Soube da notícia lendo os posts do facebook. Na quarta-feira, o
fato saiu publicado na coluna Gente Boa, do jornal O Globo. Sintomático: não é
todo dia que vemos Chico Buarque em pessoa dando canjas na cidade. Inspirado
pela leitura e pelo post
anterior, sobre as escapadas de Cássia Eller para cantar de surpresa em
lugares totalmente inusitados, comecei a imaginar os momentos de minha vida em
que algum cantor apareceu de surpresa em outro show no qual estava presente
apenas como público ou para prestigiar o colega no palco e, então...acabavam
participando do show.
Lembro que uma das lembranças mais antigas que tenho com relação a
espetáculos musicais aconteceu quando eu ainda era adolescente, num do Caetano
na Praça da Apoteose, aqui no Rio. Era o começo dos anos 1980, época de
eleições para governador. O show era para lançar o disco "Totalmente
demais", um grande sucesso nas rádios, puxado pela música título, de
Arnaldo Brandão, e demais sucessos e versões cantados exclusivamente no formato
voz e violão.
Sim, um show voz e violão em plena Apoteose, acostumada a receber
os desfiles do Carnaval carioca. Mas realmente houve esse espetáculo, e o
público compareceu em massa. Foi interessante quando, logo no começo do show, a
um pedido do cantor, o público da pista - em pé - sentou no chão para ouvir e
cantar junto os sucessos do compositor baiano e clássicos da música brasileira.
A certa altura do espetáculo, Caetano elogiou a cantora argentina Mercedes
Sosa, que estava na cidade para alguns shows que faria no Canecão, e disse,
daquele jeito como quem não quer nada..."Ela está aqui". A plateia se
alvoroçou. O cantor então continuou:
- Não só a Mercedes, mas Chico Buarque e Milton Nascimento também
estão assistindo ao show,,,
Foi o bastante para o pequeno alvoroço virar um barulho infernal,
com gritos de "Mercedes!", "Chico!", Milton!",
enquanto Caetano ria do alto do palco. Foi então que ele olhou para os
bastidores e, para surpresa de todos, entram Chico Buarque, Milton Nascimento e
Mercedes Sosa. No palco, o quarteto cantou um dos maiores clássicos de
Mercedes, "volver a los 17". Foi o momento mais aplaudido da noite.
Outro momento em que um ilustre convidado apareceu de repente foi
num show de Gilberto Gil na praia de Copacabana. Era um fim de semana e eu
havia ido ao show com um amigo. Lá pelas tantas, Gil diz que vai chamar um
amigo ao palco para dar uma canja. Eis que surge no palco Sting, que também
estava no Brasil para shows da Anistia Internacional em São Paulo e resolvera
dar uma esticada no Rio. Naquela noite, para deleite da plateia, Sting cantou
dois clássicos do Police: "Message in a bottle" e
"Roxanne". Em plena praia de Copacabana, num sábado à noite.
Por último, e o mais inusitado de todos, aconteceu numa noite doa
anos 1990 na pequena localidade de Vilatur, cidade espremida entre Bacaxá e
Araruama, na Região dos Lagos carioca. Quando estava casado, eu ia muito lá,
pois meus ex-sogros tinham uma casa de veraneio lá. Não era uma cidade das mais
concorridas. pra falar a verdade, mesmo muitos cariocas jamais ouviram falar em
Vilatur - era daquelas localidades com apenas uma padaria, uma farmácia, três
ou quatro bares para se distrair à noite e pouca coisa mais. Ah, e uma praia
quase tão linda quanto perigosa.
Foi num fim de semana que descobrimos que haveria música ao vivo
num dos bares da região. Como não era algo comum, fomos conferir. Sim,
realmente havia naquela noite uma banda se apresentando. O repertório era quase
todo de samba e pagodes. Sentamo-nos e pedi uma cerveja, satisfeito por ter,
enfim, algo para se fazer naquele local. De repente, a banda começa a tocar um
clássico conhecido pela voz de Elis Regina: "O bêbado e o
equilibrista". Ao som dos primeiros acordes, um senhor de meia idade com
cara de farmacêutico e cabelos grisalhos quase brancos, assume o microfone e
começa a cantar o clássico, com uma voz rouca de cerveja mas razoavelmente
afinado.
Prestei mais atenção e quase não acreditei.Sim, era ele mesmo,
Aldir Blanc, autor da letra da música composta em parceria com João Bosco. Ao
contrário dos dois casos anteriores, ninguém da plateia de pinguços pareceu
notar que ali, naquele quase fim de mundo, se apresentava o autor de um dos
maiores clássicos da MPB. Quando acabou a música, aplausos protocolares, um ou
outro mais exaltado, mas quase nenhuma diferença entre antes. Nem quando um dos
rapazes da banda falou rapidamente, apontando para aquele senhor que acabara de
cantar: "Vocês acabaram de ouvir Aldir Blanc, autor dessa música!".
Muitos resolveram pedir mais uma cerveja e aguardar o próximo pagode. Enquanto
eu me perguntava se o que acabara de ver tinha sido realidade ou não. Ao findar
o show, tentei ver se Aldir continuava lá, mas ele já partira. Infelizmente,
para a maioria dos presentes, ele era apenas mais um pinguço que, tal como Chico
Buarque, pedira para "cantar uma musiquinha".
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