, ela me falou isso há exatamente dez anos e o lide ainda está por aí. Como professor, posso falar de cadeira que ele não só pode ser visto em grande parte de nossa mídia impressa, como ainda é ensinado nas faculdades de jornalismo em todo o Brasil. O que não há mais é tanta exigência de impor as regras da objetividade em todas as reportagens. O jornalismo se sofisticou e abraçou novas liberdades estilísticas.

Daí a ideia desta nova seção. Aqui, serão encontrados sempre lides muito bem escritos - que respondem ou não às seis perguntas básicas das regras da objetividade. Meu interesse será apenas publicar no blog lides que me chamaram a atenção recentemente, aliado a outros de reportagens históricas que fizeram a glória do jornalismo.

Começo a série com um exemplo bem recente: a excelente reportagem "Próxima parada: subúrbio", do jornalista Renato Lemos, publicada no último domingo, dia 6, na Revista do Globo, que sai encartada sempre aos domingos no jornal O Globo. Como morador da Zona Norte do Rio (onde fica o subúrbio), posso dizer que poucas vezes vi um retrato da área suburbana tão bem feito como nas linhas abaixo, escritas com estilo e espirituosidade.Vamos ao lide:

Não é fácil definir exatamente o que é um subúrbio carioca - nem a prefeitura tem dados precisos que ajudem a traçar seus limites -, mas é provável que não exista subúrbio de verdade sem linha do trem, pipa voada, cadeira na calçada, vizinha fofoqueira, botequim da esquina, fiado só amanhã, sacolé, pelada, top de lycra, carro lavado na rua, churrasquinho, escola de samba, caça-níquel, quintal, cigarro, Cosme e Damião, mangueira e amendoeira, um monte de van, um monte de camelô, bíblia, beata, macumba, favela, aquelas garotas de shortinho apertado, chinelo de dedo, suor, funk, cerveja e muito calor. É possível também que subúrbio que é subúrbio mesmo tenha nome e sobrenome, como Ricardo de Albuquerque, Vicente de Carvalho, Quintino Bocaiúva, Oswaldo Cruz, Magalhães Bastos e Bento Ribeiro. Há ainda os que defendam que o subúrbio, mais que um conceito geográfico, é um estado de espírito: a pessoa pode deixar o subúrbio, mas o subúrbio jamais a deixará. São pistas a seguir. Desde que a ação da polícia no Complexo do Alemão - aliada às bençãos de um onipresente São Jorge - trouxe mais paz à região, o carioca voltou a ter a chance de descobrir do que, afinal, é feito o subúrbio.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A história de Caramelo: publique-se a lenda

É divertida uma história contada nas crônicas de Nelson Rodrigues, sobre o passarinho no incêndio. Lembrando: segundo o dramaturgo, certa vez, na década de 1930, houve um grande incêndio numa casa do subúrbio carioca, na qual a imprensa foi devidamente acionada. Um dos colegas do jornal em que Nelson trabalhava, porém, acabou chegando no final, quando o fogo já havia destruído tudo em volta. Mas o intrépido jornalista não queria voltar para a redação sem uma boa história. No dia seguinte, os leitores se emocionaram com a reportagem que mencionava o passarinho na gaiola da varanda incendiada, o qual, segundo a matéria, teria cantado plenamente até o último suspiro, vindo a morrer pelas labaredas lançadas. O curioso, segundo Nelson, é que mais tarde, mais de um repórter teria usado a mesma história do passarinho em outro incêndio. Um típico caso de apropriação da lenda alheia.

Fiquei pensando nessa história ao ler e me comover com o cão Caramelo, que emocionou a todos que vêm acompanhando o resgate das vítimas das chuvas fortes na região serrana do Rio. Sua imagem, repousando ao lado do túmulo de sua suposta dona correu o Brasil - jornais, TVs, sites, rádios, todos publicaram ou fizeram menção ao amor do cão pela dona que teria morrido nas enchentes. Pois bem: sabe-se agora que a história não passou de uma tremenda barriga (notícia falsa), que o cão ao lado do túmulo não se chama Carqamelo e na verdade pertence a um funcionário do cemitério. Quem denunciou a farsa foi um jornalista de Teresópolis.



Agora fica pergunta: trata-se de mais um caso de má apuração ou "apenas" a sofreguidão de nossa imprensa em conseguir personagens e histórias emocionantes, unicamente com o intuito de alavancar a audiência? Lembro que uma vez estava assistindo na TV a um programa sobre escolha de profissões, e naquele dia o tema era justamente jornalismo. Dois universitários da profissão - um garoto e uma garota - visitavam a redação de um jornal e eram acompanhados pelo repórter do programa e o editor, que informava aos jovens como realizar uma boa apuração. Entre as várias dicas, havia esta: "vocês devem procurar bons personagens".

Notem bem: ele não falou por "fontes", mas sim "personagens". Ou seja, algo mais ligado à ficção do que ao relato testemunhal de um fato.

Sim, tudo indica que nesta triste história da tragédia na região serrana, a gana de nossa imprensa em encontrar boas histórias deu origem a essa barriga fenomenal do cãozinho. Aliás, é sintomático lembrar que outro cão esteve presente em uma das histórias mais comoventes - esta sim, real, pois filmada pela TV - desta tragédia: o resgate de Dona Elair pelos vizinhos. Todos lembram que dona Elair, ao saltar no rio presa a uma corda, tentou primeiramente levar seu cão, Bethoven, junto. Pobre Bethoven: a força da água era tão forte que dona Elair não conseguiu levá-lo junto e o cãozinho morreu, tragado pela força das águas. Elair perdeu seu cão; o verdadeiro Caramelo (onde estará?) perdeu sua dona.

Por estes dias também acompanhei uma reportagem sobre a tragédia das chuvas em que cães eram novamente os personagens principais. Segundo a matéria, vários cães perdidos ou abandonados por donos que perderam tudo na enxurrada,e que haviam sido transferidos para um pequeno clube improvisado, teriam, por ordem da prefeitura, que ser transferidos. A alegação era de que os animais poderiam transmitir doenças para a população, mesmo com veterinários prometendo vacinar todos em breve...

A sorte dos cães abandonados na região é ainda pior do que a dos humanos, que no momento recebem toda a carga de solidariedade em forma de doações vindas de todo o estado. Não seria bom um pouco de solidariedade também com os bichos?

Semana passada, enquanto as chuvas só faziam aumentar o número de mortes em Petrópolis, Teresópolis e Friburgo, levei o cão de meu pai, Zeca, um cocker spaniel, a uma veterinária perto de casa. Seus olhos estavam brancos e havia o presentimento de que ele estaria com catarata. O diagnóstico foi pior: Zeca está cego. No momento aguardamos o resultado de um exame de sangue que poderá dizer o que levou um cocker de 7 anos, com pedigree e muito bem tratado a contrair a cegueira. E também ficamos no aguardo de que nossas autoridades não fiquem tão cegas à tragédias anunciadas como esta na região serrana, que deixou o verão do Rio de Janeiro mais triste neste começo de 2011.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Cinema (na favela) é a maior diversão!



Para quem achava que o cinema tinha virado um entretenimento definitivamente elitizado, confinado em shoppings e com preços proibitivos, a presença de público num cinema recém-inaugurado no Rio parece demonstrar o contrário. Leio em matéria do Globo desta semana sobre o sucesso do Cinecarioca Nova Brasília, com 85% de presença de público desde sua inauguração, em 24 de dezembro. Sim, meus caros, 85% - quando a média nacional de público pagante nos cinema brasileiros não passa de 40%. Só pra lembrar: o Cinecarioca fica dentro da favela Nova Brasília, em pleno Complexo do Alemão.

A inauguração do cinema, ainda no fim do ano passado, quase um mês depois da invasão do Complexo pela polícia e as Forças Armadas, que pacificaram a região antes tomada pelo tráfico, é uma conquista altamente simbólica. Trata-se do primeiro cinema em 3D dentro de uma favela no Brasil. Algo que, obviamente, merece ser comemorado. Não basta somente "pacificar" uma região antes estigmatizada pelo domínio de traficantes e por muito tempo abandonada pelo poder público. Há que se criar uma atmosfera de trabalho e oportunidades, para que as pessoas dali possam se sentir plenamente integradas, para que todos se sintam cidadãos da cidade. Como cantaram os Titãs, eles não querem só comida, mas também diversão e arte.

No entanto, parece que nem todos curtiram a ideia de um cinema em 3D em plena favela - e com preço de 8 reais (4 reais para o morador da favela!). Notícias do começo do ano deram conta de que o cinema foi parcialmente apedrejado há duas semanas atrás (suspeita-se que teriam sido ordens de traficantes ainda escondidos na região). Os responsáveis pelo cinema logo repuseram os vidros quebrados e as sessões continuaram sem problemas. Foi apenas um susto.

Mais que o batido slogan de "a melhor diversão", o Cinecarioca Nova Brasília tem servido para estimular uma espécio de auto-estima cultural nos moradores do entorno. Segundo a matéria do Globo, mais de 90% dos novos frequentadores nunca haviam ido ao cinema. O contato dos moradores da região - e, que fique bem claro, não só na favela, mas em todo o subúrbio e periferia do Rio de Janeiro - com os lançamentos cinematográficos era em grande parte feito em aluguéis de DVDs ou em compras de cópias piratas em barraquinhas de camelôs. A promessa do governo de criar novas salas em outras favelas (a próxima deve ser a de Manguinhos), longe de constituir uma atitude eleitoreira e oportunista, é uma saída bem bolada para se constuituir um novo público de cinema. Um público que, ao descobrir o prazer que é ver um filme dentro de uma tela de cinema de verdade, tenderá a abandonar os filmes comprados em camelôs.

Ora, quem gosta de cinema de verdade sabe que a chamada "fruição cinematográfica" - ou seja, todo aquele ritual de ir ver um filme no cinema, desde a escolha da roupa que irá, a condução até o local, a compra dos bilhetes, a entrada na sala ainda acesa, o apagar das luzes, os trailers, o tão esperado filme na tela grande (algo que nem o blu-ray mais moderno ainda é capaz de superar) - é um dos grandes baratos do cinema. Sem contar dos inúmeros casais que começaram a namorar dentro de uma sala de cinema.

Apesar de eu não ser um grande entusiasta do 3D, sei o fascínio que causa em muita gente, principalmente em crianças. Semana passada, numa sessão de "Enrolados", a que estive com meu filho, deu pra ver o prazer que meu filho sentia em tentar alcançar as lanternas iluminadas lançadas ao céu pelo pai da personagem principal, numa das mais bonitas cenas do filme. Com a ajuda da técnica, as lanternas pareciam estar na nossa frente.

Arte, técnica e cultura para o povo. Vida longa ao Cinecarioca Nova Brasília. E que venham outros!