sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Quando seu ídolo aparece de surpresa...

Imagine a cena. É noite e você decide ir à Lapa, bairro boêmio do centro do Rio de Janeiro, para relaxar, tomar uma cerveja, encontrar os amigos e, quem sabe, ouvir um samba de qualidade. Você escolhe o bar, se acomoda numa boa mesa e logo depois a banda começa a tocar. Perto de você, há um senhor que lembra alguém conhecido - sua namorada comenta ser "a cara do Chico Buarque". Você ri e pensa, e se fosse mesmo ele? Quase ao final da primeira parte do show, o vocalista diz ao público que há uma presença ilustre na plateia e que, veja só, havia pedido para "cantar uma musiquinha". Você não acredita no que vê: Chico Buarque, em pessoa, levanta e canta três músicas, para delírio da plateia. Ao fundo, um gaiato grita: "Foi o couvert mais bem pago da minha vida!"




Soube da notícia lendo os posts do facebook. Na quarta-feira, o fato saiu publicado na coluna Gente Boa, do jornal O Globo. Sintomático: não é todo dia que vemos Chico Buarque em pessoa dando canjas na cidade. Inspirado pela leitura e pelo post anterior, sobre as escapadas de Cássia Eller para cantar de surpresa em lugares totalmente inusitados, comecei a imaginar os momentos de minha vida em que algum cantor apareceu de surpresa em outro show no qual estava presente apenas como público ou para prestigiar o colega no palco e, então...acabavam participando do show. 

Lembro que uma das lembranças mais antigas que tenho com relação a espetáculos musicais aconteceu quando eu ainda era adolescente, num do Caetano na Praça da Apoteose, aqui no Rio. Era o começo dos anos 1980, época de eleições para governador. O show era para lançar o disco "Totalmente demais", um grande sucesso nas rádios, puxado pela música título, de Arnaldo Brandão, e demais sucessos e versões cantados exclusivamente no formato voz e violão.

Sim, um show voz e violão em plena Apoteose, acostumada a receber os desfiles do Carnaval carioca. Mas realmente houve esse espetáculo, e o público compareceu em massa. Foi interessante quando, logo no começo do show, a um pedido do cantor, o público da pista - em pé - sentou no chão para ouvir e cantar junto os sucessos do compositor baiano e clássicos da música brasileira. A certa altura do espetáculo, Caetano elogiou a cantora argentina Mercedes Sosa, que estava na cidade para alguns shows que faria no Canecão, e disse, daquele jeito como quem não quer nada..."Ela está aqui". A plateia se alvoroçou. O cantor então continuou:

- Não só a Mercedes, mas Chico Buarque e Milton Nascimento também estão assistindo ao show,,,

Foi o bastante para o pequeno alvoroço virar um barulho infernal, com gritos de "Mercedes!", "Chico!", Milton!", enquanto Caetano ria do alto do palco. Foi então que ele olhou para os bastidores e, para surpresa de todos, entram Chico Buarque, Milton Nascimento e Mercedes Sosa. No palco, o quarteto cantou um dos maiores clássicos de Mercedes, "volver a los 17". Foi o momento mais aplaudido da noite.

Outro momento em que um ilustre convidado apareceu de repente foi num show de Gilberto Gil na praia de Copacabana. Era um fim de semana e eu havia ido ao show com um amigo. Lá pelas tantas, Gil diz que vai chamar um amigo ao palco para dar uma canja. Eis que surge no palco Sting, que também estava no Brasil para shows da Anistia Internacional em São Paulo e resolvera dar uma esticada no Rio. Naquela noite, para deleite da plateia, Sting cantou dois clássicos do Police: "Message in a bottle" e "Roxanne". Em plena praia de Copacabana, num sábado à noite.  

Por último, e o mais inusitado de todos, aconteceu numa noite doa anos 1990 na pequena localidade de Vilatur, cidade espremida entre Bacaxá e Araruama, na Região dos Lagos carioca. Quando estava casado, eu ia muito lá, pois meus ex-sogros tinham uma casa de veraneio lá. Não era uma cidade das mais concorridas. pra falar a verdade, mesmo muitos cariocas jamais ouviram falar em Vilatur - era daquelas localidades com apenas uma padaria, uma farmácia, três ou quatro bares para se distrair à noite e pouca coisa mais. Ah, e uma praia quase tão linda quanto perigosa.

Foi num fim de semana que descobrimos que haveria música ao vivo num dos bares da região. Como não era algo comum, fomos conferir. Sim, realmente havia naquela noite uma banda se apresentando. O repertório era quase todo de samba e pagodes. Sentamo-nos e pedi uma cerveja, satisfeito por ter, enfim, algo para se fazer naquele local. De repente, a banda começa a tocar um clássico conhecido pela voz de Elis Regina: "O bêbado e o equilibrista". Ao som dos primeiros acordes, um senhor de meia idade com cara de farmacêutico e cabelos grisalhos quase brancos, assume o microfone e começa a cantar o clássico, com uma voz rouca de cerveja mas razoavelmente afinado. 

Prestei mais atenção e quase não acreditei.Sim, era ele mesmo, Aldir Blanc, autor da letra da música composta em parceria com João Bosco. Ao contrário dos dois casos anteriores, ninguém da plateia de pinguços pareceu notar que ali, naquele quase fim de mundo, se apresentava o autor de um dos maiores clássicos da MPB. Quando acabou a música, aplausos protocolares, um ou outro mais exaltado, mas quase nenhuma diferença entre antes. Nem quando um dos rapazes da banda falou rapidamente, apontando para aquele senhor que acabara de cantar: "Vocês acabaram de ouvir Aldir Blanc, autor dessa música!". Muitos resolveram pedir mais uma cerveja e aguardar o próximo pagode. Enquanto eu me perguntava se o que acabara de ver tinha sido realidade ou não. Ao findar o show, tentei ver se Aldir continuava lá, mas ele já partira. Infelizmente, para a maioria dos presentes, ele era apenas mais um pinguço que, tal como Chico Buarque, pedira para "cantar uma musiquinha".



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