quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Cervejas, ame-as ou deixe-as*


Verdade ou lenda? Conta-se que nas últimas décadas do século XIX, um imigrante alemão recém-chegado ao Brasil resolveu abrir um bar no centro do Rio de Janeiro. O homem era um mestre cervejeiro em sua terra, e esperava prosperar por aqui com a bebida. No entanto, nos primeiros dias após abrir seu estabelecimento, teve uma triste constatação. Suas cervejas não dispunham da preferência dos brasileiros e portugueses que ali passavam, que preferiam o vinho. O alemão, um sujeito forte e de grande estatura, teve então uma ideia: mandou um funcionário afixar um cartaz na entrada do bar com a oferta de cerveja grátis, com um pequeno detalhe - era grátis para todos que o ganhassem numa prosaica queda de braço. Rapidamente, a frequência de seu bar aumentou. O esperto alemão ganhava quase todas as disputas, e de vez em quando relaxava o braço para que alguém o ganhasse. Quase sempre o "ganhador" voltava no dia seguinte trazendo amigos, que se tornavam novos fregueses. Aos poucos a frequência do bar foi preferindo a cerveja ao vinho.

Sem o saber, nosso próspero comerciante alemão foi um dos primeiros homens de marketing ligado à cerveja no Brasil. No entanto, se lhe fosse permitido viajar no tempo e chegar a 2013 para uma passeada pelos bares brasileiros, ficaria espantado com a quantidade de apaixonados por cerveja que temos por aqui. e creio que ele adoraria as diversas cervejarias brasileiras que começam a abrir suas portas aos amantes da bebida.      



No sábado passado, estive em Petrópolis, conferindo pela primeira vez a fábrica da Bohemia, e o Museu da Cerveja. Em mais um sábado de calor infernal no Rio, valeu  a pena subir a serra para uma tarde cultural e etílica. No Brasil, estas visitas guiadas em cervejarias são uma atividade recente, feitas com muita propriedade pelo marketing ligado às cervejarias.Sou de um tempo em que as únicas visitas abertas à fábricas de bebidas alcoólicas eram aquelas que tínhamos (e ainda temos, com muito sucesso) pelas vinícolas da região o sul do Brasil. Foi lá, em Bento Gonçalves (ou seria outra cidade?, não me lembro bem), que pela primeira vez ingeri álcool. Eu devia ter entre 13 ou 14 anos. Ainda me recordo dos imensos barris de vinho que nos cercavam enquanto o guia contava histórias sobre o vinho. A cerveja até então era algo "menor", uma bebida mais comum que - pelo menos aqui no Brasil - não parecia digna de merecer uma tour.

Mas os tempos mudaram. As grandes cervejarias viram que valia a pena apostar nessa paixão do brasileiro pela bebida, e começaram a abrir suas portas para receber cada vez mais pessoas dispostas a conhecer um pouco da história, da feitura da bebida e, como não deveria deixar de ser, beber um pouco. E a tendência não é só incrementar o turismo e alavancar as vendas. De um tempo para cá, bares e restaurantes com cartas de cerveja proliferam pelas cidades brasileiras, e aos poucos vai se tornando um hábito comum reunir os amigos para degustar cervejas artesanais de qualidade.

Outro dia, estive na rua Barão de Mesquita, na Tijuca, para encontrar um amigo que escolheu comemorar seu aniversário numa cervejaria. O local se chama Cerveja Social Clube e, a julgar pela fachada totalmente discreta - nem se preocuparam em colocar o nome do estabelecimento ali - me pareceu que ali se pretende ser um local aberto para iniciados. Um clube de fãs da bebida. E que já possui até site, como diz o folheto que me deram na saída: "Um site com mais de 250 cervejas de várias partes do mundo. Entrega em 48h na cidade do Rio de Janeiro. Copos, acessórios e revistas". Na loja física, há informações sobre degustações guiadas e aulas sobre cerveja, as quais acontecem esporadicamente. Mas peraí: degustações guiadas, aulas de cerveja? Pois é. Vivemos novos tempos etílicos...

O negócio da cerveja parece ser irreversível. Na fábrica da Mistura Clássica, cerveja artesanal de Volta Redonda, que abriu um bar para seus seguidores dentro da fábrica. O bar oferece degustações de seus diversos tipos de cerveja (PIlsen, Ale, Black etc) em minúsculos copos. Feita a degustação, o freguês escolhe sua (s) preferida(s) e pede ela por inteiro numa tulipa.  Mais que uma ocasião para "derrubar cervejas", o que ocorre ali é uma experiência para quem realmente aprecia a bebida.

No ano passado, Aproveitando um feriado em Pedro do Rio, na região de Itaipava, estive com amigos na visita guiada á Itaipava. A visita é com hora marcada e deve ser reservada antecipadamente, de forma um tanto burocrática: nome, cpf e identidade de quem vai, proibido levar crianças, bermudas proibidas etc.  A despeito de todos esses entraves, a visita vale a pena. Guias explicam detalhadamente o processo de formatação da cerveja, Sobretudo ao final, quando do alto do imenso pátio da fábrica, vislumbramos a etapa em que máquinas-robôs engarrafam, selam e empacotam centenas de garrafas da bebida que airá dali para diversos pontos do país.

Se  na fábrica da Itaipava, o processo técnico da feitura da cerveja é o primordial, no fábrica da Bohemia, graças ao Museu da Cerveja, o impacto é bem maior, e cultural. Logo na entrada ficamos sabendo do surgimento da bebida, há milhares de anos no Oriente Médio, e também das lendas que cercaram a bebida e deram-lhe notoriedade, Conhecemos uma profissão de alto nível no Egito antigo: a de provador de cerveja; o legado dos santos católicos da Idade Média que teceram loas à bebida (como Santo Agostinho) assim como o trabalho de monges trapistas que inventaram a fórmula de uma das cervejas mais famosas até hoje. Acompanhamos os percalços e a evolução da bebida do alvorecer da Idade Moderna, passando pelas grandes navegações, o capitalismo e o surgimento da fabricação em série, que tornou a bebida famosa mundialmente. Registrei e compartilho com vocês algumas imagens do local.  











Nos outros andares destinados á visitação, assistimos ao processo de fabricação da bebida, a um filme sobre a criação da fábrica da Bohemia em 1863, e o grand-finale: a degustação da bebida, quando, após um suspense feito pelo guia, uma sala que estava oculta subitamente surge à frente dos visitantes, com direito a serpentina de chope, garçons e o chamado para experimentar a bebida. Difícil, muito difícil resistir.

Enfim, provar, degustar, amar as infinitas cervejas hoje á disposição tornou-se algo definitivamente profissional no Brasil. Quem bebe por prazer agradece. Agora, por favor, com  licença que vou à geladeira buscar minha red ale...  


*inspirado em Paulo Leminski
               

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