quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Assistindo a "James Brown" no Festival do Rio

"I'm back!", gritava James Brown em inúmeros shows e também no começo do hit "Get op off that thing", clássico das pistas de dança dos anos 70, em plena era da discoteca, fenômeno cujo estilo musical Brown ajudou a formatar. Fazendo um gancho com o último post - que falava sobre as cinebiografias de dois grandes astros negros americanos - Brown e Jimi Hendrix), aproveito para dizer que sim, amigos, eu consegui assistir ao filme sobre James Brown ("Get on up", no título original), num sábado à noite no cine Leblon, e  estou aqui para contar minhas impressões.  

Logo no começo do filme um avião está sobrevoando o Vietnã, em meio a bombas e turbulências. A banda de James Brown está no avião, enquanto a terra pega fogo lá embaixo. Ao chegar em terra firme, Brown dá um solene esporro a um militar do exército americano, dizendo que só sofrera todas aquelas turbulências no ar porque a banda era composta de negros. Negros que viajaram para animar brancos e negros pobres. A luta contra o racismo da sociedade norte-americana marcará sua vida e será parte constante do filme.

O filme não segue uma ordem cronológica, o que o faz fugir das biografias convencionais e lhe dá um saudável frescor. Logo no começo o filme mostra  Brown dando uma hilária "palestra" dentro de um aeroporto a vários indivíduos, entre eles uma jornalista que insiste que o músico explique o que vem a ser o "groove", ou seja, aquilo que aqui no Brasil chamamos de suíngue e que seria algo impossível de se ensinar. Surge então a infância estarrecedora de Brown, ele garoto vivendo numa área rural americana bastante miserável, com pais desajustados que acabam por abandoná-lo. Brown vai viver dentro de um bordel e será ali que terá suas primeiras lições de vida...em todos os sentidos.

A descoberta da música, as passagens pela cadeia, as inúmeras mulheres, o despertar para o estrelato, tudo está lá, sem edulcorar a imagem marrenta do músico, interpretado brilhantemente na idade adulta por Chadwick Boseman (conhecido pelo filme "42, a história de uma lenda"). O filme não deixa de captar, ao lado da genialidade de Brown, o lado violento (em especial com mulheres) e contraditório de sua personalidade, como a obsessão pelo som perfeito e as inúmeras multas as quais seus músicos e equipe eram submetidos por motivos em geral fúteis. Uma sequência ótima é quando o músico, convidado para cantar em um programa de TV, descobre que não iria fechar o programa. Irritado por ter que tocar antes dos Rolling Stones, que começavam a estourar na América, Brown eletriza a plateia com uma performance sensacional. Após ser ovacionado, ele ainda passa lentamente pelos músicos dos Stones. Para um segundo. Fita-os e se apresenta dizendo algo como ser um músico negro numa terra comandada pelo mainstream branco. Depois, despede-se com um "Bem vindo aos Estados Unidos". Mick Jagger, um dos produtores do filme, jamais deve ter esquecido aquela apresentação.  

Dirigido por Tate Taylor, de "Histórias Cruzadas" (outro belo filme que aborda o racismo), "James Brown" é um filme que mostras as diversas facetas de um artista genial que descobriu na música (assim como nosso Tim Maia) um maneira de lutar contra todas as adversidades e impor-se contra uma sociedade conservadora, puritana e racista. Um homem  difícil de se conviver e que ao final da vida perdera quase todos os amigos. Que inventou uma forma de entreter o público em suas  apresentações hipnóticas e cuja dança enfeitiçou um garoto de Indiana chamado Michael Jackson. Um músico que, como demostra o filme, evitou sozinho que negros enfurecidos com o assassinato de Martin Luther King destruíssem a cidade de Boston. Brown foi lá, discursou, cantou, dançou e acalmou os ânimos de milhares de cidadãos indignados que o assistiam ao vivo ou pela TV. Brown garantiu a paz em Boston naquela noite, o que não o impediu de ser constantemente vigiado pelo governo após gravar o clássico "Say it loud, I'm black and I'm  proud".

"James Brown", o filme, estreia no Brasil no dia 5 de fevereiro. Se você gosta de música, não deixe de assistir de jeito nenhum.