Eu me mudei para a Estação da Luz
Porque estava tudo escuro dentro do meu coração
("Augusta, Angélica e Consolação", Tom Zé)
Atravesso a Avenida Paulista e alguém lembra de uma piada
recorrente dos paulistas sobre sua tão querida e imponente avenida principal: a
Avenida Paulista é como o casamento: começa no paraíso e acaba na consolação. Desta forma, usando como exemplo as estações de metrô, muitos deles
orientam aqueles de fora, como eu, sobre como não se perder na imensidão da
avenida...e da cidade.
Uma ótima reportagem da Revista São Paulo, da Folha, dava conta
das “impressões forasteiras” que muitos estrangeiros têm sobre São Paulo. Intitulada
“Um estanho mundo em SP”, trazia declarações como “Os brasileiros adoram tomar
banho” (de um irlandês); “Cumprimentamos o outro colocando as mãos juntas em
forma de flor-de-lótus. Nada de beijinhos” (mulher tailandesa); “Comer de
maneira saudável é coisa de rico por aqui”(francês); “Esse tal de palitinho
após as refeições...” (chinês); “No Brasil, a mulher participa de reuniões da
família. Na África, ela tem de ser só bonita e calada (camaronesa). Longe de
fechar-se num bairrismo atrasado, reportagens como essa nos fazem refletir
sobre nós mesmos...às vezes o olhar de fora observa coisas que pra gente são
naturais, enquanto para outros causa espanto.
No último texto, falei que minhas lembranças da capital paulista
eram raras e...noturnas. Pois foi com espanto e admiração que percorri vários
quarteirões da Avenida Paulista numa quinta-feira, novamente à noite. Eram
vários arranha-céus convivendo com prédios residenciais, casarões do princípio
do século transformados em centros empresariais ou agências bancárias, enormes
antenas dos meios de comunicação, cafeterias chiques, pobres, ricos, perdidos,
engravatados triunfantes após um dia tenso na bolsa, desesperados confessando
seus lamentos de amor nos bares...enfim, uma fauna urbana urgente e única. “Em
São Paulo, você pode sair à noite em qualquer dia e achar o que fazer”, dizia
um estrangeiro na reportagem da Folha. Ele tem razão.
Há algum tempo, meu irmão esteve em SP visitando um amigo paulista
que fizera junto com ele faculdade, na UFF. O primeiro lugar que visitaram foi
uma feira para comer pastéis. Perguntei espantado: pastel na feira?! Segundo
nosso amigo paulistano, quem vai a SP não pode deixar de comer pastéis. Na feira, havia
fila para o pastel, de boys a engravatados, todos aguardando sua vez
de comprar um chops e dois pastel –
outro amigo meu que trabalhou oito anos na capital paulista ficara intrigado
com a mania paulista de quase não usar o plural nos substantivos, algo que ia
do menos alfabetizado ao mais instruído. Peculiaridades paulistas. O fato é que
a baixa gastronomia faz sucesso em São Paulo. Onde mais você poderia comer um
sanduíche de mortadela – um petisco considerado “pobre” por muita gente - tão
maravilhoso como no Mercado Municipal da cidade? Creio que só em São Paulo. Eu
provei não só os pastéis na Avenida Paulista como o sanduíche do mercado e digo
que valem muito a pena.
Em meu segundo dia em São Paulo, conferi o Museu do Futebol, que
fica no embaixo das arquibancadas do Estádio do Pacaembu. Moderno e interativo,
com até a brincadeira de uma bola para quem quiser chutar a gol e testar a
potência do chute, o local consegue atrair a atenção até de velhinhas pouco
interessadas no esporte, que saem de lá fascinadas com o misto de diversão,
história e cultura proporcionada pelo museu. Um destaque, para mim, foi o
espaço “Futebol de papel” – ali estão guardados e expostos dezenas, centenas de
caixinhas de fósforo, álbuns de figurinhas, cigarros antigos com estampas de
jogadores (o polticamente correto ainda não havia dado as caras...), jornais
artesanais feitos por apaixonados pelo esporte, enfim, toda uma memória
coletiva que conecta quem visita o local ao esporte mais amado dos brasileiros.
Na primeira foto, a memorabilia do esporte, depois detalhe dos álbuns de figurinhas (quem nunca colecionou um?). Por último, uma história que se me contassem eu não acreditaria...
E tome cultura, que nunca é demais. À tarde, visitei o MASP pela primeira vez (como é que esperei tanto?). Que luxo é estar numa cidade brasileira rodeado por mestres como Van Gogh, Renoir, Matisse, Picasso...e ver que eles estão reunidos em um só lugar. Pra quem gosta de arte, havia ainda no segundo andar a genial exposição temporária de Lucian Freud, com os rostos tensos de suas modelos e ex-mulheres. Sem faltar os estudos para o famoso retrato da Rainha da Inglaterra, que pediu pra ser retratada por Freud e depois detestou o resultado...
No terceiro dia, aniversário da cidade, ida à Estação da Luz, ao
Museu da Língua e à Pinacoteca. Na entrada da estação, há um piano antigo. Um
velhinho que escutava as orientações da guia rapidamente se dirige ao
instrumento, senta e toca uma linda música. Aplausos gerais. Ele agradece,
levanta e diz que a música era de sua própria autoria, feita na década de 30 e
inclusive gravada por um cantor de sucesso. Há um pequeno período para fotos e
depois nos dirigimos ao Museu da Língua, ainda mais interativo que o do futebol, e com direito à concorrida exposição temporária sobre Cazuza. Pra quem foi
adolescente nos anos 80 e cantou junto aquelas canções do poeta, primeiro com o
Barão Vermelho e depois em carreira solo, não havia como não se emocionar. Vale a visita, por Cazuza e para descobrir
curiosidades sobre a história de nossa língua, desde antes do latim até os dias
de hoje. A língua é viva e continua se reinventando sempre.
Detalhe do prédio da Estação da
Luz. Depois, um dos vários versos de Cazuza nas janelas do Museu da Língua. Uma
garota canta "Ideologia" no karaokê instalado na mostra.
Pra quem vai ao Museu da Língua, outro passeio imperdível está
praticamente em frente, atravessando a rua: a Pinacoteca do Estado. Um lugar
muito charmoso, englobando desde as pinturas
mais acadêmicas até as obras mais pós-modernas. No mais, lembre do conselho:
reserve pelo menos duas horas para cada visita a estes museus. Na correria,
acabei perdendo muita coisa da Pinacoteca, e ficou aquela sensação de quero
mais. Um dia eu volto, com calma.
Como encerrar a viagem sem prestar conta da diversidade cultural e
étnica de São Paulo? Simples: visitando na manhã de domingo a feirinha do
bairro da Liberdade, conhecido como o bairro japonês. Ali encontramos uma
cultura ao mesmo tempo tão distante e tão próxima à gente...doces de feijão,
saquês diversos, yakisobas às centenas, luminárias cinematográficas, objetos de
um design absolutamente original, tudo isso percorrido por uma multidão que
poderia estar na 25 de março paulista ou no Saara carioca, mas preferiu
conferir de perto este bairro único no Brasil.
Sim, a grana ergueu e destruiu coisas belas. Há em São Paulo prédios caindo aos
pedaços ao lado de construções incríveis. Pichações horríveis convivendo perto
de grafites sensacionais. Esse desenvolvimento marcado por contrastes reflete uma
cidade que não para de crescer e insiste em se reinventar a cada dia. Enfim, se
você gosta de cultura em suas mais diversificadas manifestações, não deixe de
inserir São Paulo em sua rota de viajante. Nem que seja, usando um termo da
moda, para dar um simples rolezinho.
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