Julho de 1984. Estou em casa folheando o JB quando leio na coluna do Zózimo uma notinha que me chamaria a atenção. Dizia mais ou menos assim: "O empresário Roberto Medina, que já trouxe ao Brasil Frank Sinatra, prepara para janeiro do ano que vem um grande festival de rock no Rio de Janeiro. Grandes bandas estão sendo contatadas". Foi ali, pela primeira vez que eu ouvi falar do que viria a ser o Rock in Rio. Será mesmo?, pensei. A coluna do Zózimo era fértil em dar furos na concorrência, mas imaginar um "grande festival de rock" no Brasil, numa época em que shows internacionais eram raros (tivemos antes apenas alguns no Maracanãzinho, todos com aquela acústica péssima) só podia ser um sonho. Não me lembro se Zózimo antecipara o local - um imenso descampado em Jacarepaguá que nos dias de chuva, em especial nos dias reservados ao heavy metal, se tornaria um lamaçal - mas algumas semanas depois, a grande imprensa revelava o que o colunista antecipara. O Rock in Rio, de fato, iria acontecer.
Em janeiro de 1985, eu tinha 15 anos. Ia começar a cursar o segundo grau (naquela época não falávamos "ensino médio") e, pela primeira vez, eu iria a um grande festival de rock. Estava com meu irmão mais velho, um primo e amigos. Lembro que o percurso era insano: pegamos dois ônibus que totalizaram algumas horas para cruzar a cidade de Ramos até a longínqua "cidade do rock" (se hoje a Barra ainda é longe, imagine em 1985, sem as Linhas Amarela e Vermelha). Nada, porém, tirava nosso entusiamo. Era o primeiro dia e eu estava indo ver finalmente o Queen e o Iron Maiden ao vivo. Ainda era difícil de acreditar. Estar no Rock in Rio, naquele começo de ano, era como se eu estivesse recebendo um passaporte para a maturidade.
Quem conheceu apenas as últimas edições do festival, transformado num grande parte temático cheio de atrações como tirolesa, roda gigante, salão de beleza (!) e tudo o mais, onde "a música é só um detalhe", como disse Roberto Medina em uma entrevista ao Globo, não imagina como foi aquela primeira edição. Apesar do local imenso, a infra-estrutura era precária. A cerveja era a famigerada Malt 90, e estava sempre quente. Conseguir comprar um hambúrguer era uma luta árdua.Os banheiros logo ficaram imundos. O belo gramado, depois de alguns dias, virou lama. Mas relevávamos tudo. Queríamos mesmo era curtir o rock. E os shows não decepcionaram.
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Eu fui em três dias: no primeiro, dia 11; no domingo, 13,; e no sábado seguinte, dia 19. Ney Matogrosso abriu o festival com um ótimo show, mas logo depois foi triste ver a galera metaleira (que eram muitos, muitos mesmo) vaiando Erasmo Carlos logo depois. O show do Iron Maiden foi sensacional. E o Queen, fechando a noite, foi arrebatador. A banda estava em uma de suas melhores fases e foi arrepiante cantar junto com milhares de pessoas o clássico "Love of my life", Ao fim da extenuante noite, lembro das pessoas cansadas, mas felizes, indo pegar os ônibus. Na volta pra casa, havia gente dormindo até de pé nos coletivos lotados.
No dia 13 curti bastante as atrações nacionais. Paralamas, Lulu Santos e a Blitz fizeram três ótimos shows, com destaque para a falta de cenário dos Paralamas, que improvisaram uns enfeites do camarim no palco - cenário simples, show excelente. Mas o grande destaque desta noite foi mesmo Rod Stewart, que fez um dos melhores show de toda a história do festival. Se no Queen eu estava tão espremido na multidão que mal conseguia me mexer, no show de Rod deu pra dançar o tempo todo, e nem a chuva que caiu no meio da apresentação diminuiu a animação da galera. Ainda me lembro de dançar sem parar ao som do clássico de Sam Cooke, "Twisting the night away" e vários hits de Rod, que pôs a plateia no bolso.
No sábado seguinte, dia destinado às bandas de heavy metal, a chuva caiu forte, Mas a galera não desanimou. Aliás, que eu me lembre, nenhuma das demais edições do festival conseguiu reunir um dia tão bom. Ver Whitesnake, Scorpions, Ozzy Osbourne e o AC/DC foi realmente uma experiência única. Temendo nova vaia a Erasmo Carlos, a produção o tirou deste dia, mas manteve Pepeu Gomes e Baby Consuelo, que encararam a intolerância quase fundamentalista dos fãs de heavy metal com um showzaço. Antes que os fãs do rock pesado começassem a vaiar, Pepeu Gomes deu um solo a la Jimi Hendrix, Depois, junto com Baby, levaram um versão arrasa-quarteirão do clássico "Brasileirinho"', deixando os radicais de boca aberta. Recentemente vi numa entrevista para a TV Baby contando que contratou um grupo de seguranças para impedir que os outros seguranças do festival desligassem o som ou mandassem terminar o show antes dos 40 minutos previstos.A tática, pelo visto, deu certo.
Sim estive em apenas três noites, mas foram três noites que jamais vou esquecer. Depois do primeiro Rock in Rio, finalmente o Brasil começou a receber mais astros do rock internacional. Os grandes grupos haviam descoberto o Brasil. E o festival fora o responsável.
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