terça-feira, 21 de julho de 2009

Da série: Essa música me lembra uma história...

"O Guarani", de Carlos Gomes


Há algum tempo atrás, eu estava dando uma aula sobre radiojornalismo no Brasil. Como não podia deixar de ser, falei um pouco sobre a Voz do Brasil, este programa que todas as rádios do Brasil apresentam obrigatoriamente desde a ditadura do Estado Novo - lá se vão mais de sete décadas. Muitos acham a Voz um anacronismo, outros a defendem, mas não quero aqui tecer considerações sobre o programa. Apenas me lembrei que quando comecei a falar do programa, um grupinho de alunos começou a entoar o cântico de abertura de "O Guarani", o clássico de Carlos Gomes, na inacreditável e populista versão radiofônica atual, mezzo Olodum, mezzo Carlos Gomes. Dei uma risada, "elogiei" a desafinação da galera e continuei com a aula. Mais tarde lembrei-me que o "Guarani" já fizera parte de minha vida em outra situação. Uma situação, digamos...mais constrangedora.

Eu era adolescente, devia ter uns 17 anos ou menos, e um amigo, o Renê, me chamou para assistir ao espetáculo de uma orquestra sinfônica no Social Ramos Clube, bem perto de onde morávamos (e moro até hoje), em Ramos. Desconfiei. Uma orquestra de verdade no Social ?!?! Pra mim, orquestras só tocavam no Teatro Municipal, no Centro do Rio ou outros lugares privilegiados. O que dera naqueles caras para virem tocar no subúrbio?

Bem, apesar do estranhamento inicial, topei o programa na hora. E só acreditei no que vi quando adentrei no salão do clube e vi aqueles homens de terno, as poucas mulheres super bem-vestidas, todos concentrados nos seus instrumentos. O programa? "O Guarani", de nosso "selvagem da ópera" (como foi chamado pelos italianos): Carlos Gomes.



A salão não ficou lotado - muitos devem não ter acreditado e ficaram em casa, pensei. Havia apenas metade dos lugares ocupados. Felizes, eu e meu amigo pudemos escolher dois bons lugares. Sentamos e nos preparamos para o concerto. Só havia um problema - era quarta-feira, dia de futebol de salão na quadra ao lado, a menos de 10 metros do palco.

Começa o show (perdão, o concerto). A orquestra toca e o som está inesperadamente muito bom. O público, antes reverencioso em excesso, sorri quando a orquestra toca a parte mais conhecida da ópera - sim a mesma cuja vinheta virou até tema da "Voz do Brasil". Muitos ali jamais presenciaram um concerto de música clássica de perto.

Mas nem tudo é perfeito. Com dez minutos de concerto, dá para ouvir nitidamente algumas trocas de gentilezas entre os times do futsal: "Passa a bola, seu f.d.p."; Agarra essa agora, seu %#**#"; "Não vai marcar não, seu &*##@". O maestro, que já olhara, assustado, para a janela, interrompe o concerto e pede providências. Na platéia, olhares atravessados, risinhos abafados, comentários sobre a falta de educação do suburbano etc.

Minutos depois, a orquestra volta a se apresentar, apenas para parar de novo depois de 5 minutos. Um gol na quadra faz todo o time gritar, e o maestro a se enervar. Ele vai até o "diretor artístico" do clube e ameaça encerar o concerto. Sinto a vontade de enterrar a cabeça no chão, igual a um avestruz, de vergonha.

Depois de alguns minutos de discussão, o responsável pelo clube constata o óbvio e manda encerrar o futebol, sob protestos de alguns jogadores.

O concerto recomeça e desta vez vai até o final, sem transtornos.Estou muito feliz, vou guardar tudo na memória como uma recordação de uma noite cultural intensa.

Intensa? Ainda faltavam os aplausos.

O público, mais habituado com espetáculos de samba e rock, faz um verdadeiro carnaval, maravilhado com o que vira. Gritinhos de "Mais um!" e "U-hu!" são ouvidos. O maestro dá um sorriso amarelo, agradece à platéia e se retira. Cai o pano.


"O público ainda vai apreciar meus biscoitos finos"
Oswald de Andrade.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

O Louvre e seus visitantes: "poderoso, delicado e inesquecível comentário lírico do mundo"

Há um mirante iluminado no olhar de Alécio e sua objetiva. (Mas a melhor objetiva não serão os olhos líricos de Alécio?)

Carlos Drummond de Andrade

Anos 60: um casal apaixonado passeia de mãos dadas pelos corredores de um museu. Ao fundo, o quadro "Os amores de Paris e Helena". Anos 70: três freiras vestidas à caráter observam atentamente as mulheres nuas do quadro "As três graças", de Regnault. Anos 80: à frente do quadro "Duas irmãs", duas mulheres (seriam também irmãs?) imitam o desenho retratado. Anos 90: uma mulher, segurando a filha no colo, grita nervosamente (como no clássico de Munch) para o alto - ao fundo, repousa o quadro "Henrique IV recebe o retrato da rainha e se deixa desarmar pelo amor". Anos 2000: uma bela mulher posta-se sem perceber à frente de uma moldura, dando vida, ainda que no brevíssimo instante de um clique, ao quadro.


Todos estes momentos foram registrados pelas câmeras do fotógrafo brasileiro Alécio de Andrade, no interior do Louvre, o museu mais famoso do mundo. Em 1964, Alécio, então trabalhando para a revista Manchete, foi enviado à França para cobrir conflitos de rua. Não voltou mais. Até 2003, quando morreu, foram quase 40 anos captando imagens de visitantes no interior do museu. Nestas quatro décadas. Alécio registrou nada menos de 12 mil imagens. Agora, 88 delas podem ser conferidas na exposição O Louvre e seus visitantes, no Museu Nacional de Belas Artes (Centro do Rio).



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Logo nos primeiros anos em Paris, Alécio tornou-se um dos fotógrafos da agência Magnum, uma das mais prestigiadas entre os profissionais. Além dos retratos do Louvre, ficou famoso também pelos retratos de intelectuais, do cotidiano de Paris e as inúmeras imagens da infância. Estas têm espaço privilegiado na mostra do MNBA, como os dois irmãos que apontam para o quadro clássico. "Uma mulher nua!", parecem dizer.






Em 1981, Alécio foi contemplado com um poema de seu amigo e poeta de mesmo sobrenome, Carlos Drummond de Andrade, "O que Alécio vê" (vale a pena ler, no blog de Camila Alam). Para Drummond, as fotos de Alécio constituíam um poderoso, delicado e inesquecível comentário lírico do mundo. E aquelas imagens reveladas no interior do Louvre eram especiais, por terem a grande a grande liberdade de retirarem a formalidade e academicismo do ambiente de um grande museu para dar-lhe vida, contornando-o de poesia.

Alécio, como Drummond, era também um poeta. Um poeta das imagens.



quinta-feira, 9 de julho de 2009

Domingos de Oliveira - um homem lúcido

Um dos momentos mais bacanas da semana passada em Paraty foi a homenagem que os participantes da mesa "Separações" fizeram a Domingos de Oliveira. Domingos é um dos caras mais produtivos do cinema e teatro brasileiros, com textos invariavelmente deliciosos. Seus filmes, de baixíssimo orçamento, já foram comparados aos de Woody Allen. Mas Domingos tem um estilo próprio e único.

Transcrevo aqui um texto do autor, declarado ao fim da apresentação em Paraty, com os merecidos aplausos do público.

O homem lúcido

O Homem Lúcido sabe
que a vida é uma carga tamanha de acontecimentos e emoções que ele nunca se entusiasma com ela
Assim como ele nunca tem memórias
O Homem Lúcido sabe
que o viver e o morrer são o mesmo em matéria de valor
posto que a vida contém tantos sofrimentos que a sua cessação não pode ser considerada um Mal O Homem Lúcido sabe
que ele é o equilibrista na corda bamba da existência
Ele sabe que por opção ou por acidente é possível cair no abismo a qualquer momento interrompendo a sessão do circo
Pode também o Homem Lúcido optar pela vida
Aí então ...
Ele esgotará todas as suas possibilidades
Ele passeará pelo seu campo aberto pelas suas vielas floridas
Ele saberá ver a beleza em tudo!
Ele terá amantes, amigos, ideais
urdirá planos e os realizará
Resistirá aos infortúnios e até mesmo às doenças
E se atingido por um desses emissários
saberá suportá-lo com coragem e com mansidão
E morrerá, o Homem Lúcido, de causas naturais e em idade avançada
cercado pelos seus filhos e pelos seus netos que seguirão a sua magnífica aventura.
Pairará então sobre a memória do Homem Lúcido uma aura de bondade
Dir-se-á: "Aquele amou muito. Aquele fez muito bem às pessoas!"
A Justa Lei Máxima da Natureza obriga que a quantidade de acontecimentos maus na vida de um homem se iguale sempre à quantidade de acontecimentos favoráveis
O Homem Lúcido, porém
esse que optou pela vida com o consentimento dos deuses
tem o poder magno de alterar essa lei
Na sua vida, os acontecimentos favoráveis serão sempre maioria...
Porque essa é uma cortesia que a Natureza faz com Os Homens Lúcidos

(Domingos de Oliveira)

terça-feira, 7 de julho de 2009

Flip 2009: Paraty e o alumbramento

Durante cinco dias, todos os anos e no começo de julho, Paraty torna-se a capital oficial da leitura brasileira, com a já tradicional FLIP - Festa Literária Internacional de Paraty. Amantes da literatura espalhados nos quatro cantos do país chegam à cidade para respirar cultura e encantam-se com as muitas seduções presentes nas ruas de asfalto pé-de-moleque, que se mantiveram intactas desde a época do império. Andar por ali é experimentar um pouco de uma atmosfera de sonho, circo e diversão. Abaixo, segue um breve relato, em pequenas pílulas, dos dias em que estive pela cidade perambulando, flanando, ou, nas palavras do grande homenagenado deste ano, o poeta Manuel Bandeira , experimentando a sensação de "alumbramento".

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Sim, o alumbramento, ou o encantamento, a certeza de que estar ali, naqueles dias, nos dava uma sensação maravilhosa de liberdade. Cheguei à cidade na quinta-feira pela manhã, a tempo de conferir a palestra "Separações", com Rodrigo Lacerda e Domingos de Oliveira. A participação do ator, dramaturgo, roteirista e diretor de cinema Domingos deu o tom do encontro, marcado pela leitura de textos, frases ótimas ("não conheço um casal decente que não tenha um sólido desejo de separação") e outras provocativas ("literatura boa é aquela que te ajuda a resolver seus problemas, aquela que te faz uma espécie de auto-ajuda. Moby Dick e Dom Quixote são auto-ajuda").
À tarde, um interessante debate sobre os limites entre realidade e a ficção na elaboração de biografias, na palestra "Verdades inventadas" e a constatação de que não existe biografia definitiva. À noite, uma provocativa palestra do biólogo a ateu especialista em Darwin Richard Dawkins, autor do livro "Deus, um delírio". Ainda neste dia, andanças pelas ruas de Paraty, conferindo os tipos típicos, os viajantes, os locais, a fauna de artistas que acorrem à cidade.

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Na sexta, conferi de perto a Flipinha (para crianças) e a novidade deste ano - a Flipzona - para adolescentes. Uma atração á parte é a decoração da Praça da Matriz: dezenas de bonecos, inspirados em personagens da literatura infantil, povoam o espaço. Dessa vez o local estava ainda mais caprichado, contando com um enorme trem cenográfico, com um boneco de Manuel Bandeira sentado em cima - crianças entravam e saíam correndo dos vagões, numa alegre algazarra. Havia uma tenda redonda, com livros por todos os lados, onde as crianças podiam sentar, pintar, ler, escrever. Não faltavam pessoas fantasiadas - cruzei com uma Emília, de Monteiro Lobato, avistei um pirata e um homem vestido numa linda fantasia de arlequim. A novidade que encantou a adultos e crianças foi uma enorme baleia, cuja boca e interior se iluminavam à noite. Moby Dick?, pensei. Claro que não: afinal era uma praça para as crianças, e aquela não era outra senão a baleia que engolira Gepeto na história de Pinóquio.

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Mas para os amantes da literatura, o grande momento da sexta foi às 19 horas, com a mesa "Sequências brasileiras", tendo como entrevistados Milton Hatoum e Chico Buarque. Ambos já haviam estado na Flip em edições anteriores, e não se furtaram a discutir animadamente sobre os processos de criação de seus livros. Hatoum é autor de um dos melhores romances brasileiros das últimas décadas: "Dois irmãos", e suas histórias são quase sempre passadas em Manaus, cidade onde nasceu e morou até a adolescência, mas que nunca abandonou em suas tramas. Já Chico provocou os esperados suspiros do público feminino (ser uma celebridade musical e literária não é pouco...) e estava bem descontraído, provocando até risadas ao discorrer sobre a pesquisa para seu livro mais recente, "Leite derramado".


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Só uma coisinha me deixa um tanto enfadado durante as concorridas mesas com escritores: a excessiva reverência que alguns entrevistadores têm com os autores. Não há questionamentos mais profundos, provocações, perguntas incômodas - apenas comentários sobre como a obra é interessante, como foi o processo para chegar ao produto final, "seu livro é extraordinário" etc. Tudo bem que um dos objetivos da festa é justamente promover autores, mas às vezes cansa. Na apresentação de Richard Dawkins, faltaram essas perguntas inesperadas. Gostaria de saber o que o escritor, um ateu praticante, teria achado do caso do bispo brasileiro que excomungou uma equipe de médicos no Recife por fazerem um aborto em uma menina que sofrera um estupro do padastro, salvando sua vida. E, cá pra nós, faltou mais senso de marketing. A certa altura da palestra, imaginei como seria interessante se irrompesse no meio do auditório um padre de batina, que correria em direção a Dawkins gritando "Deus existe! Deus, existe!". Imaginem a cena: seria com certeza capa de todos os jornais no dia seguinte...


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Aliás, um bom marketing ou um bom senso de oportunidade podem salvar um evento. Reza a lenda que em 1922, a Semana de Arte Moderna só começou a bombar mesmo quando Oswald de Andrade comprou legumes e ovos na feira em frente ao teatro e pagou a alguns alunos de direito para que insultassem o elenco com gritos e tacassem tomates nos atores. No dia seguinte a "Semana de 22" já estava famosa, graças à polêmica.
Sim, eu sei que a Flip não precisa disso, mas vamos deixar de tanta reverência. Ainda espero o dia em que verei um entrevistador dizer a algum escritor falastrão, no estilo kamikaze de um Hunter Thompson: "Considero sua obra de uma nulidade absoluta e pra mim você é uma enganação!" Seria divertido...


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Sábado foi um dos melhores e mais agitados dias. Comecei assistindo à apresentação de Alex Ross, crítico musical da revista New Yorker - "O dissonante século XX" no qual concilia a análise de obras de grandes compositores eruditos do século XX aos momentos políticos mais importantes do período, como as duas grandes guerras mundiais. Bastante interessante. Assim que acabou a palestra, corri para a Flipzona, onde uma multidão de adolescentes recebiam o multimídia (e agora celebridade) Marcelo Tas, líder da galera do CQC, para um papo sobre as novas mídias. Fiquei impressionado com o nível de empatia que Tas consegue junto aos jovens.

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Ainda no quesito "cadê as perguntas provocantes?", quem as fez neste dia foi o público, durante a mesa "Entre quatro paredes", dos ex-namorados Sophie Calle e Grégoire Bouillier. A história foi mais ou menos assim: há alguns anos, Grégoire quis terminar seu caso com Sophie e escreveu uma carta terminando o namoro. A francesa recebeu a carta e a mandou para 107 mulheres, pedindo que comentassem. Da reação das mulheres a escritora partiu para a exposição Prenez soin de vous, com as respostas de todas sobre o rompimento e o que achavam. Se você está achando que invasão de privacidade é o melhor nome para isso, a escritora pode não concordar - ao meio-dia de sábado, estavam na tenda principal Sophie e o ex-namorado Grégoire (também escritor, mas isso não vem ao caso. Ou vem?), segundo a produção, "reencontrando-se pela primeira vez após o rompimento". Lavação de roupa suja em público? Uma discussão de relacionamento ouvida por milhares? Entenda como quiser, mas a palestra atraiu um número enorme de flipeiros, loucos para ver um arranca-rabo em público.
Mas qual o quê! Os ex-pombinhos foram extremamente civilizados e falaram mais de literatura do que de traição. Só no final, com as perguntas da plateia, A DR engrenou. Um exemplo:

- Sophie, você acha que, após o que fez, os homens ficaram com medo de vc, ou quiseram entrar no espetáculo?
- Tenho um namorado. Ele me pediu para não transformá-lo em objeto literário, caso a gente termine. Consenti - mas posso desobedecer.

Well, pelo visto a noção de privacidade da escritora é bem maleável, não é mesmo?

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Mas a grande estrela do dia, pelo menos para este blogueiro, foi a presença de Gay Talese, o elegantíssimo jornalista americano (veja o último post). Já pela manhã era comum encontrar pelas ruas jornalistas e estudantes de jornalismo, os chamados "talesianos", aqueles que foram à Flip apenas para conferir à mesa de Talese, "Fama e anonimato". Talese não os decepcionou, e contou várias histórias sobre sua vida e reportagens. Do começo bastante pobre, quando o pai italiano, alfaiate, o vestia com os ternos alinhados que costurava e usava o menino como "garoto-propaganda" da loja (a influência paterna é visível até hoje: Talese desfilou seus ternos e simpatia pelas ruas de Paraty, como um dândi, sempre alinhadíssimo). A influência da mãe, que lhe ensinou a ouvir boas histórias e a fixação em buscar belas reportagens em gente comum. Aos 77 anos, o jornalista disse ao público de Paraty que nunca fora seu desejo estar nas primeiras páginas. Contou que começou sua carreira no New York Times , na seção de esportes. Um dia, enviado para cobrir uma luta de boxe, começou a prestar mais atenção em outros personagens além dos lutadores: o homem que de quando em quando soava o sino, começando e encerrando os rounds, a mãe de um dos lutadores que chorava na plateia, vendo o filho apanhar impiedosamente do outro lutador. Para Talese, aquelas eram histórias tão interessantes quanto à luta principal.


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Mesmo discorrendo longamente em suas respostas, a apresentação teve em Mário Sérgio Conti um entrevistador que honrou a arte da entrevista. Conti levantou a bola de Talese, mas não deixou de fazer perguntas incômodas ao mestre, como na ocasião em que perguntou como foi a reação deste ao trabalhar como cafetão numa casa de massagens novaiorquina em 1971, para conhecer os personagens que frequentavam o local e escrever o livro "A mulher do próximo". "De fato, eu humilhei minha mulher na época. Mas não conseguiria ter escrito o painel a que me propus em 'A mulher do próximo' se não chegasse perto daquelas pessoas", respondeu Talese.
Às vezes, um pouco de tensão é essencial numa entrevista. E Talese, que conversou e escutou em sua longa vida histórias de donos do poder aos mais miseráveis anônimos, sabe disso.


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Mas Paraty não é só literatura durante a Flip. À noite, a música, em seus mais variados estilos reina suprema nas ruas, praças e restaurantes. Ouvi de tudo nestes quatro dias em que estive por lá, mas por hora me reservo o direito de só comentar duas atrações: a banda argentina "La cartelera y sus limones domingueros" (sensacional o nome, não?), que mesclava salsa, reggae, mambos, skas, cumbias e outros ritmos latinos em plena Praça da Matriz, levando uma boa parte dos que estavam ali a dançarem alegremente. E, ali perto e na sexta à noite, a apresentação da cantora Maria Gadú, de apenas 22 anos, no Che Bar. De longe, Gadú parece um menino, com um cabelo curtinho e um topete enorme. Quando canta, a intensidade da interpretação é tamanha que arrebata o público. Gadú passeia por Chico Buarque, Adoniram Barbosa, Piaf, Kelly Key (uma interpretação tão única do hit Baba que levou o público a aplaudir no meio), Noel Rosa e Amy Winehouse. Amigos, não sei não, e posso até mudar de opinião, mas acho que é a nova Cássia Eller.


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Domingo de manhã, hora dos últimos passeios, de tirar fotos, de almoçar um delicioso peixe à escabeche e voltar pra casa. Ainda deu tempo pra conferir a mesa "O futuro da América", no qual o histopriador e apresentador inglês e apresentador de programas de TV Simon Schama conversou animadamente sobre os Estados Unidos e a eleição de Barack Obama com a também historiadora e escritora Lilia Moritz Scwarcz - outra que saiu-se muito bem como entrevistadora, saindo sempre do lugar comum e com perguntas ótimas ao inglês.


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Bem, como tudo que é bom, foi rápido e acabou. Mas ano que vem tem mais. Retornei com a esperança de que surjam mais festas e feiras literárias como a Flip em todo o país. O Brasil precisa delas.
Mas, alumbramento igual, só em Paraty, meus caros. Só em Paraty.