sexta-feira, 24 de abril de 2015

Ainda não viu "O mensageiro"? Pois corra atrás (ainda mais se for estudante de jornalismo!)

Imagine que você é um jornalista de um pequeno jornal, íntegro, honesto e que acaba vislumbrando a chance de conseguir a reportagem de sua vida. Mas a história envolve o governo de seu  país, e é tão importante e sigilosa que pode acarretar grandes problemas para sua vida profissional e sua família. Você trava então o seguinte diálogo com uma fonte preciosa:

 - Vou apresentar você a pessoas com quem deveria conversar. E então, vai ter que encarar a decisão mais importante de sua vida.
- E qual é?
- Decidir se vai divulgar ou não.

O que você faria? O jornalista americano Gary Webb decidiu divulgar. Este passo lhe daria fama, mas , consequentemente, seria responsável por sua tragédia.

Esta história real virou filme estrelado por Jeremy Renner (o Gavião Arqueiro da franquia blockbuster "Os Vingadores", aqui tendo a chance de atuar de verdade), "O mensageiro". Depois de uma temporada nos cinemas brasileiros na qual não fez muito barulho nem obteve a repercussão merecida, o filme agora já está disponível em DVD, Blue Ray e em alguns canais de televisão pagos. É uma ótima chance para conferir a história real de um jornalista que ousou enfrentar a CIA e o governos dos Estados Unidos para realizar uma grande reportagem investigativa. E como este trabalho arruinaria sua vida para sempre.




O filme conta a história real de como o jornalista Gary Webb, repórter do pequeno San Jose Mercury News, da costa oeste dos Estados Unidos, ou seja, muito longe e aquém dos poderosos Washington Post ou New York Times, conseguiu descobrir um poderoso esquema de tráfico de drogas envolvendo agentes da CIA e grupos contrários ao governo da Nicarágua. O esquema funcionava da seguinte forma: grandes quantidades de cocaína eram transportadas por avião para os Estados Unidos sob  a vista grossa do governo americano, enquanto armas faziam o caminho contrário, visando abastecer o grupo dos Contras, que o governo dos EUA apoiava.

O jornalista, mesmo ameaçado por agentes do governo, resolve publicar a reportagem, naturalmente explosiva, não só ligando a CIA aos contras nicaraguenses mas relacionando esta entrada das drogas em solo americano com a complacência do governo à epidemia de crack entre a comunidade negra nos anos 1990. Com o nome de "Dark alliance", a série de reportagens veio a público em 1996.

O que veio a seguir foi uma das maiores campanhas de difamação contra um jornalista levadas a cabo nas últimas décadas. Agentes chegam a descobrir uma ex-amante do jornalista, com quem Webb tivera um caso anos antes e seria a responsável pela mudança da família para a costa oeste. O assunto era privado entre Webb e a esposa, e quando o filho mais velho toma conhecimento o outrora bem-estar familiar entra em crise.

Diferente do Brasil, nos Estados Unidos um órgão de imprensa que esteja pronto para veicular uma reportagem explosiva - e que envolva algum caso de segurança nacional - deve antes mostrar seu conteúdo para determinados órgãos governamentais, que farão tudo para impedir ou no mínimo amenizar o conteúdo dos fatos a serem divulgados. Webb é ameaçado. Seu jornal compra a briga e fura toda a grande mídia americana com a série de reportagens. A princípio, Webb é agraciado em casa e entre seus pares, mas a pressão governamental é tão grande que aos poucos seu jornal acaba cedendo às pressões. Webb é obrigado a se mudar para uma sucursal de seu jornal numa cidade menor, com assuntos menores e jornalistas em fim de carreira. Longe da família e dos assuntos mais "quentes", o repórter entra em crise.

Pra completar o cerco, o governo salienta que Web teria inventado tudo. A fonte misteriosa na Nicarágua, que teria tido o diálogo sobre publicar ou não a matéria, desaparece. Fontes preciosas começam a negar terem passado dados importantes ao repórter. Grandes jornais americanos, como o Los Angeles Times, ainda irritados por terem sido furados por um jornal de abrangência regional, sugerem ter Webb inventado alguns fatos. E aí se descobre o único grande erro do jornalista: não ter gravado todas as entrevistas com suas fontes.  

Na verdade, podemos analisar o filme como uma grande questão ética: até que ponto estaríamos dispostos a arriscar não só nossa vida profissional como também nossa própria família e amigos para ir em frente contra forças poderosas?

Webb escolheu ir em frente. Ao receber o prêmio de Jornalista do Ano, o jornalista faz um discurso muito mais de desagravo à profissão do que de agradecimento. Neste mesmo dia ele pediria a demissão do jornal em que publicara as reportagens:

Achei que meu trabalho era contar ao público a verdade. Os fatos, fossem ou não bonitos.E com a publicação, fazer a diferença no modo de as pessoas olharem as coisas, a si mesmas e o que elas defendem. 

Em 10 de dezembro de 2004, o jornalista foi encontrado morto na garagem de sua casa. O motivo da morte: suicídio.
















terça-feira, 14 de abril de 2015

Brasil: ame-o ou deixe-o (ou "O país do jeitinho")

Aconteceu na semana passada. Ou foi na retrasada? Na verdade situações como a que vou relatar acontecem, infelizmente, todos os dias no Brasil. E mostram um pouco desta realidade em que vivemos.

Tratava-se de um jogo de futebol. Norte do Brasil. Campeonato Amazonense. Nacional Borbense X Iranduba. No final da partida, o goleiro do Borbense é atingido e cai em campo, desacordado, O jogo é paralisado. Chamam a ambulância.

O motorista estava dormindo.

Acordam o homem. O corpo do jogador inerte é colocado no veículo. O motorista tenta dar a partida. A ambulância está enguiçada. Jogadores dos dois times mais comissões técnicas se mobilizam para dar um "tranco" no veículo.

A ambulância não pega. Nem no tranco.

A polícia é acionada. Confusão geral. Radialistas narram o incidente. Felizmente, a viatura policial está funcionando.

O jogador desacordado segue para o hospital no carro de polícia. Ou melhor, na caçamba do carro de polícia. Ele passa bem.

Situações como essa deveriam ser raras. Mas não é o caso em nosso país.  Na página do Google onde encontrei o link deste caso há outros similares.

Soube do caso ao ver a matéria no Globo Esporte. Fico imaginando o escândalo que seria se o problema tivesse acontecido numa partida de transmissão nacional. A imprensa faria vários artigos sobre a situação "revoltante" dos campeonatos e da falta de infraestrutura em estádios superfaturados para a Copa do Mundo. Políticos tentariam aparecer sugerindo novas leis para os campeonatos. Dirigentes de federações dariam entrevistas se dizendo "indignados" e que seriam tomadas providências incisivas para melhorar o atendimento em casos como o ocorrido.

Até que outro campeonato venha, outro clássico regional seja jogado e o episódio esquecido. Apenas para outro acontecer em outra localidade deste país continental e desigual.

Enquanto isso, os campeonatos não podem parar: afinal, o futebol é a paixão nacional! E em casos como esse, pode-se sempre dar um jeitinho, não é mesmo?  Nem que seja carregar um jogador passando mal na caçamba de uma viatura  policial...

Como diria um velho jornal alternativo nos anos 1970, em resposta a um bordão ufanista da ditadura, "Brasil, ame-o ou deixe-o":

- O último a sair apague a luz!