quarta-feira, 26 de maio de 2010

Um passeio pelo World Press Photo


Em junho de 2009, após os resultados da votação para presidente do Irã, que reelegeu o controverso Mahmoud Ahmadinejad, o país foi marcado por grandes manifestações de rua. Partidários do candidato derrotado, Mir Mousavi, acusaram o governo de fraudar as eleições e organizaram várias passeatas, muitas delas reprimidas violentamente pelas tropas de repressão. Num regime fechado e que proíbe a entrada de jornalistas estrangeiros, o mundo ficou sabendo em grande parte do que acontecia nas ruas pelos recados e vídeos postados em redes sociais como twitter e o youtube, por iranianos indignados. Naquele mês, uma cena trágica correu o mundo, via youtube: mostra o instante da morte de uma iraniana numa manifestação, após ser atingida no peito por uma pedra.

Porém, os protestos contra o resultado das eleições não se deram apenas nas ruas. Nos dias que se passaram ao resultado, à noite, os telhados de Teerã foram tomados por mulheres que gritavam "Deus é grande", "Justiça!", em protesto contra o resultado das urnas. Uma destas cenas foi captada pelo jornalista italiano Pietro Masturzo. A imagem - nada óbvia mas altamente simbólica do grito de revolta no interior de um país totalitário - foi considerada a melhor do ano de 2009 pelo júri do World Press Photo. Ela e mais 161 fotos estão na mostra em cartaz na Caixa Cultural, no Centro do Rio. Uma verdadeira viagem fotográfica registrada pelos olhares dos fotógrafos nos quatro cantos do mundo.




São imagens diferenciadas e que fogem do lugar-comum para ir da beleza à tragédia, do espanto à incredulidade. Muitas nos causam revolta; outras humor. Há a mãe americana a levantar da cama o filho que perdeu 40% do cérebro num bombardeio no Iraque; os dois homens que se escondem atrás de um camburão de lixo, tendo à frente uma grande batalha de rua entre policiais e manifestantes; a incrível foto submarina de um martin-pescador no exato momento em que o pássaro alcança o peixe; o ritual de esquartejamento de um elefante encontrado morto na África por nativos esfomeados; um festival de música pop nos Estados Unidos repleto de neohippies e que poderia muito bem ser confundido com Woodstock; a curiosa série de crianças andróginas na Holanda (quando ficamos em dúvida sobre quem é menino e quem é menina); a inusitada e por vezes hilariante característica dos ricos africanos que viajam à Paris para comprar roupas europeias e, na volta, posam à caráter, virando celebridades locais. Do Brasil, há somente uma foto, de Daniel Kfouri, que retrata um salto do skatista brasileiro Bob Burnquist.

Mostrando que estão antenados com a emergência das mídias sociais, a imagem da mulher morta nos protestos de rua em Teerã e que parou no youtube ganhou "menção especial" do júri e está presente à mostra.

São fotos que nos fazem pensar e questionar a grande aventura humana pelo período de um ano. Para chegar ás 162 fotos premiadas, o júri recebeu mais de 100 mil fotos, enviadas do mundo todo por fotógrafos de 128 nacionalidades. Fico imaginando quantas outras tão belas devem ter ficado de fora, numa mostra em que o impacto de contar uma história através de um instantâneo fotográfico não deixa absolutamente nenhum visitante imune. Captar a atenção do indivíduo, fazendo com que ele se interesse pelo contexto e a carga de informação que aquela imagem carrega é um dos principais emblemas do bom fotojornalismo.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Essa música me lembra uma história: "Faroeste caboclo"

Tenho andado distraído, impaciente e indeciso...Eu poderia repetir os versos de Renato Russo em "Quase sem querer" pra justificar o meu lapso em não ter escrito até agora nada sobre os 50 anos de vida que o cantor e compositor da Legião Urbana estaria fazendo agora em 2010. A data tem sido lembrada em inúmeros sites e jornais, e homenagens àquele aque foi um dos maiores ícones do rock brasileiro dos anos 80 não faltam. Algumas originais, como o livro organizado pelo poeta Henrique Rodrigues - "Como se não houvesse amanhã", com contos inspirados nas canções mais emblemáticas da Legião - e outras duvidosas, como a iniciativa de juntar num CD gravações póstumas de Renato cantando "em parceria" com artistas de hoje - mesmo que algumas gravações novas soem bem, fica a dúvida se o artista - que detestava coletâneas - autorizaria tais versões.

Bem, há vários livros contando a vida de Renato e a história da Legião Urbana. Quem quiser escutar mais de suas canções, os CDs continuam todos em catálogo (há a previsão de serem lançados também em vinil!) e vendendo bem em plena era dos downloads gratuitos. Então, peço licença para trazer de volta a série "Essa música me lembra uma história", com um fato que me ocorreu quando adolescente e que teve uma música da Legião como coadjuvante. O ano: 1987. A música: "Faroeste caboclo".



Eu tinha 17 anos e o Rock in Rio, dois anos antes, impulsionara o mercado nacional para as bandas de rock tupiniquins. De uma hora pra outra, centenas de bandas surgiram e muitas de repente tinham a felicidade de ouvir aquela gravação feita de modo rudimentar, dentrode uma garagem, numa fita cassete, tocando nas rádios. Em Niterói, A Rádio Fluminense FM, autointitulada "Maldita", só tocava rock e era venerada por todos que se entusiasmavam com as novidades do gênero. Outro point roqueiro da cidade era o Circo Voador, na Lapa, ounde eu já tinha ido algumas vezes. E em meados daquele ano tivemos a noticia de que a Legião, prestes a lançar seu terceiro disco, iria tocar novamente no Circo. Mesmo sendo dia de semana (uma quarta-feira) não dava pra deixar de ir. Então, seguimos eu, meu irmão e um amigo para o Circo.

Falava-se que o gruipo iria testar algumas músicas novas junto a plateia, que naquele dia era bem peculiar. Na verdade tratava-se de uma dobradinha entre a Legião Urbana e o grupo paulista de punk-rock Cólera, e por esta razão havia muitos punks por lá. Não eram "de butique", eram punks reais e estavam mais lá por causa do Cólera do que da Legião, a quem muitos acusavam de estar ficando "pop demais".

Por volta das 23h a Legião entrou no palco. Renato usava botas pretas, semelhantes às de muitos punks presentes e um coturno militar. Saudou a plateia e a banda começou a tocar. Após uma das primeiras músicas, o cantor grita para o público:

- Vamos comemorar. Hoje morreu o inimigo do Brasil!!

- Yeah!! Repetimos todos, e a banda atacou de mais um sucesso.

Eu, no entanto, fiquei preocupado: quem seria o tal "inimigo do Brasil" que havia morrido? Imaginei que muitos ao meu lado que gritaram yeah! também desconheciam a resposta.

Um cara que estava próximo tirou a dúvida: era o dia da morte do general Médici, ex-presidente da república durante a ditadura. Durante seu governo o Brasil passou por um dos períodos mais truculentos, com censura-prévia à imprensa, torturas e exílios. Custei a sacar a ironia de um cantor de rock comandando uma multidão de punks de coturno e "comemorando" a morte de um general. O melhor na hora, foi repetir as palavras de Jagger, it's only rock n' roll but I like it e curtir o resto do show.

Lá pelo meio do show Renato avisa que a banda vai tocar uma música pela primeira vez no Circo, e que estaria sendo testada em formato novo. Começam a ser ouvidos uns acordes lentos do violão e os primeiros versos:

"Não tinha medo o tal João de Santo Cristo, era o que todos diziam quando ele se perdeu..."

O começo lento, acompanhado na bateria de Bonfá por instrumentos típicos do Nordeste, como o triângulo, fizeram com que alguns punks vaiassem. Mas logo as sutis marcações e viradas da longa canção, alternando forró, pop, punk rock, começaram a conquistar a todos. E havia a letra, sensacional. A epopéia de um tal João de Santo Cristo, apaixonado por Maria Lúcia e levado ao crime por um tal de Jeremias - com um clímax que, como nos bons faroestes, levava a um duelo entre mocinho e vilão, desta vez no Planalto Central de Brasília.

A letra era longa e emocionante. Parecia que todos se viram um pouco naquele personagem que se "perdia" em busca de uma identidade e um trabalho dignos em terras brasileiras. Ao final da canção, aplaudimos muito e senti que era lançado ali um novo clássico da Legião.

Novo? Não é bem assim. "Faroeste caboclo" é do tempo em que Renato, antes de formar a Legião Urbana, se apresentava em Brasília sob a alcunha do "Trovador solitário", munido apenas de voz e violão - como nos primeiros tempos de seu ídolo Bob Dylan. Mas que só naquele outono de 1987 estava sendo gravada.

Uma semana depois,"Faroeste" invadiu o dial radiofônico e foi um sucesso instantâneo. Curioso é que na época, apenas dois anos depois do fim da ditadura, algumas emissoras ainda praticavam a autocensura em suas programações, e no caso da música de Renato algumas inseriram um apito nas muitas passagens com palavrões, tornando o efeito risível. Logo, o ridículo da censura foi mandado às favas e em pouco tempo jovens do Brasil inteiro cantavam a odisseia de João de Santo Cristo. Com os palavrões.

Eu estava ainda fazendo o segundo grau (sorry, nível médio, mas naquele tempo o nome era outro) e era muito interessante ver nos intervalos das aulas do colégio grupinhos em toda parte (alguns levavam violões) tentando cantar de ponta a ponta a letra quilométrica. Dava pra notar: "Faroeste caboclo" havia virado uma febre.

Quanto a mim, depois de tanto tempo, penso que a Legião, a música e a piada de Renato no palco me ajudaram a cravar Comunicação no vestibular que eu faria dali a alguns meses. Pois uma coisa que aprendi naquele dia era que eu não queria mais ficar desinformado sobre o mundo. Eu queria saber dos acontecimentos e, se possível, estar no meio deles. Algum tempo depois, aprovado no vestibular, eu tinha certeza que seguiria em frente no jornalismo.

Uma escolha que Renato Russo, numa noite perdida dos anos 80, no Circo Voador, ajudou a tornar realidade.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Sobre ateus, fumantes e pautas mal apuradas

"A imprensa existe para o bem do público, não somente para entreter e ganhar dinheiro. Nossa função principal é dar aos espectadores a melhor versão possível da realidade, que é um conceito simples e muito difícil de se alcançar" (Carl Bernstein)


Segunda-feira, 03 de maio, foi comemorado o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. A julgar pelos constantes ataques que volta e meia os meios de comunicação vem recebendo aqui e na América Latina, é uma data que deve ser lembrada sempre, e não somente apenas um dia do ano. Nosso jornalismo não é perfeito, e volta e meia erra na ânsia desenfreada pelo furo de reportagem; mas é preferível uma imprensa imperfeita a uma imprensa controlada, como é comum nos regimes totalitários.

A respeito disso, este blog não poderia deixar de comentar uma pisada na bola de muitos jornais de grande imprensa brasileira, que repercutiram erroneamente uma história falsa e mal apurada: a notícia de que o candidato à presidência da República, José Serra, teria comparado fumantes a ateus.

A notícia, divulgada semana passada, mereceu um reparo na segunda-feira, pela agência que a divulgara: a RBS, do Sul. Na tarde de segunda-feira, todos os sites, blogs e jornais sérios corrigiram as inverdades sobre o discurso de Serra no encontro evangélico em Santa Catarina do dia 1º de maio (nem todos, que fique claro: como estamos em ano eleitoral, é claro, alguns "se esqueceram" de corrigir). Vejamos a mea culpa da RBS:

“Diferentemente do que informou este site na reportagem “José Serra participa de encontro religioso em Santa Catarina” (01/05/2010 – 20h39min), o ex-governador de São Paulo e pré-candidato à Presidência da República, José Serra (PSDB), não se referiu a fumantes como pessoas “sem Deus”. Na verdade, o discurso do político não relacionou diretamente o fumo com a religião. Em um primeiro momento, Serra citou passagens bíblicas à multidão reunida em Camboriú e disse que a frase “Que tenham vida, e a tenham em abundância” está ligada à qualidade de vida e não apenas a ações para prolongar a vida das pessoas. Em seguida, citou programas desenvolvidos nas gestões dele frente ao governo de São Paulo e ao Ministério da Saúde, entre eles o de combate ao fumo".

Ajudou alguma coisa? Pouco, na verdade: o estrago já estava feito e repercutiu em toda a imprensa. Até a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA) enviou nota de repúdio à suposta declaração do candidato à presidência. Bem, quem lê este blog sabe que não existe aqui nenhuma manifestação contra ou a favor de Serra, Dilma, Marina Silva ou qualquer outro candidato á presidência. Mas como o assunto é a imprensa, não me furto a deixar minha opínião.

O fato de a nota de retificação ter saído no mesmo dia em que se comemora a liberdade de imprensa é sintomático, pois neste dia houve em vários cantos do país debates sobre a data. No Rio, o jornalista Carl Bernstein - famoso mundialmente por ter sido, junto com Bob Woodward, um dos repórteres a cobrir e desvendar o escândalo de Watergate, que culminaria com a renúncia do presidente dos Estados Unidos Richard Nixon, em 1974 -, ao comentar o papel da imprensa atual, não hesitou em fazer sérias críticas sobre o que ele chamou de "preguiçosa apuração dos fatos". Bernstein disse que, além de buscar sempre manter a liberdade de imprensa, os jornalistas devem cuidar ao mesmo tempo de manter a credibilidade da imprensa em todos as plataformas em que as notícias são divulgadas. Em entrevista ao Globo, o jornalista americano alertou que tal confiança vem sendo minada pela frivolidade e uma perigosa apuração dos fatos.




Vale a pena citar outra declaração de Bernstein no seminário do Rio de Janeiro:
- Nos últimos anos, tem dominado a cultura jornalística global algo cada vez menos a ver com a verdade, a realidade ou o contexto. O jornal tem estado fora de contato com a verdade, com frequência desconectado do contexto real, desfigurado pelo culto á celebridade, fofoca, sensacionalismo e controvérsia manufaturada, sobretudo na TV, mas também no jornalismo impresso, estimulada por jornalistas e pelo discurso político.

Culto à celebridade, fofocas...será que o cara não pegou pesado? Bem, na mesma segunda-feira, dia 3 de maio, a manchete principal de um grande portal brasileiro era "Anamara do BBB diz que ficou excitada com as fotos para a Playboy". Subtítulo: "Ex-policial diz que 'pegava' o Dourado". Bem, vou me abster de comentar...

Voltando ao que interessa e ao motivo deste artigo: tivesse havido um pouco mais de seriedade na apuração e a rede RBS não teria publicado a notícia. Tivesse ocorrido a alguém um pouco mais de preocupação com a mensagem recebida e nossa grande imprensa (além da maioria dos sites) não teria retransmitido a "barriga" sem checar a veracidade da informação.

(Entre parêntesis: Bernstein também comentou que entre os jornalistas presos, quase metade deles são blogueiros (!!), "pois eles podem escrever o que quiserem, já que não são censurados". Que orgulho!, É sinal que, à despeito das limitações ao acesso à rede e mesmo com proibições da internet em alguns países, os blogs estão ganhando importãncia e incomodando!).

Ainda sobre os "fumantes ateus". Nesse caso, a pressa em dar uma notícia "impactante" de um candidato à presidência levou a imprensa a errar. Nossos jornalistas não foram atrás da melhor versão possível da verdade, segundo a ótima definição de Bernstein, mas sim à procura pela forma mais rápida de dar um furo irresponsável. Só nos resta torcer que erros assim não se tornem comuns no que vem por aí, pois a disputa presidencial está esquentando. E para que as críticas à imprensa, feitas semana sim semana também por nossos políticos, em sua maioria infundadas, não se tornem reais.

E os fumantes, heim? Será que se sentiram afetados com a polêmica toda? Creio que não. Outro dia mesmo, um fumante gaiato, ao comentar a infeliz declaração, teria levantado as mãos pro céu e dito: "Perdoai-vos, pai: eles não sabem o que publicam!"