terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Happy together, do verão do amor à propaganda de automóveis

Não sei se ainda passa na televisão. É um comercial excelente da Ford, anunciando o novo modelo do Focus 2009. Comerciais do gênero costumam ser sempre iguais, num tremendo estilo mais do mesmo, buscando convencer o cara sentado em frente à TV que aquela marca, aquele carro, é especial e você deve comprá-lo. Mas esse não tinha texto algum, e nem precisava. O spot, de maneira criativa, mostrava as diversas etapas da construção de um veículo, até sua compra - quando, num momento hilário, o vendedor, explodindo de alegria, abraça o comprador como se vender o tal Focus fosse a felicidade suprema (ah, a sedução publicitária...). Em todas as etapas de elaboração e construção do carro homens e mulheres da montadora cantam uma música adorável. A canção chama-se "Happy together", e foi lançada em 1967 pelos Turtles.



Você deve estar perguntando: "Turtles? Queeem?" Bem, vale a pena uma pequena viagem aos anos 60.

Era 1967, e os Beatles reinavam absolutos no panteão do pop mundial. Estavam prestes a lançar o LP que revolucionaria o rock e toda a música pop - "Sargeant Pepper's Lonely Hearts Club Band" - e o mundo parecia aos seus pés. Hits inesquecíveis como "Strawberry fields forever", "Penny lane" e "A day in the life" tomavam conta das rádios. Com o álbum, os quatro rapazes de Liverpool conseguiram seduzir até os mais ferrenhos críticos do rock n' roll - sim, o rock poderia ser muito mais do que diversão ligeira.

Foi então que naquele mesmo ano, subitamente, uma canção de um grupo americano desconhecido começou a tocar nas rádios. The Turtles era o nome do grupo - em tradução literal, "As tartarugas". "Happy together" era o nome da canção - uma música pop perfeita, inspirada nas harmonias vocais dos Beach Boys, dos Zombies e dos próprios Beatles. No site do All Music Guide, Denise Sullivan diz mais sobre a música: "Esta é mais sublime fatia de um pop celestial, à despeito de suas contradições: tem um quê de bubblegum, mas soa superior; é uma canção rock n' roll com uma batida marcial; o vocal é desesperado e estridente, convencendo o ser amado de que o casal será feliz, ora!"

Aqueles versos cantados pela linha de frente do grupo - Howard Kaylan e Mark Volman - eram uma declaração de amor em ritmo pop, e casavam-se à perfeição com o "verão do amor", em que a juventude mergulhava na psicodelia e respirava os ventos hippies e libertários da década. Kaylan e Volman descobriram a música (dos desconhecidos compositores de estúdio Gary Bonner & Alan Gordon) após a fita demo ter passado pelas mãos de diversas bandas candidatas a um lugar no mundo do rock. Coube aos Turtles a sorte de achá-la e a competência de gravá-la de modo irresistível:


"Imagine me and you, I do // I think about you day and night, it's only right // To think about the girl you love, and hold her tight // So happy together // If I should call you up, invest a dime // And you say you belong to me, and ease my mind // Imagine how the world could be, so very fine, so happy together // I can't see me loving nobody but you, for all my life // When you're with me, baby the skies will be blue, For all my life"


Naquele verão de 1967, "Happy together" chegou como um furacão ao primeiro lugar das paradas americanas, e ficou ali por três semanas, tornando-se um dos maiores hits do ano. O sucesso levou os Turtles a excursionar pela Europa, onde os jovens e deslumbrados membros da banda conheceram os grandes nomes do pop inglês.


No filme "Meu jantar com Jimi", de 2003, temos a história desta ida dos Turtles à Inglaterra e seus encontros com Brian Jones, Jim Morrison, Donovan, Mama Cass (do Mammas and the Papas) e seus ídolos maiores, os Beatles. Com roteiro premiado do próprio Kaplan, o filme não é uma grande produção, mas tranborda sinceridade ao expôr o lado ridículo, grosseiro e até patético de alguns dos maiores ídolos da história do rock. Ou seja, dar-lhes uma face humana. Jim Morrison aparece numa cena completamente bêbado, e não sobra nem para Paul MacCartney e John Lennon - este último aparece no filme de uma forma nem um pouco sedutora.

Uma boa questão: por que esperamos sempre que nossos ídolos tenham condutas digníssimas, sejam exemplos de virtude, camaradagem e tudo o mais? A maioria dos fãs se esquece disso e não se pergunta se eles não podiam ser somente um pouquinho humanos, com erros e defeitos, como todos nós. E qual o preço de separar a música do ser humano por trás? Uma das cenas mais contundentes do documentário "Imagine", sobre a vida de John Lennon é a cena em que o ex-beatle passa um tremendo sermão num fã que havia invadido sua casa, dizendo que não era nenhuma entidade, mas um ser humano igual a ele, que comia, bebia, ia ao banheiro, arrotava...

Quanto ao Jimi do título, é ele mesmo, Jimi Hendrix, com quem o vocalista pagará um tremendo mico no tal jantar do título. Kaylan relatou como fora aquele dia tão especial:

"Era nossa primeira viagem à Londres, e nós conhecemos Graham Nash, Donovan, os Rolling Stones e os Beatles - que tocaram para a gente Sargeant Pepper's antes deste ser lançado - tudo na mesma noite! Eu terminei jantando com Hendrix às 4 da madrugada, e passei tão mal que acabei vomitando em seu belo casaco de couro vermelho!"

Bem, o resto é história. Os Turtles nunca mais conseguiram um hit tão poderoso como "Happy together", e apesar de gravarem bons compactos posteriormente, a banda acabou se separando em 1970. Kaylan e Volman juntaram-se à banda "Mothers of invention" de Frank Zappa, e os outros músicos acabaram migrando para bandas obscuras ou buscaram outros trabalhos.

Enfim, aquele verão de 1967 ficou na história por apresentar o apogeu dos Beatles, mas também por marcar o lançamento de uma pérola pop que, mais de quarenta anos depois, ainda conserva intacto seu encanto - e consegue emocionar mesmo numa propaganda de automóveis.

Se você tem uma namorada, ou namorado, se é casado (a) ou não, clique no link da canção e pense nele (a). Imagine os dois, apaixonados, fazendo planos para o futuro. Imagine, vocês dois, happy together.