sábado, 28 de fevereiro de 2015

Lides imperdíveis: Charles Dickens e o homem guilhotinado

Um assunto recente foi motivo de controvérsia no Brasil: a execução de um brasileiro, por tráfico de drogas, na Indonésia. Marco Asher tinha 53 anos e fora preso em 2004, ao entrar entrar naquele país com 13 quilos de cocaína escondidos nos tubos e uma asa delta. Após a droga ter sido descoberta pelo raio-X do aeroporto, o brasileiro ainda conseguiu fugir, mas acabou preso novamente 12 dias depois. No dia 18 de janeiro de 2015, Marcos foi executado pelo pelotão de fuzilamento.

De nada adiantaram os inúmeros pedidos de clemência do governo brasileiro. Após a execução, a presidente Dilma Rousseff se mostrou "consternada e indignada" com o episódio. Há poucos dias, a situação diplomática entre os dois países piorou bastante, após o governo brasileiro ter decidido adiar as credenciais do embaixador da Indonésia em Brasília - ato que representaria o começo das atividades do estado indonésio no Brasil, O governo indonésio considerou o ato uma hostilidade e mandou seu embaixador voltar. Para muitos analistas de política internacional, foi um péssimo ato da diplomacia brasileira, pois ainda há outro brasileiro no corredor da morte na Indonésia.

A execução de estrangeiros em determinados países que ainda possuem pena de morte é hoje um ato que, como no caso brasileiro, pode levar a incidentes diplomáticos entre os países envolvidos. Mas  houve tempo em que execuções de criminosos eram comuns e reuniam muita gente em praça pública para testemunhar o fato. Em  1845, Charles Dickens, que além de grande escritor também trabalhou por toda a sua vida - com intervalos mais ou menos esparsos - como jornalista, esteve na Itália, onde presenciou um homem ser guilhotinado. Este episódio marca a volta da série "lides imperdíveis", para a qual transcrevo o primeiro parágrafo da reportagem "Um homem é guilhotinado em Roma". Em apenas um parágrafo, Dickens reconstitui o crime bárbaro que motivaria a pena de morte, com um vigor de escrita que poderia facilmente ser tema de um conto ou romance:

"Numa manhã de sábado (8 de março), um homem foi decapitado aqui. Nove ou dez meses antes, ele assaltara na estrada uma condessa bávara que viajava como peregrina à Roma - sozinha e a pé, por certo - e fazia, diz-se, este ato de devoção pela quarta vez. O homem a viu trocar uma peça de outo em Viterbo, onde ela morava; seguiu-a; fez-lhe companhia na viagem por uns 64 quilômetros ou mais, sob o traiçoeiro pretexto de protegê-la; atacou-a, no cumprimento de seu implacável propósito, na Campagna, a muito pouca distância de Roma, perto do que se chama (mas não é) o Túmulo de Nero, roubou-a e espancou-a até a morte com o cajado da própria peregrina. Era recém-casado, e deu algumas das roupas da vítima à esposa, dizendo que comprara numa feira. Ela, porém, que vira a peregrina passando pela cidade, reconheceu algum detalhe como pertencente à condessa. O marido então disse-lhe o que havia feito. Ela, em confissão, contou a um padre; e o homem foi preso, quatro dias depois de ter cometido o assassinato." 







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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Quando seu ídolo aparece de surpresa...

Imagine a cena. É noite e você decide ir à Lapa, bairro boêmio do centro do Rio de Janeiro, para relaxar, tomar uma cerveja, encontrar os amigos e, quem sabe, ouvir um samba de qualidade. Você escolhe o bar, se acomoda numa boa mesa e logo depois a banda começa a tocar. Perto de você, há um senhor que lembra alguém conhecido - sua namorada comenta ser "a cara do Chico Buarque". Você ri e pensa, e se fosse mesmo ele? Quase ao final da primeira parte do show, o vocalista diz ao público que há uma presença ilustre na plateia e que, veja só, havia pedido para "cantar uma musiquinha". Você não acredita no que vê: Chico Buarque, em pessoa, levanta e canta três músicas, para delírio da plateia. Ao fundo, um gaiato grita: "Foi o couvert mais bem pago da minha vida!"




Soube da notícia lendo os posts do facebook. Na quarta-feira, o fato saiu publicado na coluna Gente Boa, do jornal O Globo. Sintomático: não é todo dia que vemos Chico Buarque em pessoa dando canjas na cidade. Inspirado pela leitura e pelo post anterior, sobre as escapadas de Cássia Eller para cantar de surpresa em lugares totalmente inusitados, comecei a imaginar os momentos de minha vida em que algum cantor apareceu de surpresa em outro show no qual estava presente apenas como público ou para prestigiar o colega no palco e, então...acabavam participando do show. 

Lembro que uma das lembranças mais antigas que tenho com relação a espetáculos musicais aconteceu quando eu ainda era adolescente, num do Caetano na Praça da Apoteose, aqui no Rio. Era o começo dos anos 1980, época de eleições para governador. O show era para lançar o disco "Totalmente demais", um grande sucesso nas rádios, puxado pela música título, de Arnaldo Brandão, e demais sucessos e versões cantados exclusivamente no formato voz e violão.

Sim, um show voz e violão em plena Apoteose, acostumada a receber os desfiles do Carnaval carioca. Mas realmente houve esse espetáculo, e o público compareceu em massa. Foi interessante quando, logo no começo do show, a um pedido do cantor, o público da pista - em pé - sentou no chão para ouvir e cantar junto os sucessos do compositor baiano e clássicos da música brasileira. A certa altura do espetáculo, Caetano elogiou a cantora argentina Mercedes Sosa, que estava na cidade para alguns shows que faria no Canecão, e disse, daquele jeito como quem não quer nada..."Ela está aqui". A plateia se alvoroçou. O cantor então continuou:

- Não só a Mercedes, mas Chico Buarque e Milton Nascimento também estão assistindo ao show,,,

Foi o bastante para o pequeno alvoroço virar um barulho infernal, com gritos de "Mercedes!", "Chico!", Milton!", enquanto Caetano ria do alto do palco. Foi então que ele olhou para os bastidores e, para surpresa de todos, entram Chico Buarque, Milton Nascimento e Mercedes Sosa. No palco, o quarteto cantou um dos maiores clássicos de Mercedes, "volver a los 17". Foi o momento mais aplaudido da noite.

Outro momento em que um ilustre convidado apareceu de repente foi num show de Gilberto Gil na praia de Copacabana. Era um fim de semana e eu havia ido ao show com um amigo. Lá pelas tantas, Gil diz que vai chamar um amigo ao palco para dar uma canja. Eis que surge no palco Sting, que também estava no Brasil para shows da Anistia Internacional em São Paulo e resolvera dar uma esticada no Rio. Naquela noite, para deleite da plateia, Sting cantou dois clássicos do Police: "Message in a bottle" e "Roxanne". Em plena praia de Copacabana, num sábado à noite.  

Por último, e o mais inusitado de todos, aconteceu numa noite doa anos 1990 na pequena localidade de Vilatur, cidade espremida entre Bacaxá e Araruama, na Região dos Lagos carioca. Quando estava casado, eu ia muito lá, pois meus ex-sogros tinham uma casa de veraneio lá. Não era uma cidade das mais concorridas. pra falar a verdade, mesmo muitos cariocas jamais ouviram falar em Vilatur - era daquelas localidades com apenas uma padaria, uma farmácia, três ou quatro bares para se distrair à noite e pouca coisa mais. Ah, e uma praia quase tão linda quanto perigosa.

Foi num fim de semana que descobrimos que haveria música ao vivo num dos bares da região. Como não era algo comum, fomos conferir. Sim, realmente havia naquela noite uma banda se apresentando. O repertório era quase todo de samba e pagodes. Sentamo-nos e pedi uma cerveja, satisfeito por ter, enfim, algo para se fazer naquele local. De repente, a banda começa a tocar um clássico conhecido pela voz de Elis Regina: "O bêbado e o equilibrista". Ao som dos primeiros acordes, um senhor de meia idade com cara de farmacêutico e cabelos grisalhos quase brancos, assume o microfone e começa a cantar o clássico, com uma voz rouca de cerveja mas razoavelmente afinado. 

Prestei mais atenção e quase não acreditei.Sim, era ele mesmo, Aldir Blanc, autor da letra da música composta em parceria com João Bosco. Ao contrário dos dois casos anteriores, ninguém da plateia de pinguços pareceu notar que ali, naquele quase fim de mundo, se apresentava o autor de um dos maiores clássicos da MPB. Quando acabou a música, aplausos protocolares, um ou outro mais exaltado, mas quase nenhuma diferença entre antes. Nem quando um dos rapazes da banda falou rapidamente, apontando para aquele senhor que acabara de cantar: "Vocês acabaram de ouvir Aldir Blanc, autor dessa música!". Muitos resolveram pedir mais uma cerveja e aguardar o próximo pagode. Enquanto eu me perguntava se o que acabara de ver tinha sido realidade ou não. Ao findar o show, tentei ver se Aldir continuava lá, mas ele já partira. Infelizmente, para a maioria dos presentes, ele era apenas mais um pinguço que, tal como Chico Buarque, pedira para "cantar uma musiquinha".



sábado, 7 de fevereiro de 2015

Som, fúria e...um pouco de ternura: Cássia Eller

Em janeiro de 2011, eu estava junto aos milhares de espectadores da terceira edição do Rock in Rio. Era o primeiro dia do festiva e quem abriria a noite era simplesmente Cássia Eller. O dia ainda estava claro quando Cássia adentrou o palco munida apenas de violão e começou  a cantar uma canção de Renato Russo, que dizia "sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher". Atrás dela, uma banda afiadíssima, com a participação do Nação Zumbi em algumas músicas. Mais atrás, escondido entre os instrumentos de percussão, estava o filho de Cássia, Chicão, com 6 anos e participando do show.
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Menos de 40 minutos depois de um show arrasador e com a plateia já ganha, Cássia começa a cantar suavemente a letra de "Smells like teen spirit". Logo depois, o chão literalmenbte tremeu com o poderoso refrão do rock de Kurt Cobain e a animação da plateia. Confesso que não me lembro de ver tanta gente pulando e gritando a letra de um rock tão furiosamente como naquele grand finale do show. Nos bastidores, o ex-baterista do Nirvana Dave Grohl,\participando do festival com sua banda Foo Fighters, ficara embasbacado com a interpretação. Foi um dos maiores shows da história do Rock in Rio e uma das maiores performances de uma cantora em qualquer momento dos festivais de música no Brasil

Tudo isso está contado no filme "Cássia Eller", de Paulo Henrique Fontenelle, o mesmo do ótimo "Loki" (2008), sobre o eterno mutante Arnaldo Batista. O mais interessante do filme é mostrar como um menina bastante tímida, insegura, com dificuldades em relacionar-se com pessoas de qualquer ramo (mal conseguia dar entrevistas) se transformava num furacão quando estava no palco. Em mais de uma cena do filme, Cássia surge dizendo que cantar foi a salvação que ela encontrou para ser aceita socialmente e poder ser observada com mais atenção. No caso dela, cantar surgia muito mais do que uma vontade imperiosa, mas uma necessidade arrasadora de sentir-se livre. Cantar para viver, em qualquer palco, em qualquer canto. Para ela, pouco importava estar nos palcos luxuosos das grandes casas de espetáculo do sudeste ou, disfarçadamente, surgir de surpresa com cantora de uma bandinha feita às pressas, no palco de um forró pé-de-serra na cidade serrana de São Pedro da Serra, no Rio de Janeiro, para surpresa e deslumbre da plateia.

"Cássia Eller", o filme, conta a história desta grande cantora com rigor e bastante emoção, como nos momentos finais, ao mostrar a luta de sua companheira Maria Eugênia, pela guarda judicial de Chicão. Mas o que fica mesmo é a marca daquela que cantou de tudo enquanto esteve viva. Cássia faz muita falta no cenário de música brasileira atual, que parece ter encaretado desde então. Não perca.    








domingo, 1 de fevereiro de 2015

Meus papos com Tuco: esquentando os tamborins

Carnaval chegando, dúvida cruel. Que fantasia vestir? Não sou dos que planejam com detalhes qual será a fantasia para pular nas ruas ou na avenida durante o reinado de Momo. Quando criança, fui a bailes infantis fantasiado de índio, no melhor estilo "Cacique de Ramos". Na época o bloco era uma grande força carnavalesca no Rio e eu tinha tios que desfilavam sempre. Como eles frequentavam muito os ensaios, compravam roupas infantis do bloco para meu primos, eu e meu irmão. Nossa "tribo" se divertia muito naquela tardes carnavalescas.

Ah, as tardes carnavalescas dos anos 70. Era muito mais fácil arrumar uma fantasia para seu filho. Hoje, é tanta oferta de fantasia e tantos novos personagens, que até o diálogo com o filho é um pouco confuso.


- E aí, Tuco, já decidiu qual fantasia vai usar no carnaval?
- Pô, pai, nem sei se vou me fantasiar...
- Por que, filho?
- Esse ano passo com minha mãe...e lá em Vilatur quase não tem bloco.
- É verdade. Mas se quiser eu compro pra você a fantasia do Mario Bros.
- Nem pensar!
- Por quê?
- Não quero me fantasiar de Mário. prefiro jogar o game. Aquela roupa é meio ridícula...
- Rsrs. Isso eu também acho. Você não ia se fantasiar de Coringa?
- Estava querendo. Mas a dificuldade é a roupa. E o cabelo verde? Teria que pintar.
- Não é melhor usar uma máscara?
- Não ficaria tão legal, pai.
- Posso mandar a vovó comprar uma fantasia maneira no Saara...
- Não! Ano passado a vovó comprou a fantasia errada.
- Ah, sei. Sua ideia era se fantasiar de morte... Capa, máscara de caveira e foice. Ia ficar bem sinistro.
- Sim. Só que a vovó foi no Saara e comprou uma máscara de palhaço assassino e um tridente.
- Me lembro. Só acertou a capa...Pelo menos ficou uma fantasia original, rs
- Ah, pai, nem vem, rsrs.

Rimos juntos. Rir junto com o filho é uma das boas coisas de ser pai. Com ou sem fantasia.