terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A história de Caramelo: publique-se a lenda

É divertida uma história contada nas crônicas de Nelson Rodrigues, sobre o passarinho no incêndio. Lembrando: segundo o dramaturgo, certa vez, na década de 1930, houve um grande incêndio numa casa do subúrbio carioca, na qual a imprensa foi devidamente acionada. Um dos colegas do jornal em que Nelson trabalhava, porém, acabou chegando no final, quando o fogo já havia destruído tudo em volta. Mas o intrépido jornalista não queria voltar para a redação sem uma boa história. No dia seguinte, os leitores se emocionaram com a reportagem que mencionava o passarinho na gaiola da varanda incendiada, o qual, segundo a matéria, teria cantado plenamente até o último suspiro, vindo a morrer pelas labaredas lançadas. O curioso, segundo Nelson, é que mais tarde, mais de um repórter teria usado a mesma história do passarinho em outro incêndio. Um típico caso de apropriação da lenda alheia.

Fiquei pensando nessa história ao ler e me comover com o cão Caramelo, que emocionou a todos que vêm acompanhando o resgate das vítimas das chuvas fortes na região serrana do Rio. Sua imagem, repousando ao lado do túmulo de sua suposta dona correu o Brasil - jornais, TVs, sites, rádios, todos publicaram ou fizeram menção ao amor do cão pela dona que teria morrido nas enchentes. Pois bem: sabe-se agora que a história não passou de uma tremenda barriga (notícia falsa), que o cão ao lado do túmulo não se chama Carqamelo e na verdade pertence a um funcionário do cemitério. Quem denunciou a farsa foi um jornalista de Teresópolis.



Agora fica pergunta: trata-se de mais um caso de má apuração ou "apenas" a sofreguidão de nossa imprensa em conseguir personagens e histórias emocionantes, unicamente com o intuito de alavancar a audiência? Lembro que uma vez estava assistindo na TV a um programa sobre escolha de profissões, e naquele dia o tema era justamente jornalismo. Dois universitários da profissão - um garoto e uma garota - visitavam a redação de um jornal e eram acompanhados pelo repórter do programa e o editor, que informava aos jovens como realizar uma boa apuração. Entre as várias dicas, havia esta: "vocês devem procurar bons personagens".

Notem bem: ele não falou por "fontes", mas sim "personagens". Ou seja, algo mais ligado à ficção do que ao relato testemunhal de um fato.

Sim, tudo indica que nesta triste história da tragédia na região serrana, a gana de nossa imprensa em encontrar boas histórias deu origem a essa barriga fenomenal do cãozinho. Aliás, é sintomático lembrar que outro cão esteve presente em uma das histórias mais comoventes - esta sim, real, pois filmada pela TV - desta tragédia: o resgate de Dona Elair pelos vizinhos. Todos lembram que dona Elair, ao saltar no rio presa a uma corda, tentou primeiramente levar seu cão, Bethoven, junto. Pobre Bethoven: a força da água era tão forte que dona Elair não conseguiu levá-lo junto e o cãozinho morreu, tragado pela força das águas. Elair perdeu seu cão; o verdadeiro Caramelo (onde estará?) perdeu sua dona.

Por estes dias também acompanhei uma reportagem sobre a tragédia das chuvas em que cães eram novamente os personagens principais. Segundo a matéria, vários cães perdidos ou abandonados por donos que perderam tudo na enxurrada,e que haviam sido transferidos para um pequeno clube improvisado, teriam, por ordem da prefeitura, que ser transferidos. A alegação era de que os animais poderiam transmitir doenças para a população, mesmo com veterinários prometendo vacinar todos em breve...

A sorte dos cães abandonados na região é ainda pior do que a dos humanos, que no momento recebem toda a carga de solidariedade em forma de doações vindas de todo o estado. Não seria bom um pouco de solidariedade também com os bichos?

Semana passada, enquanto as chuvas só faziam aumentar o número de mortes em Petrópolis, Teresópolis e Friburgo, levei o cão de meu pai, Zeca, um cocker spaniel, a uma veterinária perto de casa. Seus olhos estavam brancos e havia o presentimento de que ele estaria com catarata. O diagnóstico foi pior: Zeca está cego. No momento aguardamos o resultado de um exame de sangue que poderá dizer o que levou um cocker de 7 anos, com pedigree e muito bem tratado a contrair a cegueira. E também ficamos no aguardo de que nossas autoridades não fiquem tão cegas à tragédias anunciadas como esta na região serrana, que deixou o verão do Rio de Janeiro mais triste neste começo de 2011.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Cinema (na favela) é a maior diversão!



Para quem achava que o cinema tinha virado um entretenimento definitivamente elitizado, confinado em shoppings e com preços proibitivos, a presença de público num cinema recém-inaugurado no Rio parece demonstrar o contrário. Leio em matéria do Globo desta semana sobre o sucesso do Cinecarioca Nova Brasília, com 85% de presença de público desde sua inauguração, em 24 de dezembro. Sim, meus caros, 85% - quando a média nacional de público pagante nos cinema brasileiros não passa de 40%. Só pra lembrar: o Cinecarioca fica dentro da favela Nova Brasília, em pleno Complexo do Alemão.

A inauguração do cinema, ainda no fim do ano passado, quase um mês depois da invasão do Complexo pela polícia e as Forças Armadas, que pacificaram a região antes tomada pelo tráfico, é uma conquista altamente simbólica. Trata-se do primeiro cinema em 3D dentro de uma favela no Brasil. Algo que, obviamente, merece ser comemorado. Não basta somente "pacificar" uma região antes estigmatizada pelo domínio de traficantes e por muito tempo abandonada pelo poder público. Há que se criar uma atmosfera de trabalho e oportunidades, para que as pessoas dali possam se sentir plenamente integradas, para que todos se sintam cidadãos da cidade. Como cantaram os Titãs, eles não querem só comida, mas também diversão e arte.

No entanto, parece que nem todos curtiram a ideia de um cinema em 3D em plena favela - e com preço de 8 reais (4 reais para o morador da favela!). Notícias do começo do ano deram conta de que o cinema foi parcialmente apedrejado há duas semanas atrás (suspeita-se que teriam sido ordens de traficantes ainda escondidos na região). Os responsáveis pelo cinema logo repuseram os vidros quebrados e as sessões continuaram sem problemas. Foi apenas um susto.

Mais que o batido slogan de "a melhor diversão", o Cinecarioca Nova Brasília tem servido para estimular uma espécio de auto-estima cultural nos moradores do entorno. Segundo a matéria do Globo, mais de 90% dos novos frequentadores nunca haviam ido ao cinema. O contato dos moradores da região - e, que fique bem claro, não só na favela, mas em todo o subúrbio e periferia do Rio de Janeiro - com os lançamentos cinematográficos era em grande parte feito em aluguéis de DVDs ou em compras de cópias piratas em barraquinhas de camelôs. A promessa do governo de criar novas salas em outras favelas (a próxima deve ser a de Manguinhos), longe de constituir uma atitude eleitoreira e oportunista, é uma saída bem bolada para se constuituir um novo público de cinema. Um público que, ao descobrir o prazer que é ver um filme dentro de uma tela de cinema de verdade, tenderá a abandonar os filmes comprados em camelôs.

Ora, quem gosta de cinema de verdade sabe que a chamada "fruição cinematográfica" - ou seja, todo aquele ritual de ir ver um filme no cinema, desde a escolha da roupa que irá, a condução até o local, a compra dos bilhetes, a entrada na sala ainda acesa, o apagar das luzes, os trailers, o tão esperado filme na tela grande (algo que nem o blu-ray mais moderno ainda é capaz de superar) - é um dos grandes baratos do cinema. Sem contar dos inúmeros casais que começaram a namorar dentro de uma sala de cinema.

Apesar de eu não ser um grande entusiasta do 3D, sei o fascínio que causa em muita gente, principalmente em crianças. Semana passada, numa sessão de "Enrolados", a que estive com meu filho, deu pra ver o prazer que meu filho sentia em tentar alcançar as lanternas iluminadas lançadas ao céu pelo pai da personagem principal, numa das mais bonitas cenas do filme. Com a ajuda da técnica, as lanternas pareciam estar na nossa frente.

Arte, técnica e cultura para o povo. Vida longa ao Cinecarioca Nova Brasília. E que venham outros!