sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Existe amor em SP - Parte 2


Eu me mudei para a Estação da Luz 
Porque estava tudo escuro dentro do meu coração
("Augusta, Angélica e Consolação", Tom Zé)

Atravesso a Avenida Paulista e alguém lembra de uma piada recorrente dos paulistas sobre sua tão querida e imponente avenida principal: a Avenida Paulista é como o casamento: começa no paraíso e acaba na consolação. Desta forma, usando como exemplo as estações de metrô, muitos deles orientam aqueles de fora, como eu, sobre como não se perder na imensidão da avenida...e da cidade.  

Uma ótima reportagem da Revista São Paulo, da Folha, dava conta das “impressões forasteiras” que muitos estrangeiros têm sobre São Paulo. Intitulada “Um estanho mundo em SP”, trazia declarações como “Os brasileiros adoram tomar banho” (de um irlandês); “Cumprimentamos o outro colocando as mãos juntas em forma de flor-de-lótus. Nada de beijinhos” (mulher tailandesa); “Comer de maneira saudável é coisa de rico por aqui”(francês); “Esse tal de palitinho após as refeições...” (chinês); “No Brasil, a mulher participa de reuniões da família. Na África, ela tem de ser só bonita e calada (camaronesa). Longe de fechar-se num bairrismo atrasado, reportagens como essa nos fazem refletir sobre nós mesmos...às vezes o olhar de fora observa coisas que pra gente são naturais, enquanto para outros causa espanto.

No último texto, falei que minhas lembranças da capital paulista eram raras e...noturnas. Pois foi com espanto e admiração que percorri vários quarteirões da Avenida Paulista numa quinta-feira, novamente à noite. Eram vários arranha-céus convivendo com prédios residenciais, casarões do princípio do século transformados em centros empresariais ou agências bancárias, enormes antenas dos meios de comunicação, cafeterias chiques, pobres, ricos, perdidos, engravatados triunfantes após um dia tenso na bolsa, desesperados confessando seus lamentos de amor nos bares...enfim, uma fauna urbana urgente e única. “Em São Paulo, você pode sair à noite em qualquer dia e achar o que fazer”, dizia um estrangeiro na reportagem da Folha. Ele tem razão.

Há algum tempo, meu irmão esteve em SP visitando um amigo paulista que fizera junto com ele faculdade, na UFF. O primeiro lugar que visitaram foi uma feira para comer pastéis. Perguntei espantado: pastel na feira?! Segundo nosso amigo paulistano, quem vai a SP não pode deixar de comer pastéis. Na feira, havia fila para o pastel, de boys a engravatados, todos aguardando sua vez de comprar um chops e dois pastel – outro amigo meu que trabalhou oito anos na capital paulista ficara intrigado com a mania paulista de quase não usar o plural nos substantivos, algo que ia do menos alfabetizado ao mais instruído. Peculiaridades paulistas. O fato é que a baixa gastronomia faz sucesso em São Paulo. Onde mais você poderia comer um sanduíche de mortadela – um petisco considerado “pobre” por muita gente - tão maravilhoso como no Mercado Municipal da cidade? Creio que só em São Paulo. Eu provei não só os pastéis na Avenida Paulista como o sanduíche do mercado e digo que valem muito a pena.

Em meu segundo dia em São Paulo, conferi o Museu do Futebol, que fica no embaixo das arquibancadas do Estádio do Pacaembu. Moderno e interativo, com até a brincadeira de uma bola para quem quiser chutar a gol e testar a potência do chute, o local consegue atrair a atenção até de velhinhas pouco interessadas no esporte, que saem de lá fascinadas com o misto de diversão, história e cultura proporcionada pelo museu. Um destaque, para mim, foi o espaço “Futebol de papel” – ali estão guardados e expostos dezenas, centenas de caixinhas de fósforo, álbuns de figurinhas, cigarros antigos com estampas de jogadores (o polticamente correto ainda não havia dado as caras...), jornais artesanais feitos por apaixonados pelo esporte, enfim, toda uma memória coletiva que conecta quem visita o local ao esporte mais amado dos brasileiros.




Na primeira foto, a memorabilia do esporte, depois detalhe dos álbuns de figurinhas (quem nunca colecionou um?). Por último, uma história que se me contassem eu não acreditaria...


E tome cultura, que nunca é demais. À tarde, visitei o MASP pela primeira vez (como é que esperei tanto?). Que luxo é estar numa cidade brasileira rodeado por mestres como Van Gogh, Renoir, Matisse, Picasso...e ver que eles estão reunidos em um só lugar. Pra quem gosta de arte, havia ainda no segundo andar a genial exposição temporária de Lucian Freud, com os rostos tensos de suas modelos e ex-mulheres. Sem faltar os estudos para o famoso retrato da Rainha da Inglaterra, que pediu pra ser retratada por Freud e depois detestou o resultado...

No terceiro dia, aniversário da cidade, ida à Estação da Luz, ao Museu da Língua e à Pinacoteca. Na entrada da estação, há um piano antigo. Um velhinho que escutava as orientações da guia rapidamente se dirige ao instrumento, senta e toca uma linda música. Aplausos gerais. Ele agradece, levanta e diz que a música era de sua própria autoria, feita na década de 30 e inclusive gravada por um cantor de sucesso. Há um pequeno período para fotos e depois nos dirigimos ao Museu da Língua, ainda mais interativo que o do futebol, e com direito à concorrida exposição temporária sobre Cazuza. Pra quem foi adolescente nos anos 80 e cantou junto aquelas canções do poeta, primeiro com o Barão Vermelho e depois em carreira solo, não havia como não se emocionar.  Vale a visita, por Cazuza e para descobrir curiosidades sobre a história de nossa língua, desde antes do latim até os dias de hoje. A língua é viva e continua se reinventando sempre.




Detalhe do prédio da Estação da Luz. Depois, um dos vários versos de Cazuza nas janelas do Museu da Língua. Uma garota canta "Ideologia" no karaokê instalado na mostra.  


Pra quem vai ao Museu da Língua, outro passeio imperdível está praticamente em frente, atravessando a rua: a Pinacoteca do Estado. Um lugar muito charmoso, englobando desde as pinturas mais acadêmicas até as obras mais pós-modernas. No mais, lembre do conselho: reserve pelo menos duas horas para cada visita a estes museus. Na correria, acabei perdendo muita coisa da Pinacoteca, e ficou aquela sensação de quero mais. Um dia eu volto, com calma.




Como encerrar a viagem sem prestar conta da diversidade cultural e étnica de São Paulo? Simples: visitando na manhã de domingo a feirinha do bairro da Liberdade, conhecido como o bairro japonês. Ali encontramos uma cultura ao mesmo tempo tão distante e tão próxima à gente...doces de feijão, saquês diversos, yakisobas às centenas, luminárias cinematográficas, objetos de um design absolutamente original, tudo isso percorrido por uma multidão que poderia estar na 25 de março paulista ou no Saara carioca, mas preferiu conferir de perto este bairro único no Brasil. 


Sim, a grana ergueu e destruiu coisas belas. Há em São Paulo prédios caindo aos pedaços ao lado de construções incríveis. Pichações horríveis convivendo perto de grafites sensacionais. Esse desenvolvimento marcado por contrastes reflete uma cidade que não para de crescer e insiste em se reinventar a cada dia. Enfim, se você gosta de cultura em suas mais diversificadas manifestações, não deixe de inserir São Paulo em sua rota de viajante. Nem que seja, usando um termo da moda, para dar um simples rolezinho.  


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