quinta-feira, 14 de maio de 2015

Pare o mundo que eu quero descer!!!

Dia desses eu e minha namorada estávamos vendo o programa de Serginho Groisman, temático sobre a axé music. A certa hora minha namorada faz um comentário sintomático: "Você notou que não chamaram o Luiz Caldas? Aquela música "Fricote" fez um sucesso danado!" poderia estar aqui, né mesmo?" Concordei, Em seguida ela mesmo continuou: "Se bem que aquela música era bem racista, né? E cantarolou os versos iniciais que diziam..."Nega do cabelo duro, que não gosta de pentear". Rimos juntos. Ah, a praga do politicamente correto...

Semana passada, eu lia a coluna Gente Boa, do jornal Globo (29/04), a qual trazia traz duas notas sobre um problema no Rio de Janeiro envolvendo a música Fricote: "Música de Luiz Caldas gera discussão em festa". Veja o texto:

A música “Fricote”, de Luiz Caldas (“Nega do cabelo duro, que não gosta de pentear...”) provocou reação negativa em parte do público que estava numa festa, domingo, no Morro da Conceição. DJ convidado, Gustavo Calani foi abordado por pessoas que se sentiram ofendidas com a letra, considerada por elas racista e machista.
Gustavo não chegou a tocar a canção até o fim. “Interrompi para tentar conversar com o grupo, mas os ânimos estavam alterados”, contou. "Uma das meninas que veio falar comigo disse que eu não podia avaliar o que era racista ou não, por ser branco. Achei um ponto de vista forte e pertinente, mas não dava para ser debatido ali", completou.

Produtor de festas de black music, Julio Barroso considerou o episódio exagerado. “Eu, como negro, não me sinto nem um pouco ofendido. Se a música fosse do Bolsonaro, sim. Mas Luiz Caldas não é racista. É preciso analisar o contexto social em que essas obras foram feitas”, disse. “Nunca imaginei que o século 21 pudesse ser tão careta”.
Um dos organizadores da festa, o coletivo Quermesse pediu desculpas a quem se ofendeu com a música. “Desculpas, primeiro pela ofensa e, depois, pelo desgaste de terem que nos apontar o que já deveríamos saber”, escreveram na página do evento no Facebook.

Como este blog adora uma boa provocação, meu lado marginal se inclinaria a mandar essa turminha politicamente correta, que se alarma com uma simples música de carnaval baiano, plantar batatas (optei por uma ofensa bem leve, embora para alguns eu possa estar ofendendo o agricultor de batatas); enquanto meu lado conservador ficaria ao lado dos que reclamaram com tão importante questão numa festa de fim de semana. Ora, onde já se viu em 2015 uma música que faz chacota de pessoas negras e com cabelo duro, num país tão miscigenado como o Brasil?! Quem esse DJ pena que é?

Concordo com a frase do produtor de festas: nunca imaginei que o século 21 pudesse ser tão careta. O sucesso de Luiz Caldas nos anos 80 faz referência a outro sucesso, "Nega do cabelo duro" de , composto por David Nasser e Rubens Soares em 1942, um grande sucesso com o grupo Anjos do Inferno, que satirizava a moda feminina da época, de frisar os cabelos: "Quando tu entras na roda / O teu corpo serpenteia / Teu cabelo está na moda: / Qual é o pente que te penteia?"

A se ponderar o contexto de correção política de hoje, supõe-se que não só a música de Nasser e Soares seria rechaçado pelos patrulheiros de plantão como também o nome do grupo que a transformou num grande sucesso: Anjos do Inferno - onde já se viu? Ora, se até a cor vermelha do logo da novela "Babilônia", na Globo, teve de ser mudada para branca, sob pressão de grupos evangélicos, o que você acha que aconteceria hoje com grandes sucessos do rádio que tinham a liberdade de espinafrar o que fosse, e mesmo assim todo mundo cantava?

A continuar na patrulha do que é certo ou errado, não seria o caso de banir dos bailes de Carnaval o grande sucesso de Lamartine Babo e Irmãos Valença, "O teu cabelo não nega"? "O teu cabelo não nega/ mulata/ porque és mulata na cor/ mas como a cor não pega/ mulata quero o teu amor.” Até hoje, gerações de foliões continuam cantando a deliciosa marchinha.

Não seria também o caso de proibir a veiculação da engraçadíssima "Mulher indigesta", de Noel Rosa - "Ah, que mulher indigesta, merece um tijolo na testa!", por supostamente pregar a agressão contra as mulheres?



Ou de proibir os sambas de Martinho da Vila, já que ele compôs um samba intitulado "Você não passa de uma mulher", pra reclamar daquelas mulheres que estudavam e largavam a condição de meras donas de casa, Como pode isso, em pleno século 21?

O produtor tem razão: tudo está muito mais careta. Pare o mundo que eu quero descer!