quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Minha carne é de carnaval...meu coração é igual

Carnaval já vai indo, os foliões se retirando, a galera que curte a festa ainda esperando os últimos blocos na cidade para fechar a tampa neste fim de semana. Pra quem é de carnaval e curte um som atemporal, que tem tudo a ver com a folia, vale a pena ouvir de novo - e sempre - o clássico álbum "Acabou chorare", dos Novos Baianos, que está completando 40 anos em 2012.

Uma pena que eu só fui conhecer o disco com mais de 30 anos de idade. Eu devia ter uns 20 e poucos anos e quase todo o sábado frequentava uma casa noturna perto de casa, em Bonsucesso, chamada Miro's. Havia ali uma banda que tocava sucessos do rock e pop brasileiros, e em especial um número no qual a galera sempre cantava junto: "Preta pretinha", um dos muitos sucessos daquele disco. Um dia, no centro da cidade, finalmente comprei o CD do grupo, com uma capa diferente daquela que ficou famosa - com o que parece ser o final de uma refeição, com a mesa ainda por arrumar, daquele grupo que optou por viver, no melhor estilo hippie da época (1972), em comunidade, num sítio em Vargem Grande, Rio de Janeiro. Na capa do "Acabou chorare" que tenho aqui em casa, está a turma toda dos Novos Baianos, junto com filhos e agregados, uma típica foto "família" - a qual eles realmente eram - de quem viveu todo aquele desbunde setentista.

"Acabou chorare" é hoje e sempre um dos meus "discos de cabeceira", um dos raros procutos artísticos que pego pra ouvir não só no sofá de casa, no carro, em viagens, como também pra anular qualquer baixo astral. Que o digam Marisa Monte, Lucas Santtana, China, Wado e outros talentos que em matéria especial do Segundo Caderno, do Globo, reverenciaram os 40 anos do lançamento do clássico álbum, aquele que pela primeira vez na música brasileira uniu a guitarra de Jimi Hendrix (ave, Pepeu!) ao samba de João Gilberto.

Rock n' Roll, Samba e Carnaval. Para sempre novos. Novos Baianos.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Quem deveria ganhar o "oscar canino"?

Um dos maiores prazeres de assistir ao filme "O artista", candidatíssimo ao oscar de melhor filme de 2012, está em acompanhar a atuação do melhor amigo do protagonista, um cãozinho da raça jack russel terrier chamado Uggie, que dá uma verdadeiro banho em cena. Uggie é tão bom que consegue dançar, se envergonhar, fingir de morto e até salvar a vida de seu dono nesta deliciosa obra muda que homenageia a era clássica do cinema em Hollywood. Leio no site do G1 que o cão acaba de ganhar um prêmio nos Estados Unidos, o Golden Collar Award (algo como "coleira de ouro"), desbancando outro cão em destaque nos filmes do Oscar, o doberman Blackie, do filme "A invenção de Hugo Cabret". Uggie também ganhou prêmios na Europa, entre os quais uma "palma de ouro canina", dos franceses, deliciados com sua performance.





Infelizmente Uggie não foi convidado a participar da cerimônia do Oscar 2012. Uma pena. Havia rumores de que o apresentador Billy Cristal e Uggie estariam até preparando um número em conjunto para a cerimônia, mas a academia nega. Pior para a academia: no Globo de Ouro, premiação na qual "O artista" saiu como grande vencedor, Uggie estava lá, no colo do ator e protagonista Jean Dujardin, "agradecendo" os prêmios recebidos.


Tirando o doberman Blackie do filme de Scorcese, o qual ainda não vi, penso que o único cão que poderia competir com Uggie seria Milu, o mascote de Tintim, do filme de Spielberg. A diferença óbvia é que Milu não existe de fato - é uma criação digitalizada,dentro da técnica impressionante da equipe do filme, que faz os seres de animação parecerem reais. O cão de Milu, assim como Uggie, também é bastante inteligente e tem papel importante em todas as histórias de Tintim. Sendo que nos quadrinhos da série, que devorei avidamente na minha infância, Milu também pensava e ajudava o repórter detetive a sair de várias enrascadas.


Milu ou Uggie? Apesar de ser fã de Tintim, de ter gostado muito do filme (meu filho já me perguntou pra quando é o "Tintim 2"), fico com Uggie. Nada contra a tecnologia, mas só de saber que Uggie é real, e que suas peripécias não foram obra de homens por trás de computadores e pranchetas, mas sim de muito empenho de seu treinador, escolho o astro canino de "O artista". Não ha ali bichos recriados digitalmente, como no recente "O planeta dos macacos" ou "O zelador animal" - tão bem feitos e manipulados que impressionam. Há, na verdade, uma atuação comovente do cãozinho e que realça o tom singelo do belo filme francês. É um animal de carne e osso, assim como aqueles que atuam em "Cavalo de Guerra", também em Spielberg, que ao contrário do que fez em "Tintim, preferiu usar cavalos de verdade no filme (li em uma entrevista que em apenas duas cenas o diretor recorreu à tecnologia digital). "São grandes atores", disse. É verdade - a cena em que os dois lados em conflito na guerra fazem uma trégua para juntos salvarem o pobre cavalo preso num emaranhado de arames farpados é uma das mais belas do cinema recente.


Por aqui, vou ficar na expectativa de muitos prêmios para "O artista" na festa do Oscar. E que de repente a academia volte atrás da decisão e faça como palma e o globo de ouro, liberando a entrada de Uggie na cerimônia. Nem que seja apenas para fazer xixi no terno de Billy Cristal...








quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Da série lides imperdíveis - o perfil de Maria Prestes

Gay Talese já dizia que o jornalismo é a "arte de sujar os sapatos". Ou seja, sair das redações e bater perna nas ruas ao encontro de alguma boa história, ou de algum personagem interessante para descrever. Uma reportagem poderá render bem mais quando o jornalista é testemunha ocular: quando ele pode descrever o local de forma atraente para a narrativa e para o leitor. À maneira de um autor de romances, um bom jornalista sabe descrever o cenário, as luzes, objetos e o local do acontecimento de modo a enriquecer seu texto com pequenos detallhes os quais, se bem colocados, fazem toda diferença. Da mesma forma é a entrevista. Pergunte a algum repórter experimentado e ele dirá que o contato pessoal é a melhor forma de realizar um perfil do seu entrevistado. Bem melhor do que a entrevista por telefone, marcado pela impessoalidade, o contato pessoal dá a chance ao jornalista de não só ganhar a confiança do entrevistado, como também usar a observação e a memória para descrever o cenário a sua volta.


Voltando à série "lides imperdíveis", com grandes começos de reportagens, darei como exemplo a reportagem "Retrato de família", realizada pelo jornalista Chico Otávio para a Revista do Globo, matéria de capa do dia 15 de janeiro de 2012. O jornalista começa seu texto com uma descrição detalhada de objetos da casa da viúva do ex-lider comunista Luiz Carlos Prestes. Ao longo da leitura, o leitor vai assimilando traços peculiares do cotidiano e da personalidade daquela mulher que fora casada com um dos mais conhecidos políticos brasileiros.
O "gancho" da matéria, ou seja, o motivo da reportagem, havia sido a repercussão de cartas, fotos e outros documentos familiares de Prestes que mostravam não o líder comunista, com aquela imagem que ainda é forte para muita gente, a do homem com tempo apenas para luta políticas. Em sua maioria, são fotos simples e banais, como aquela que acabou sendo capa da Revista de História, com Prestes na praia, de sunga e tomando sol, e que acabou atiçando a ira da filha mais famosa do líder comunista, Anita Leocádia, filha de Prests com Olga Benário, ardorosa defensora da imagem do pai e que, segundo a matéria, nem fala com a "imprensa burguesa".



Pois foi esta mesma imprensa burguesa que, num perfil excelente, conseguiu levar ao leitor estes conflitos familiares, descobrindo uma personagem que nunca frequentou manchetes, mas rica em sua humanidade. Uma leitura que vale a pena e, por isso mesmo, não poderia faltar nesta série.



Na sala repleta de fotos do Velho e de foices e martelos estampados em objetos da antiga União Soviética, que fazem do ambiente um santuário comunista, Maria do Carmo Ribeiro Prestes expõe um ateísmo convicto:
- Religião é apenas uma hipótese. Só hipótese.
Um olhar mais atento, porém, descobre entre matrioskas, cálices de vodca, pinturas russas e outras recordações, guardadas no apartamento da Gávea, uma pequena imagem de Nossa Senhora. Intrigado, o visitante cobra explicações.
- Ah, ganhei e deixei aí - sorri a anfitriã.
Mãe de sete dos oito filhos de Luiz Carlos Prestes, com quem foi casada por 38 anos, Maria nunca deixou de zelar pelas memórias e pelas crenças do marido. Mas a vida difícil, marcada por perseguições, clandestinidade e exílio, foi incapaz de endurecer o seu discurso ou turvar o seu humor. A matriarca, aos 81 anos, preserva a mesma generosidade com que, na gélida Moscou dos anos 1970, abria as portas de casa aos exilados atraídos pelo aroma brasileiríssimo de uma improvável feijoada.
Na defesa do legado de Prestes, Maria criou um estilo. Não é solene, não prega a ortodoxia. Partiu dela a revelação das recordações mais íntimas do Cavaleiro da Esperança que vieram a público este mês, com a doação de cartas, documentos e fotografias familiares de Prestes ao Arquivo Nacional, na contramão da ideia de que o legendário líder comunista só tinha tempo para as lutas contra as oligarquias e o capitalismo.