sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Lides imperdíveis: o humorista em seu apartamento

O comediante Fernando Caruso é um astro em evidência. E bastante atribulado. É o que transparece na repotagem feita por Carlos Albuqerque, para o Segundo Caderno do jornal O Globo, do dia 29 de outubro: "Um nerd com superpoderes: Com três peças em cartaz, o comediante Fernando Caruso, 31 anos, ainda arruma tempo para cantar, dar aulas e comandar um programa de TV". O que levou o lide a brilhar aqui nesta seção de melhores começos de reportagens é a perfeita descrição do ambiente no qual aconteceu a entrevista - o apartamento de Caruso.

Com graça e sensibilidade, o jornalista enriqueceu o perfil do humorista auto-declarado nerd apenas narrando os objetos ao redor. Leia e imagine apenas se a entrevista tivesse sido feita por telefone - o jornalista na redação e o humorista do outro lado da linha. Com certeza não ficaria tão boa. Ou seja, a entrevista que mais rende ainda é aquela feita frente a frente com o entrevistado.

Mas vamos ao lide...

Se o apartamento de Fernando Caruso falasse, ele nem precisaria dizer que o comediante - uma das estrelas do espetáculo "Z.É.(Zenas Emprovisadas)", em cartaz no Oi Casa Grande - é um nerd. Os sinais estão por toda parte. O pôster dos Simpsons no corredor. O copo do Capitão América em cima da mesa. A caixa de DVDs de "Lost" na sala, ao lado da televisão, protegida pela máscara das Tropas Imperiais, de "Guerra nas Estrelas". As pilhas de quadrinhos no quarto, muitos deles adquiridos recentemente, após uma visita à convenção Comic-Con, realizada em San Diego, nos Estadsos Unidos. Mas, curiosamente, até onde a visão sem raios X permite observar, não há sinal de "The Big Band Theory", o seriado adorado por todo mundo que tem a Força.
- Parece uma contradição, mas eu não gosto de "The Big Bag Theory". Não acredito naqueles personagens. Como, para mim, esse é um universo muito próximo, consigo ver que eles estão fingindo - diz Caruso - Acho fake, não vejo graça. Eu sou nerd, eles não são nerds. Acho que só o Sheldon, que é um pouquinho atrofia social mesmo, me convence. O resto é muito caricato.
     Mas que fique claro: apesar de beber com o Capitão América, o Homem-Aranha é o prsonagem favorito de Caruso.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O desafio do livro reportagem: Geneton e Mauro Ventura debatem o jornalismo atual

Certa vez, um jornalista americano estava numa casa noturna quando notou a presença, em uma das mesas,  da estrela de cinema Ava Gardner. Sim, ela mesma, "o animal mais belo da Terra", segundo a definição de Jean Cocteau, e até então - sabia o jornalista -, inacessível para entrevistas. No entanto, ele não se intimidou. Aproximou-se da estrela, que segurava uma taça de bebida, e antes mesmo que dissesse qualquer coisa, recebeu de Ava um jato de champanhe no rosto. Sem ação, o repórter recuou e voltou para o seu canto. No dia seguinte, a impetuosa estrela ficaria atônita ao abrir o jornal e ler na coluna do jornalista: "Ontem à noite eu dividi uma taça de champanhe com Ava Gardner!"

Histórias inusitadas como essa fizeram parte do debate sobre jornalismo, literatura e livros-reportagem na Biblioteca Municipal de Botafogo na noite do dia 31/10, quando os jornalistas Geneton Moraes Neto e Mauro Ventura conversaram sobre essa fascinante técnica jornalística que é a reportagem. Uma técnica que quando bem feita pode gerar grandes momentos do jornalismo e virar grandes livros, abandonando a efemeridade do jornal diário.

Logo no início Geneton contou a experiência de ter sido o último jornalista a conseguir entrevistar o arredio poeta Carlos Drummond de Andrade, conhecido por quase não dar entrevistas. O poeta, assim como muitos daqueles que destestam dar entrevistas, constumava dizer que tudo que ele queria dizer estava nas crônicas para os jornais e nos poemas. Ok, mas um bom jonrnalista nunca se satisfaz até pelo menos tentar uma forma de vencer as barreiras que o entrevistado estabelece. Foi assim que Geneton ficou sabendo que Drummond detestava estar próximo fisicamente de um repórter, mas era capaz de passar horas conversando pelo telefone. O jornalista conseguira o telefone. Arriscou e ligou. Má hora: a filha do poeta estava internada no hospital, à beira da morte. Mesmo assim, o poeta aceitou conversar por um longo tempo com o o jornalista ao telefone. Encerrado o telefonema, Geneton viu que tinha conseguido material para publicar não só uma entrevista no jornal, mas quem sabe um livro. Quando soube que a entrevista seria publicada, Drummond ainda tentou alguma forma de proibi-la, mas o jornal acabou publicando. Geneton ainda ouviria do poeta um comentário do qual que ele até hoje confessa não saber se Drumond estava criticando-o ou fazendo um elogio: "Você é implacável, heim!". Dois dias após a entrevista ser publicada, o poeta viria a falecer. Alguns anos depois, Geneton lançria em livro a totalidade daquela entrevista, com otítulo "Dossiê Drummond: A última entrevista do poeta"

Bom, na minha opinião, Geneton pode encarar o "implacável" como elogio...

Mauro Ventura contou à plateia que antes de começar a escrever "O espetáculo mais triste da Terra: o incêndio do Gran Circo Norte-Americano" chegou a começar a escrever (sem ir em frente) 22 livros. Isso o deixava angustiado, mas pelo menos tinha o exemplo dentro de casa de seu pai, Zuenir Ventura, que somenter escrevera seu primeiro livro "!968, o ano que não terminou", quando tinha mais de 50 anos. Com mais de 40, Ventura resolveu que o livro tão acalentado iria sair, e escolheu um os mais dramátivos edpisódios da história do Brasil - e que ocorrera em 1961, dois anos antes do próprio jornalista nascer. Foram dois anos de muito trabalho e pelo menos 150 entrevistas que resultaram num livro reportagem que se lê febrilmente, como assistíssemos a um bom filme de suspense.    

Claro que dúvidas e inseguranças marcaram a feitura do livro. A princípio, o repórter especial do Globo, acostumado com a labuta diária de um grande jornal, pensou que recolhidos todos os depoimentos seria fácil passar para ao trabalho de contar aquela história. Mas não foi assim. Primeira dúvida: como começar o livro? Segunda, como estruturar os capítulos da forma mais envolvente? Terceira: e o grande número de depoimentos contraditórios, de fontes cujas versões pareciam a cada hora negar o que outra havia dito? Quanto a esta última dúvida, quem salvou Mauro foi seu pai, Zuenir, que o emprestou um exemplar do livro do argentino Rodolfo Walsh, "Operação Massacre" - reportagem sobre o fuzilamente de peronistas na Argentina, na qual o autor embaralha de forma bastante hábil as diversas versões do fato.

A partir da leiitura de Walsh, Ventura encontrou o caminho para o seu livro. E então não foi difícil comçar e estruturar a trama daquele fatídico 17 de dezembro de 1961, em Niterói, e que é considerado até hoje a maior tragédia circense da história.   
Os dois jornalistas ainda falaram de seus livros e autores preferidos dentro do campo da reportagem, como os relatos de Joel Silveira e Ruben Braga como correspondentes na Segunda Guerra Mundial, as crônicas jornalísticas de Gabriel García Marquez, "Soldados de Salamina", de Javier Cercas, entre outros. Geneton - um dos melhores entrevistadores brasileiros - reclamou do "papo de comadres" em que se transformam algumas entrevistas, em especial na televisão e divertiu a todos ao reclamar do que ele chama de "síndrome da frigidez editorial", que pode ser resumida na incapacidade dos editores em aceitar boas histórias achando que o público não estaria interessado...

Enfim, um debate que rendeu uma noite acalentadora para quem acredita na força do bom jornalismo em encontrar histórias que merecem ser contadas, e em todo o trabalho árduo que faz parte da profissão.