sexta-feira, 17 de junho de 2016

"1 milhão de dólares de contrato para ir à Disney? Obrigado, mas tô fora": Bill Plympton


Começo dos anos 1990. Mostra Anima Mundi no Centro Cultural Banco do Brasil, do Rio. É uma das primeiras edições da mostra, e boa parte do público ainda se confunde com os filmes em exibição. Muitos chegam ao CCBB com os filhos. Mesmo sendo alertados de que determinados filmes não são propriamente "para crianças" insistem em conferir às sessões. Alguns sairão de lá revoltados com cenas de sexo, violência ou outra excentricidade; outros ficariam extasiados com o melhor da produção independente em cinema animado. de várias partes do mundo. Foi numa dessas sessões que entrei em contato pela primeira vez com o chamado "rei da animação independente": o americano Bill Plympton.

Lembro que poucas vezes vi tanta gente rindo dentro de uma sala de cinema como na exibição do curta "How to kiss".  Era uma sessão especial, com a presença do próprio animador americano, que foi entrevistado por um grupo de jornalistas e animadores brasileiros. Lembro que achei Plympton muito parecido com o presidente americano de então, Bill Clinton, e na hora que abriram as perguntas ao público, fiquei tentado a perguntar se os nomes e aparência parecidas eram propositais...mas minha timidez e meu medo de ser mal-entendido na ironia me deixaram quieto.

"How to kiss", o curta-metragem, era uma deliciosa e engraçadíssima aula de como beijar, enfocando os mais diversos e malucos tipos de beijo. Gargalhadas infinitas da plateia a cada situação absolutamente inusitada, provocada pelos desenhos mais divertidos e pintados a mão! (Plympton faz questão de desenhar tudo quadro a quadro) Traços e desenhos geniais, sem rebuscamento, mas extremamente pensados para dialogar e provocar o público. Num país como o Brasil, que vivia uma dieta de filmes de animação nos cinemas quase sempre ligada às indústrias Disney, o cinema independente de Plympton provava que a verdadeira animação podia ser muito mais subversiva do que achávamos.

Achei um trecho de "How to kiss", entremeado com outro. Curtam:


O próprio título "rei da animação independente" foi dado por ele mesmo, e colou. No começo dos anos 1990, os filmes de Bill Plympton já faziam muito sucesso no circuito alternativo quando foi sondado por executivos da Disney. Eles o queriam para participar da produção de um longa-metragem. A oferta era sedutora: um milhão de dólares para se juntar à equipe de desenhistas de uma das maiores empresas de entretenimento do mundo. Não era algo para se recusar.

Mas Bill Plympton disse não.

Os executivos ofereceram o contrato na hora, e o puseram à frente do artista. Plympton perguntou se iria poder dirigir algum filme. Disseram que não. perguntou se teria autonomia criativa na produção de seus projetos. Novamente, a resposta foi não. Ele nem precisou de tempo para pensar. Agradeceu a conversa, mas disse que recuava o convite.

Mais tarde Plympton descobriu que seu trabalho era para contribuir com a arte do filme "Aladin", famoso pelo gênio da lâmpada azul em animação. "Teria sido divertido", ele comentaria mais tarde, rindo. "Aladin é um belo filme. Mas procurei manter minha independência".

O homem que recusou um milhão de dólares dos estúdios Disney continuou fazendo seus filmes. Enveredou pelos longa-metragens, desenhou animações para videoclipes, sátiras independentes e engraçadíssimas como a série "Guide dog", entre outros trabalhos. Este ano ele esteve no Brasil para mostras no Rio e em São Paulo em sua homenagem. Fui a uma das sessões na Caixa Cultura, quando assisti a alguns curtas e ao genial longa "Hair high", uma louca história de amor, morte e...mortos-vivos.

Não tinha muita gente no pequeno cinema da Caixa. Mas quem esteve lá não se decepcionou. Estiveram em contato com a obra de um dos maiores mestres do cinema de animação autoral da atualidade. O verdadeiro rei da produção independente.