Tudo isso mudou recentemente, quando pela primeira vez pisei de verdade na maior das ilhas do litoral de Angra dos Reis. De repente, me dei conta de que deveria mudar radicalmente meu conceito. Estava fazendo um lanche numa creperia, à noite, e, afora eu e Ana, todos, ou quase todas as outras pessoas presentes, incluindo as garçonetes, eram estrangeiras. Sinal dos tempos: do antigo presídio, só restam as ruínas e pouca gente se aventura a ir até lá. Hoje, a Ilha Grande é um belíssimo território a céu aberto, movimentado pela pesca e pelo turismo em grande escala, que atrai estrangeiros do mundo inteiro.
Naquela creperia, que me fez sentir com a estranha sensação de estrangeiro dentro de meu próprio país, eram evidentes e em profusão os sotaques em espanhol e italiano. Intrigada, Ana perguntou à dona da pousada em que estávamos como era o movimento no inverno. "Bastante cheio e com muitos turistas", respondeu, para nosso espanto. E quem vem?, perguntei. "Há de tudo. Há a temporada dos italianos, dos espanhóis, dos israelenses, dos ingleses. A Ilha recebe turistas o ano inteiro", ela disse, enquanto acarinhava o belo e dorminhoco cão de guarda da pousada, Cabrón - sim, até o cachorro tinha nome gringo...
Para chegar à Ilha, há três alternativas: de barca, de saveiro ou catamarã. Pegamos a barca das 15h30 na correria, em Angra, após quase tê-la perdido - a pontualidade é uma qualidade dos serviços. Chegamos em torno das 17h à Vila do Abraão, sob um céu claro mas ainda com nuvens. Mal sabíamos que logo as nuvens se dissipariam e teríamos pela frente quatro dias de sol, sob uma temperatura deliciosa de verão carioca.
Deixamos as malas na pousada e fomos caminhar. A Vila do Abraão - de longe a área mais populosa da Ilha Grande, e que concentra a maioria dos hotéis, pousadas e campings - à primeira vista, parece uma vila de pescadores tomada por turistas do mundo inteiro. Era 20 de janeiro. Entramos na bela igrejinha bem no centro da Vila, no meio da praça, e, para minha surpresa, estavam comemorando o dia de São Sebastião, com bandinha e missa montada num palanque do lado de fora. São Sebastião, além de padroeiro do Rio, também o é da Ilha Grande. Coincidência ou não, também moro perto de uma igreja de São Sebastião, no Rio, e a profusão de pessoas vestindo vermelho, a cor do santo, me lembrou das procissões no meu bairro das quais tantas vezes vi passar.
Neste dia ainda estive na Praia Preta e passeando por trilhas, quando fomos até às ruínas do aqueduto. A Ilha Grande é próspera em trilhas e recebe gente de todos os cantos dispostos a passar o dia caminhando e admirando a beleza natural da região. Caminhe pela Ilha e verás que vale a pena: uma hora, você se depara com uma ruína histórica, de alguma edificação dos tempos do Império; em outra, dá de cara com uma bela cachoeira, quando a tentação de largar tudo e entrar n'água é grande.
No entanto, mal sabia eu que o melhor estava por vir. E este melhor atendia por um nome: Lopes Mendes. A praia paradisíaca, já eleita uma das mais belas do Brasil, tem seu acesso de barco, mas apenas até certa parte, pois qualquer embarcação está proibida de atracar por lá. Depois, continuamos numa trilha de cerca de 20 minutos a pé, quando me deparei com uma praia belíssima, de águas cristalinas e visual de tirar o fôlego. Havíamos chegado. Mergulhei e nadei para longe da areia. Ao virar-me, deparei com a Mata Atlântica em todo o seu esplendor, sem nenhum sinal de carros, casas, avenidas, prédios ou viadutos. Não dava pra acreditar: era como se eu estivesse na ilha do seriado "Lost". Apenas a natureza plena, o que me fez sentir como se estivesse num local onde a civilização ainda não se atrevera a pôr os pés e a natureza reinasse absoluta.
No dia seguinte, decidimos por um passeio de barco. Estivemos na Lagoa verde, Lagoa Azul, Praia dos Macacos e Praia da Feiticeira. Lugares belíssimos, onde o grande barato é o mergulho com snorkel, onde dá pra se sentir no fundo do mar, nadando entre peixes coloridos e admirando o fundo, com toda aquela misteriosa profusão de pedras, conchas, vegetação e seus mistérios... Passamos o dia passeando de barco e mergulhando nas águas ora mornas, ora frias daquele litoral sem igual, com paradas para comer peixe na brasa, que era feito dentro do barco...Enfim, foram momentos em que tudo deu certo.
Passei quatro dias plenos na Ilha Grande. O resto da viagem foi de caminhadas, crepes, pizzas de tomate seco, cerveja, sucos naturais, sorvetes, cafés, passeios pelo pier, lojinhas, praia do abraãozinho (com novos sotaques estrangeiros) e uma sensação de que o paraíso não deve ser tão longe.
Do antigo presídio, a única lembrança que vi por lá eu encontrei em duas fotos dentro de uma lojinha de lembranças na Vila do Abraão. Num belo álbum com imagens deslumbrantes da Ilha, havia ali uma foto antes e outra depois da implosão do local. Fotos que destoavam das outras, em sua grande maioria marcadas pela beleza.
Um dia antes de irmos embora, ao pararmos para uma cerveja num bar montado nas areias da praia do Abraãozinho, puxamos papo com nossa simpática garçonete. Não, ela não era estrangeira. Era de Petrópólis, contou. Em uma das idas à ilha, encontrara um francês, pelo qual se apaixonara e agora estava casada com ele. "Na alta temporada do verão, nem saio daqui. Depois, em abril, eu e meu marido vamos pra Europa, onde passamos nova temporada, até voltarmos novamente para a Ilha". Sobre empregos, a oferta é grande e atualmente um dos poucos problemas para turistas que se encantam pelo local e querem, digamos, prolongar todo aquele prazer de estar ali, é a falta de casas para alugar ou comprar. "Quem consegue, fica", ela dizia.
Sinceramente, não encontrei razões para discordar.
* Artigo inspirado no livro de viagens culturais de Ruy Castro e Heloisa Seixas, "Terramarear"
sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
Ilha Grande - beleza em estado puro*
A primeira vez em que ouvi falar da Ilha Grande havia sido a respeito do famoso presídio que por décadas funcionou ali, e que se tornara conhecido por abrigar figuras do porte de Graciliano Ramos (que, preso pelo Estado Novo de Vargas, escreveria então seu "Memórias do Cárcere"). Uma outra lembrança era audiovisual: lembro de, ainda moleque, assistir na televisão à série "Bandidos da Falange", na qual o presídio também servira como locação. Para mim, em minha memórias imaginárias, a Ilha Grande era um belo local de natureza selvagem, onde criminosos eram levados e trancafiados, tal como outras ilhas famosas que continham presídios, como Alcatraz e a ilha de Papillon, só pra citar duas que viraram filmes. Antes de conhecermos, estarmos lá, cada local é aquilo que imaginamos.
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