quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Assistindo a "James Brown" no Festival do Rio

"I'm back!", gritava James Brown em inúmeros shows e também no começo do hit "Get op off that thing", clássico das pistas de dança dos anos 70, em plena era da discoteca, fenômeno cujo estilo musical Brown ajudou a formatar. Fazendo um gancho com o último post - que falava sobre as cinebiografias de dois grandes astros negros americanos - Brown e Jimi Hendrix), aproveito para dizer que sim, amigos, eu consegui assistir ao filme sobre James Brown ("Get on up", no título original), num sábado à noite no cine Leblon, e  estou aqui para contar minhas impressões.  

Logo no começo do filme um avião está sobrevoando o Vietnã, em meio a bombas e turbulências. A banda de James Brown está no avião, enquanto a terra pega fogo lá embaixo. Ao chegar em terra firme, Brown dá um solene esporro a um militar do exército americano, dizendo que só sofrera todas aquelas turbulências no ar porque a banda era composta de negros. Negros que viajaram para animar brancos e negros pobres. A luta contra o racismo da sociedade norte-americana marcará sua vida e será parte constante do filme.

O filme não segue uma ordem cronológica, o que o faz fugir das biografias convencionais e lhe dá um saudável frescor. Logo no começo o filme mostra  Brown dando uma hilária "palestra" dentro de um aeroporto a vários indivíduos, entre eles uma jornalista que insiste que o músico explique o que vem a ser o "groove", ou seja, aquilo que aqui no Brasil chamamos de suíngue e que seria algo impossível de se ensinar. Surge então a infância estarrecedora de Brown, ele garoto vivendo numa área rural americana bastante miserável, com pais desajustados que acabam por abandoná-lo. Brown vai viver dentro de um bordel e será ali que terá suas primeiras lições de vida...em todos os sentidos.

A descoberta da música, as passagens pela cadeia, as inúmeras mulheres, o despertar para o estrelato, tudo está lá, sem edulcorar a imagem marrenta do músico, interpretado brilhantemente na idade adulta por Chadwick Boseman (conhecido pelo filme "42, a história de uma lenda"). O filme não deixa de captar, ao lado da genialidade de Brown, o lado violento (em especial com mulheres) e contraditório de sua personalidade, como a obsessão pelo som perfeito e as inúmeras multas as quais seus músicos e equipe eram submetidos por motivos em geral fúteis. Uma sequência ótima é quando o músico, convidado para cantar em um programa de TV, descobre que não iria fechar o programa. Irritado por ter que tocar antes dos Rolling Stones, que começavam a estourar na América, Brown eletriza a plateia com uma performance sensacional. Após ser ovacionado, ele ainda passa lentamente pelos músicos dos Stones. Para um segundo. Fita-os e se apresenta dizendo algo como ser um músico negro numa terra comandada pelo mainstream branco. Depois, despede-se com um "Bem vindo aos Estados Unidos". Mick Jagger, um dos produtores do filme, jamais deve ter esquecido aquela apresentação.  

Dirigido por Tate Taylor, de "Histórias Cruzadas" (outro belo filme que aborda o racismo), "James Brown" é um filme que mostras as diversas facetas de um artista genial que descobriu na música (assim como nosso Tim Maia) um maneira de lutar contra todas as adversidades e impor-se contra uma sociedade conservadora, puritana e racista. Um homem  difícil de se conviver e que ao final da vida perdera quase todos os amigos. Que inventou uma forma de entreter o público em suas  apresentações hipnóticas e cuja dança enfeitiçou um garoto de Indiana chamado Michael Jackson. Um músico que, como demostra o filme, evitou sozinho que negros enfurecidos com o assassinato de Martin Luther King destruíssem a cidade de Boston. Brown foi lá, discursou, cantou, dançou e acalmou os ânimos de milhares de cidadãos indignados que o assistiam ao vivo ou pela TV. Brown garantiu a paz em Boston naquela noite, o que não o impediu de ser constantemente vigiado pelo governo após gravar o clássico "Say it loud, I'm black and I'm  proud".

"James Brown", o filme, estreia no Brasil no dia 5 de fevereiro. Se você gosta de música, não deixe de assistir de jeito nenhum.

  
 

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Dois gênios da música, - duas biografias e uma infinita ansiedade

Get up! Stay on the scene! Marginal Conservador volta em edição extraordinária para deixar o aviso. Preparem-se, amigos!

Ainda este ano os amantes da música poderão conferir as cinebiografias de dois dos maiores astros da música pop no século XX: James Brown e Jimi Hendrix.

Mas, por hora, fiquemos com James Brown.  

Brown foi um dos maiores astros da chamada black music americana e uma das maiores referências na construção da identidade negra nos Estados Unidos, um país eivado pelo racismo e que até os anos 1960 proibia negros de, entre outras coisas, a ter que se levantar num ônibus quando um branco entrava e não tinha lugares disponíveis. Em 1964, dias após o assassinato de Martin Luther King, impediu com um discurso e um show histórico que os cidadãos indignados depredassem a cidade de Boston. Grande dançarino, ainda seria uma grande influência num menino de Indiana, que imitava seus passos e sonhava dançar como ele: Michael Jackson.



E vamos torcer para que seja uma bela biografia...

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Quando o jornalista se acha dono da verdade

Um clichê que infelizmente acompanha o perfil do jornalista é aquele que se refere ao profissional de imprensa como um tipo arrogante. Ou melhor. um sujeito que sabe de sua responsabilidade em divulgar notícias para a sociedade e que, não raro, começa a se achar mais importante do que de fato é. Há algum problema sério para o jornalismo quando um veículo de comunicação toma suas hipóteses como verdades absolutas. Darei um exemplo curioso, que aconteceu há um bom tempo, quando eu era um recém-formado jornalista.

Eu trabalhava na assessoria de imprensa da Fiocruz, no Rio de Janeiro. Havia ganhado uma bolsa de um ano para atuar como assessor de imprensa do Instituto Fernandes Figueira (IFF), em Botafogo, que até então não tinha um setor interno de comunicação social. Meu trabalho era fazer a ponte entre o Instituto, seus médicos e pesquisadores, e a imprensa, além de colaborar com o setor de comunicação de Manguinhos. Toda semana eu marcava entrevistas e recebia repórteres da grande imprensa interessados em informações para seus jornais. O Instituto até hoje é referência na área da saúde da mulher e da criança. 

O ano era 1995, e o IFF, observando um problema comum entre as inúmeras jovens grávidas que diariamente apareciam no Instituto, inaugurara o departamento de gravidez adolescente. A ideia era dar apoio total - não só o pré-natal, mas também com psicólogos, de forma a ajudar àquela futura mãe tão jovem a aguardar a chegada de seu filho de uma forma mais preparada. 

Eis que um diz eu recebo uma ligação de uma repórter da Globo, interessada em realizar uma reportagem sobre o departamento. Fiz o meu papel: conversei com a doutora responsável pelo setor, marquei a data e hora da reportagem e fiquei aguardando a jornalista. Ela conversaria com os médicos responsáveis pelo departamento e também com algumas meninas.

No dia marcado, ao chegar, conversamos um pouco, antes de levá-la ao setor. A repórter vinha com várias convicções antecipadas sobre as jovens grávidas. Para ela, estariam todas deprimidas com o fato de se verem grávidas tão jovens, "arrasadas" pelo possível futuro promissor interrompido de forma tão rápida.     
Mas não foi isso que ela viu. Muitas jovens, se não estavam satisfeitas com a situação, tampouco se mostravam deprimidas com o fato de estarem grávidas. Algumas sorriam e se diziam ansiosas para aguardar os bebês que nasceriam dali a alguns meses. O clichê do "futuro interrompido" não havia ali. 

Mas a repórter não se deu por vencida. Após conversar com várias meninas, finalmente encontrou uma que se mostrava um pouco mais distante que as outras. Bingo! Finalmente sua hipótese estava confirmada. Ela realizou a reportagem, editou e apresentou no seu telejornal do jeito que queria: aquelas meninas "tristes" estavam sendo ajudadas por uma equipe inovadora a "superar o trauma" de uma gravidez adolescente. Tenho certeza de que muitas daquelas meninas que por acaso tenham visto a reportagem na TV se perguntaram: trauma, mas que trauma? 
    
Voltemos a 2014. Fico sabendo, num passeio pelas redes sociais, de uma notícia veiculada na edição impressa  do jornal Extra, na qual o jornalista também se achou no direito de provar uma hipótese errada. A nota publicada pelo jornal era o "depoimento" que um cidadão teria dado ao repórter da revista, exaltando as obras da Transcarioca::      

Jornal Extra:
“Agora a praia vai ficar mais perto de casa”: Depoimento

Moro na praia e trabalho no Andaraí. Mas vou ser passageiro assíduo do BRT para chegar ao meu lazer preferido: a praia. O período de obras foi de sofrimento para quem mora onde o Transcarioca vai passar. Por isso, depois que tudo estiver pronto, será a hora de relaxar e aproveitar.

Felizmente hoje temos redes sociais como Facebook e o Twitter, nos quais podemos nos defender. Um pouco depois da notícia publicada, o rapaz que deu a entrevista, Ubirajan Moreira, respondeu:

Facebook:
UM ABSURDO! 

Modificaram tudo o que eu disse! Em momento algum toquei no assunto PRAIA...! Falei dos atrasos no cronograma da obra, do descaso com a população no entorno , da falta de sinalização e de segurança (pois com a obra, alguns sinais apagaram) e tb falei que a obra não seria a solução final pro trânsito na região ... !

Aí o babaca do repórter vai e me coloca como um alienado suburbano que tá mais preocupado com o lazer da praia que com os problemas gerados com a obra ...!  


Até 27 de março a postagem havia recebido 13324 curtidas e 10807 compartilhamentos, confirmando que muitos se identificaram com a indignação de Ubirajan ao ver seu depoimento deturpado por um repórter de um jornal de grande circulação, que ao interferir no depoimento do rapaz, deixou de lado o jornalismo e terminou escrevendo a favor da Transcarioca. A prefeitura deve estar feliz com a propaganda inesperada.  

O senso comum é um grande inimigo do jornalismo. Apostaram que Ubirajan estaria  feliz com as obras, "para poder ficar mais perto da praia" Sua indignação no depoimento é visível. E o número de compartilhamentos ou curtidas que  causou só demonstra que se a imprensa - que vem perdendo leitores para a internet - não se dispuser a rever alguns conceitos, ela ficará cada vez mais afastada do grande público. 

Um jornalista não diz a verdade, pois não existe verdade absoluta. Mas ele deve procurar a versão mais próxima dos fatos. Ao apostar em ideias pré-concebidas e mesmo preconceituosas, perde o público, que recebe uma informação falsa, e perde o jornalismo, que ruma contra a realidade.     




sexta-feira, 21 de março de 2014

A notícia do jornal e a notícia nas redes sociais - e a polêmica do lixo no Rio


Há uma coluna na revista Veja intitulada SobeDesce, cujo objetivo é listar, dentre os assuntos mais comentados da semana ) aqueles que teriam tido uma repercussão positiva (Sobe) ao lado de outros que tiveram repercussão negativa (Desce). Tudo segundo a ótica editorial da revista, ficamos combinados assim. Na edição do dia 12 de março de 2014, a seguinte nota chamava atenção:

DESCE 
Eduardo Paes
Criador de uma multa para quem sujar as ruas, o prefeito do Rio foi flagrado em um vídeo jogando lixo no chão. Ele pediu que fosse multado, mas não assumiu o erro.





Bem, a notícia já está ficando velha, mas as eleições vem aí e a internet está aqui mesmo para que não esqueçamos. Este foi apenas um exemplo da péssima atitude de quem, do alto de sua arrogância, criador de uma multa de mais de 150 reais para quem joga lixo nas ruas (aliás, neste ponto, certíssimo), se acha no direito de fazer em público o contrário do que advoga nas leis. "O prefeito porquinho" foi apenas um dos títulos mais amenos que li aqui na rede, entre comentários no Youtube, Facebook, Twitter e demais fóruns de vozes revoltadas com a atitude.

Como este é um blog que entre outros assuntos discute questões ligadas à Comunicação, vale a pena conferir outra reportagem sobre o mesmo fato - no caso, do site do jornal O Globo, sobre o fato: Vejamos um trecho da reportagem:

RIO - Em meio a uma crise na coleta do lixo na cidade, veio a público, nesta quinta-feira, um vídeo divulgado no Youtube com imagens do prefeito Eduardo Paes jogando uma fruta fora da lixeira. O flagrante foi gravado em fevereiro deste ano, durante discurso do vereador Willian Coelho, em Sepetiba, Zona Oeste do Rio. Antes de resolver o problema do lixão em que se transformou a cidade nos últimos seis dias de greve dos garis, Paes agora tem que limpar o chorume que respingou sobre ele. (Site do Globo, 6/03/2014)


Em meio à péssima repercussão, às desculpas foram hilárias. Primeiro, sua assessoria disse que Paes estava tentando jogar o lixo em direção a uma lixeira, fato facilmente desmontado pelo vídeo. Depois, o prefeito disse que na hora teria jogado o lixo para algum assessor pegar e jogar no lixo. E, por fim, tratou de multar a si mesmo, no valor de R$157,00.  

Tudo isso não teria provavelmente caído no esquecimento se não fosse o Youtube. Sim, a Web 2.0 e todo seu perfil da internet como plataforma colaborativa e de compartilhamento de vídeos, informações etc levou ao estágio de hoje, no qual pessoas antes excluídas do debate público podem se manifestar a partir de seus smartphones, tablets e notebooks. Se há o lado o ruim preconizado por tecnófobos como o polemista Andrew Keen (autor de "O culto do amador"), quando uma enorme quantidade de lixo vem à tona, e em todo lugar surgem os "haters" (literalmente "odiadores", pessoas que se escondem sob pseudônimos para exalar sua raiva a todo tipo de indivíduos, mas com predileção especial a famosos), há também espaço para que outras pessoas - que não sentem medo de mostrar a cara e dizer seus nomes - possam tornar públicas situações como essa do prefeito e diversos outros desmandos do poder público. Sim, não só os jornalistas agora é que são os legítimos representantes da opinião pública. 

Transcrevo abaixo um trecho da crônica "O autor coletivo", presente no livro "Futuros possíveis", de autoria de Ronaldo Lemos, advogado, debatedor do programa "Navegadores" (Globonews) e uma das maiores referências no debate sobre as novas mídias no Brasil e no mundo:

"Esse modelo de produção colaborativa está sendo apelidado de 'web 2.0'. O termo indica o desenvolvimento recente da internet, que potencializa formas de canalizar o trabalho descentralizado de voluntários. Essa nova vertente de produção cultural, ao que tudo indica, veio para ficar. Em tempos nem tão longínquos, um evento como os atentados em Londres, o tsunami na Ásia ou os ataques à Espanha, seriam não só eventos políticos, sociais e econômicos, mas também eventos de mídia. Hoje, a cobertura da mídia tradicional compete diretamente com a cobertura feita de forma descentralizada, por qualquer pessoa. Em outras palavras, a mídia tradicional ganhou um concorrente inédito historicamente: a própria sociedade"    

 Foi a sociedade que vazou o vídeo de Paes no Youtube a lançou o prefeito num inferno astral. Se ele conseguirá reagir e melhorar sua imagem, só saberemos mais tarde. Mas tenho certeza de que a partir de agora ele ficará bem mais precavido. Ele sabe que estaremos de olho, para cada eventual tropeço.  

sexta-feira, 7 de março de 2014

Lides Imperdíveis - Eliane Brum e o louco do metrô


Voltando a série "Lides imperdíveis", Marginal Conservador pede licença para ceder espaço ao texto brilhante de Eliane Brum, que abre a crônica "Escutem o louco". Escrita para a versão digital e nacional do jornal "El País", Eliane disseca o que ela classifica como "momento perturbador" do Brasil - como os recentes linchamentos ocorridos em algumas cidades, ou a vontade de alguns grupos de quererem fazer justiça com as próprias mãos - com o episódio de uma moça que foi empurrada por um homem para dentro dos trilhos do metrô de São Paulo.
Na polícia, foi revelado que o responsável por empurrar a mulher no metrô sofre de esquizofrenia. Louco, na definição vulgar. Mas, pergunta Eliane, seria apenas ele um louco num país em crescente desatino? Preste atenção na cena que abre a crônica, um momento que só repórteres experientes costumam ter a sensibilidade para aproveitar e transformar em jornalismo. Vale a pena ler não só esse lide como a crônica inteira, e depois refletir sobre nosso estado das coisas que tem tomado conta do pais.  


De repente, o taxista aumentou o som da pequena TV acoplada no console do carro. No banco de trás, eu parei de ler e afinei os ouvidos. Era meio-dia da sexta-feira de Carnaval (28/2). O homem que, dias antes, havia empurrado uma passageira nos trilhos do metrô de São Paulo tinha sido preso. A mulher teve o braço amputado. O agressor sofre de esquizofrenia, destacou o apresentador de TV. “Louco”, decodificou de imediato o taxista. Doença triste, disse o apresentador na TV. Ao ser preso, continuou o apresentador, o agressor afirmou que a empurrou porque sentiu raiva. Essa parte o taxista não escutou. Algo lá fora o havia perturbado. Colou a mão na buzina, abriu a janela do carro e xingou o motorista ao lado, que tentava mudar de pista. Perdigotos saltavam da sua boca enquanto ele empunhava o dedo médio com uma mão que deveria estar no volante. Fechou a janela, para não perder a temperatura do ar-condicionado, e voltou a falar comigo. “A polícia tem de tirar os loucos da rua”. A quem ele se refere, pensei eu, confusa, olhando para fora, para dentro. Era ao louco do metrô


sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Cinco canções de amor (e críticas) ao Rio de Janeiro


Neste sábado, 1º de março, começo oficial do Carnaval, é também aniversário de 449 da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, a cidade onde eu nasci e me criei. Inspirado no post sobre SP e o show "São Paulo amor e ódio", volto ao tema, desta vez com cinco canções inspiradas na cidade do Rio de Janeiro. Não só cariocas mas artistas de todo o Brasil e de fora deixaram para a posteridade músicas lindas sobre o Rio, e foram estas, de forma bem pessoal, que descrevi abaixo. Fica como homenagem deste blogueiro carioca a esta cidade que - mesmo com todo o caos no trânsito, toda incivilidade reinante e problemas diversos - ainda é, de fato, maravilhosa


1) "Valsa de uma cidade" - Antonio Maria e Ismael Neto - Coube a um pernabucano (Maria) escrever os versos de uma das mais bonitas canções para o Rio de Janeiro. Regravada inúmeras vezes (até pela Hebe!), eu a conheci na versão de Caetano Veloso em seu disco de 1987. E desde então eu não me canso de ouvi-la.




2) "Saudades da Guanabara" - Moacir Luz, Aldir Blanc e Paulo Cesar Pinheiro. De 1960 até 1975 o Rio também podia ser identificado como Guanabara. Era uma unidade da federação separada do Estado do Rio de Janeiro, em virtude da transferência da capital para Brasília. O trio fez a música - um belíssimo samba-enredo - inspirado por um sentimento nostálgico, de que durante a época da Guanabara o Rio teria passado por suas maiores e melhores transformações. O que era nostalgia tornou-se um hino de quem luta pela grandeza de sua cidade. Qual carioca não se arrepia ao ouvir os versos "Brasil, tira as as flechas do peito do meu padroeiro, que São Sebastião do Rio de Janeiro ainda pode se salvar"")




3) "Cidade Lagoa" - Sebastião Fonseca e Cícero Nunes. "Essa cidade que ainda é maravilhosa, tão cantada em verso e prosa desde o tempo da vovó. Tem um problema vitalício e renitente, qualquer chuva causa causa enchente, não precisa ser toró". Taí uma canção que parece ter sido composta ontem mesmo, pra quem mora no Rio e conhece o cotidiano anual de chuvas fortes na época do verão. Trata-se de um  samba de breque composto em 1959 e que foi um sucesso na gravação de Moreira da Silva. Traduz a ironia e o bom humor que o carioca precisa ter para lidar com coisas bastante sérias: enchentes, descaso das autoridades, mortes anunciadas. Nos últimos anos, teve duas regravações, de Jards Macalé e Monica Salmaso.



4) "Rio 40 graus" - Fausto Fawcet., Carlos Laufer e Fernanda Abreu. Lançada por Fernanda Abreu em 1992, no álbum "SLA 2 - Be Sample", a música contagiante do trio é um rap apocalíptico sobre o Rio, no qual o amor e ódio, a beleza e a feiúra, o "purgatório da beleza e do caos" de que fala a letra estão sempre juntos nessa cidade de contrastes e delimitada por áreas prestes a explodir. Zuenir Ventura já tinha cantado a bola em seu livro "Cidade partida". Com decisão, Fernanda canta "O Rio é uma cidade de cidades misturadas". Talvez, quando estas cidades misturadas se derem conta de que são uma unidade imensa e contrastante, talvez seja tarde demais para salvá-la. Mas encontraremos um jeito.



5) "Cadê a viga?" - Cássio e Rita Tucunduva. Não poderia encerrar esta pequena lista com uma marchinha. Poderia ser a manjadíssima "Cidade maravilhosa", mas essa fala por si só e aqui é considerada hors concours. Há várias marchinhas que falam do Rio (só pra lembrar de um exemplo é só repetir a clássica "Rio, cidade quen me seduz, de dia falta água, de noite falta luz") Essas composições, muitas ingênuas e lembradas apenas na época do Carnaval, tamb ém serviram para denunciar mazelas das grandes cidades. Como na campeã deste ano do concurso de marchinhas da Fundição progresso, "Cadê a Viga": os versos "Senhor prefeito, não é intriga, aonde foi que enfiaram aquela viga? " diz respeito ao sumiço das vigas da área da Perimetral, no Centro do Rio, quando mais de uma tonelada de vigas sumiram da noite para o dia, num roubo até hoje não solucionado. Taí, enquanto não choramos nossa miséria, cantamos as músicas que falam do Rio.



E para todos que pararam por aqui, um ótimo Carnaval!!!
  

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Estação Botafogo - minha escola de cinema

Leio no Globo desta semana que o cinema Estação Botafogo - assim como todo o grupo Estação, formado por 16 cinemas - encontra-se em crise financeira, e corre o risco de ir à falência. Não é a primeira vez que o grupo é levado a uma crise, e torço bastante para que eles encontrem uma saída. Caso isso não aconteça, seria um golpe fatal em toda uma geração de cinéfilos cariocas (dentre os quais me incluo) que aprenderam a curtir cinema de qualidade naqueles cinemas. Tanto que até uma página foi criada no Facebook (veja aqui). Muita gente aproveitou o espaço para inserir ali suas lembranças sobre o cinema. Eu, que frequento o espaço desde os anos 1980, quando havia apenas o "Cineclube" Estação Botafogo, não poderia deixar de comentar minha trajetória como frequentador do local. Até poque foi ali que passei alguns dos momentos mais marcantes de minha bagagem cultural.



A primeira vez em que estive no cinema Estação Botafogo foi para ver o filme "Blade Runner: caçador de andróides", numa noite perdida de 1987. Lembro que estava com dois amigos, e o então "cineclube" começava a receber notas da imprensa sobre sua programação alternativa. Não era um ambiente de cinema "normal". A fauna ali era visivelmente diferente de quem frequentava cinemas de rua (ainda frequentes, mas já em decadência com a corrida aos videocassetes) ou os de shoppings. Antes do filme, chegamos a comentar que alguns dos indivíduos presentes na sala de espera bem podiam ser um dos replicantes do filme de Ridley Scott. Eram apenas apaixonados pela sétima arte.

Sim, porque há aqueles frequentadores cada vez mais ocasionais de cinema - como a maioria, já que hoje em dia, com o encarecimento dos ingressos, ir ao cinema deixou de ser um hábito semanal, como era na minha infância e adolescência -,  e os cinéfilos ou apaixonados não só pelo filme em si, mas por todo o contexto da obra e do ritual cinematográficos. Para essa gente, não basta ver um filme e depois comer uma pizza. Há que se discutir o roteiro, a direção, os atores, a linguagem utilizada, além do prazer compartilhado de conferir um filme nos jornais, arrumar-se, sair de casa, pagar ingresso e aguardar o começo do filme na enorme tela em frente, tela essa que nenhuma tela de TV, por mais ultramodernas que estejam, ainda não conseguiu igualar. Para toda essa gente, o Estação Botafogo era simplesmente o cinema.  

O cinema é um companheiro dos solitários, os românticos e daqueles perdidos de amor. Muitos casais deram seu primeiro beijo dentro de um cinema, e o Estação não foi exceção. Outros, fugiram para o cinema para, na falta de algum companheiro para chorar suas mágoas, acompanhar na tela toda aquela ilusão roteirizada e tentar por uma ou duas horas escapar da tristeza de uma amor não correspondido. Foi o meu caso numa tarde de sábado quando, após ter levado um "não" da garota que eu me apaixonara num cursinho de pré-vestibular, acorri ao Estação para ver "A encruzilhada", um filme sobre um músico talentoso de blues (o então famoso "karatê kid" Ralph Macchio), que vai atrás de uma canção perdida do lendário Robert Johnson. Uma frase dita por um dos personagens marcou aquela ida ao cinema: "Blues é a dor que sentimos quando a mulher que amamos vai embora". Pelo menos eu não era o único a sofrer uma desilusão amorosa naquele dia. Meu colega do outro lado da tela também estava triste.  

Foi no Estação que vi pela primeira vez "Cidadão Kane", num curso ministrado pelo cineasta e jornalista Pedro Camargo, e que abriu minha cabeça. Eu estava fazendo 18 anos naquele dia, e foi realmente especial para mim. Mais tarde vieram os grandes clássicos, como "Jules e Jim", de Trufaut, "Um corpo que cai", do Hitchcock, "Noites de Cabíria", do Fellini, "Lolita", do Kubrick e vários outros, sem contar com os cult-movies, como "Depois de horas" (Scorcese), "Dublê de corpo" (Brian de Palma), "O fundo do coração" de Coppola ou "Coração Selvagem" de David Lynch. Foi no Estação que conheci a maioria destes grandes diretores, com filmes difíceis de encontrar fora dali. Em que outro cinema, por exemplo, eu poderia ter aceso a filmes de Luís Buñuel? Jamais esquecerei do impacto de filmes como "O anjo exterminador" ou "Esse obscuro objeto do desejo" numa semana dedicada ao cineasta espanhol. Aliás, esse era um grande barato do Estação: promover mostras dedicadas a um cineasta ou movimento cinematográfico, homenageando diretores, atores etc.Onde mais eu teria acesso a uma pérola como "O homem do Sputnik" (Carlos Manga) numa mostra dedicada às chanchadas? Ou conferir o clássico "Rio 40 graus" no chão, com a sala completamente lotada  e a presença do diretor Nelson Pereira dos Santos.

Todos estes momentos eu vi num único cinema - o Estação Botafogo - bem antes de tornar o Grupo Estação. E é por todos estes momentos especiais que ajudaram a todos nós, que frequentamos aquela sala, amantes do cinema e pessoas mais informadas, que o Estação não pode acabar. Mais que um grande empreendimento comercial, ele é parte da cultura cinematográfica carioca, que ajudou a centenas de pessoas a descobrir que, para além daquele cinema hegemônico americano, havia um enorme contingente de filmes, diretores, atores e atrizes a serem descobertos. Vou encerrar com um clichê, mas não consigo encontrar forma melhor: esse filme não pode acabar de forma triste.



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Tragédias marcadas pelo fogo: um ano da boate Kiss, cinco décadas do circo em Niterói


Cinquenta e dois anos separam duas das maiores tragédias envolvendo incêndios na história brasileira. Em dezembro de 1961, às vésperas do Natal, mais de 500 pessoas (o número exato nunca foi demarcado), em sua maioria jovens e crianças, morreram enquanto assistiam à matinê do Gran Circo Norte-Americano, em Niterói, no estado do Rio de Janeiro. Em janeiro de 2013, centenas de jovens - em grande parte universitários que arrecadavam fundos para suas festas de formatura - encontraram a morte após um dos músicos da banda que se apresentava no interior da boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, lançar inadvertidamente um foguete (de artifício) no teto do palco do local.
Falta de prevenção contra acidentes, descaso das autoridades, ganância dos proprietários, ambientes com pouca segurança. Todas estas características - presentes em ambas as tragédias - mostram que a realidade brasileira pouco ou nada mudou em cinco décadas. O Brasil infelizmente acostumou-se a acompanhar suas tragédias anunciadas pelos meios de comunicação, sem que a situação melhore para os principais envolvidos: as vítimas expostas ao fogo.
No entanto, no que concerne à cobertura dos veículos de comunicação, podemos afirmar categoricamente que esta se transformou bastante. Se, no primeiro caso, uma cidade traumatizada pelo incêndio no circo acompanhou o fato pelo rádio, jornais e uma incipiente televisão (na época, a TV contava apenas onze anos no Brasil, era ainda um veículo caro e para poucos), em 2013, na tragédia da boate em Santa Maria o Brasil inteiro acompanhou a cobertura jornalística por meio de diversas mídias - muitas delas nem haviam surgido em 1961, como os portais jornalísticos e as redes sociais da internet.

O texto acima é o começo do artigo "Tragédia em dois tempos", escrito em parceria por mim e o aluno Renan Henrique de Oliveira, da faculdade de Comunicação do UniFOA, em Volta Redonda, onde dou aulas. Inscrevi o artigo no Intercom Manaus, no ano passado. Ele foi não só aceito, como suscitou um bom debate em sua apresentação e mais tarde ensejou um convite para virar capítulo de um livro cujo conteúdo seria apenas relacionado à tragédia do incêndio na boate Kiss, que está fazendo um ano neste começo de 2014. O resultado, com textos de autores de todo o Brasil, acaba de sair em e-book, sob o título "Midiatização da tragédia em Santa Maria", organizado pela professora e pesquisadora Ada Cristina Machado da Silveira, do Grupo de Pesquisa da FACOS "Comunicação, identidade e fronteiras". 




A proposta do artigo foi analisar a evolução dos meios de comunicação entre 1961 e 2013 a partir da comparação da cobertura midiática destas duas tragédias separadas pelo tempo. Ou seja, ressaltar as transformações que a cobertura jornalística sofreu nestes 52 anos - o que mudou na rotina e no perfil do jornalista desde então, como se deu a modernização da imprensa neste período, como foi a adaptação do profissional e dos meios às novas mídias eletrônicas e digitalizadas. Sem esquecer quais teriam sido os aspectos similares e diferentes da cobertura entre as duas grandes tragédias.                 

Quem estiver interessado em ler não só o artigo mas o e-book, deixo o link para baixá-lo: 

http://comunicacaoeidentidades.files.wordpress.com/2014/01/midiatizacao_da_tragedia_de_santa_maria_facos-ufsm-1-atualizado.pdf

Boa leitura!

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

No dia em que eu conheci...

No dia em que eu conheci o antropólogo Roberto da Matta, eu trabalhava na Rádio MEC Rio como bolsista do programa "E por falar em ciência", um projeto de minha professora de Jornalismo Científico na UFF à época, Érica Franziska. Soube que ele daria uma palestra no antigo campus do Valonguinho e rumei para lá com uma fita cassete estalando de nova, para pedir a entrevista e depois editá-la para a rádio. Ao fim da palestra, tentei me aproximar de da Matta, mas, pela quantidade de gente que o cercava,  vi logo que a entrevista, naquele momento, seria impossível. Quando consegui chegar perto, me apresentar e pedir a entrevista, ele disse que o melhor seria que eu ligasse no dia seguinte, quando falaria comigo. Voltei pra casa e, às 8 horas da manhã, eu estava na rádio MEC, em uma sala com gravadores, telefones e outros equipamentos, pronto para efetuar a ligação. O autor de "Carnaval, malandros e heróis" atendeu um tanto quanto irritado e com voz de sono, mas acabou respondendo às questões e conversando comigo por uns bons 15 minutos. Já tenho material, pensei. Me despedi, fui correndo para a sala de edição. Meia hora depois, eu é quem estava contrariado. O gravador que eu utilizara não funcionou bem e a sonora ficou inviável de ir ao ar. Resultado: a entrevista com Roberto da Matta foi descartada.

Essa história aconteceu em meados de 1994, quando eu ainda era estudante de jornalismo. Foi inspirada na série de colunas do jornalista Joaquim Ferreira dos Santos, no jornal O Globo, em que ele conta histórias, causos em sua maioria divertidos sobre pessoas famosas que ele conheceu. O presente post é também uma forma de saudá-lo pela volta ao colunismo impresso, depois de estar desde maio de 2013 afastado do jornal. Na época em que eu pesquisava colunas de notas da mídia impressa para minha tese de doutorado, li muito sua coluna "Gente Boa", uma coluna social modernizada. Basta dizer que houve uma época - entre os anos 40 e 50 do século passado - em que o colunista Jacinto de Thormes (pseudônimo de Maneco Muller) chamava seus colunáveis de "gente bem", uma jocosa denominação para "bem nascidos", ou aqueles pertencentes à classe mais alta da elite brasileira. Pessoas "comuns" estavam fora deste mundo e das colunas sociais. Joaquim trocou a terminação para "Gente Boa", com a clara proposta de abraçar não só os ricos e famosos, mas também todos os anônimos que pudessem um dia virar notícia...toda aquela gente boa antes excluída do colunismo.

Agora em 2014, no começo do ano, ele voltou ao Globo, não mais como titular da "Gente Boa", hoje entregue aos cuidados de Cléo Guimarães, mas com uma coluna na última página do Segundo Caderno de volta às segundas-feiras. E eu não poderia de aproveitar este espaço para saudá-lo. Joaquim é um artesão da linguagem e um mestre na arte escrever crônicas. Basta ver este exemplo, que bem poderia estar na série de postagens "lides imperdíveis":

Sexo. São quatro letras que pingam, e espero que elas deixem molhadinha a audiência, chamem a atenção e, como não se fala de outra coisa, grudem na curiosidade de quem passar por aqui. O cacófato "por aqui" por exemplo, já cheira a sexo e, por sua sonoridade lamentável desde já me desculpo. De resto, é uma palavra que doravante será tratada sem culpa, ao estalo do chicote semântico. Eia! Avante! Tudo pelo aumento do pageview e todos os tesões da visibilidade digital. Não se diz mais "me come". A frase mais sussurada é "me compartilha".

(O Globo, janeiro de 2014)

Pois voltemos agora a uma pequena aula de jornalismo dentro da série de histórias de Joaquim envolvendo famosos. Escolhi este exemplo porque há dois grandes jornalistas envolvidos nesta história; um, literalmente, o outro, como homenagem. O primeiro, o craque Elio Gaspari, que dará uma orientação genial ao jovem repórter durante a época da ditadura. O segundo, o americano Gay Talese, que escreveu uma peculiar definição de jornalismo, bem antes que os computadores e seus buscadores virtuais relegassem grande parte dos repórteres apenas aos ambientes assépticos das redações:

No dia em que conheci o coronel Péricles Augusto Machado Neves, todo poderoso presidente do BNH na ditadura Garrastazu Médici, ele na verdade não estava em casa. Péricles presidia a caderneta de poupança, e tinha dado entrevistas dizendo que o brasileiro não sabia poupar, jogava muita coisa boa fora - e o editor Elio Gaspari me encarregou de pegar, em pleno regime militar, a lata de lixo do coronel. Eu me fiz de funcionário da Comlurb. Bati na porta dos fundos do apartamento e o filho do homem, sem estranhar, me mandou carregar o tesouro, a lata de lixo repleta de porções de arroz ainda boas, papelão que poderia ser reciclado, garrafas que podiam ser vendidas etc. A relação de desperdícios deu página inteira na revista em que eu trabalhava - e eu só estou escrevendo isso para lembrar, em plena civilização das assessorias e das entrevistas por e-mail, do tempo em que repórteres gastavam sola de sapato e contavam a História do Brasil fuçando a lata de lixo dos poderosos.          

(O Globo, maio de 2013)

Em tempo: a frase memorável de Gay Talese é: "Jornalismo é a arte de sujar os sapatos". Ou, indo mais longe, sem esquecer de fuçar a lata de lixo dos poderosos.


sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Existe amor em SP - Parte 2


Eu me mudei para a Estação da Luz 
Porque estava tudo escuro dentro do meu coração
("Augusta, Angélica e Consolação", Tom Zé)

Atravesso a Avenida Paulista e alguém lembra de uma piada recorrente dos paulistas sobre sua tão querida e imponente avenida principal: a Avenida Paulista é como o casamento: começa no paraíso e acaba na consolação. Desta forma, usando como exemplo as estações de metrô, muitos deles orientam aqueles de fora, como eu, sobre como não se perder na imensidão da avenida...e da cidade.  

Uma ótima reportagem da Revista São Paulo, da Folha, dava conta das “impressões forasteiras” que muitos estrangeiros têm sobre São Paulo. Intitulada “Um estanho mundo em SP”, trazia declarações como “Os brasileiros adoram tomar banho” (de um irlandês); “Cumprimentamos o outro colocando as mãos juntas em forma de flor-de-lótus. Nada de beijinhos” (mulher tailandesa); “Comer de maneira saudável é coisa de rico por aqui”(francês); “Esse tal de palitinho após as refeições...” (chinês); “No Brasil, a mulher participa de reuniões da família. Na África, ela tem de ser só bonita e calada (camaronesa). Longe de fechar-se num bairrismo atrasado, reportagens como essa nos fazem refletir sobre nós mesmos...às vezes o olhar de fora observa coisas que pra gente são naturais, enquanto para outros causa espanto.

No último texto, falei que minhas lembranças da capital paulista eram raras e...noturnas. Pois foi com espanto e admiração que percorri vários quarteirões da Avenida Paulista numa quinta-feira, novamente à noite. Eram vários arranha-céus convivendo com prédios residenciais, casarões do princípio do século transformados em centros empresariais ou agências bancárias, enormes antenas dos meios de comunicação, cafeterias chiques, pobres, ricos, perdidos, engravatados triunfantes após um dia tenso na bolsa, desesperados confessando seus lamentos de amor nos bares...enfim, uma fauna urbana urgente e única. “Em São Paulo, você pode sair à noite em qualquer dia e achar o que fazer”, dizia um estrangeiro na reportagem da Folha. Ele tem razão.

Há algum tempo, meu irmão esteve em SP visitando um amigo paulista que fizera junto com ele faculdade, na UFF. O primeiro lugar que visitaram foi uma feira para comer pastéis. Perguntei espantado: pastel na feira?! Segundo nosso amigo paulistano, quem vai a SP não pode deixar de comer pastéis. Na feira, havia fila para o pastel, de boys a engravatados, todos aguardando sua vez de comprar um chops e dois pastel – outro amigo meu que trabalhou oito anos na capital paulista ficara intrigado com a mania paulista de quase não usar o plural nos substantivos, algo que ia do menos alfabetizado ao mais instruído. Peculiaridades paulistas. O fato é que a baixa gastronomia faz sucesso em São Paulo. Onde mais você poderia comer um sanduíche de mortadela – um petisco considerado “pobre” por muita gente - tão maravilhoso como no Mercado Municipal da cidade? Creio que só em São Paulo. Eu provei não só os pastéis na Avenida Paulista como o sanduíche do mercado e digo que valem muito a pena.

Em meu segundo dia em São Paulo, conferi o Museu do Futebol, que fica no embaixo das arquibancadas do Estádio do Pacaembu. Moderno e interativo, com até a brincadeira de uma bola para quem quiser chutar a gol e testar a potência do chute, o local consegue atrair a atenção até de velhinhas pouco interessadas no esporte, que saem de lá fascinadas com o misto de diversão, história e cultura proporcionada pelo museu. Um destaque, para mim, foi o espaço “Futebol de papel” – ali estão guardados e expostos dezenas, centenas de caixinhas de fósforo, álbuns de figurinhas, cigarros antigos com estampas de jogadores (o polticamente correto ainda não havia dado as caras...), jornais artesanais feitos por apaixonados pelo esporte, enfim, toda uma memória coletiva que conecta quem visita o local ao esporte mais amado dos brasileiros.




Na primeira foto, a memorabilia do esporte, depois detalhe dos álbuns de figurinhas (quem nunca colecionou um?). Por último, uma história que se me contassem eu não acreditaria...


E tome cultura, que nunca é demais. À tarde, visitei o MASP pela primeira vez (como é que esperei tanto?). Que luxo é estar numa cidade brasileira rodeado por mestres como Van Gogh, Renoir, Matisse, Picasso...e ver que eles estão reunidos em um só lugar. Pra quem gosta de arte, havia ainda no segundo andar a genial exposição temporária de Lucian Freud, com os rostos tensos de suas modelos e ex-mulheres. Sem faltar os estudos para o famoso retrato da Rainha da Inglaterra, que pediu pra ser retratada por Freud e depois detestou o resultado...

No terceiro dia, aniversário da cidade, ida à Estação da Luz, ao Museu da Língua e à Pinacoteca. Na entrada da estação, há um piano antigo. Um velhinho que escutava as orientações da guia rapidamente se dirige ao instrumento, senta e toca uma linda música. Aplausos gerais. Ele agradece, levanta e diz que a música era de sua própria autoria, feita na década de 30 e inclusive gravada por um cantor de sucesso. Há um pequeno período para fotos e depois nos dirigimos ao Museu da Língua, ainda mais interativo que o do futebol, e com direito à concorrida exposição temporária sobre Cazuza. Pra quem foi adolescente nos anos 80 e cantou junto aquelas canções do poeta, primeiro com o Barão Vermelho e depois em carreira solo, não havia como não se emocionar.  Vale a visita, por Cazuza e para descobrir curiosidades sobre a história de nossa língua, desde antes do latim até os dias de hoje. A língua é viva e continua se reinventando sempre.




Detalhe do prédio da Estação da Luz. Depois, um dos vários versos de Cazuza nas janelas do Museu da Língua. Uma garota canta "Ideologia" no karaokê instalado na mostra.  


Pra quem vai ao Museu da Língua, outro passeio imperdível está praticamente em frente, atravessando a rua: a Pinacoteca do Estado. Um lugar muito charmoso, englobando desde as pinturas mais acadêmicas até as obras mais pós-modernas. No mais, lembre do conselho: reserve pelo menos duas horas para cada visita a estes museus. Na correria, acabei perdendo muita coisa da Pinacoteca, e ficou aquela sensação de quero mais. Um dia eu volto, com calma.




Como encerrar a viagem sem prestar conta da diversidade cultural e étnica de São Paulo? Simples: visitando na manhã de domingo a feirinha do bairro da Liberdade, conhecido como o bairro japonês. Ali encontramos uma cultura ao mesmo tempo tão distante e tão próxima à gente...doces de feijão, saquês diversos, yakisobas às centenas, luminárias cinematográficas, objetos de um design absolutamente original, tudo isso percorrido por uma multidão que poderia estar na 25 de março paulista ou no Saara carioca, mas preferiu conferir de perto este bairro único no Brasil. 


Sim, a grana ergueu e destruiu coisas belas. Há em São Paulo prédios caindo aos pedaços ao lado de construções incríveis. Pichações horríveis convivendo perto de grafites sensacionais. Esse desenvolvimento marcado por contrastes reflete uma cidade que não para de crescer e insiste em se reinventar a cada dia. Enfim, se você gosta de cultura em suas mais diversificadas manifestações, não deixe de inserir São Paulo em sua rota de viajante. Nem que seja, usando um termo da moda, para dar um simples rolezinho.  


Existe amor em SP - Parte 1


Na medida do impossível
Tá dando pra se viver
Na cidade de São Paulo
O amor é imprevisível
Como você
E eu
E o céu
("Lá vou eu", Rita Lee)

O dia: sexta-feira, 24 de janeiro, por volta das 22h30. O local: Sesc Vila Mariana, São Paulo. Adentra o palco o músico Curumin. Ele senta num banquinho e segura um violão. Os músicos a sua volta aguardam o momento de acompanhá-lo. Ele dedilha o instrumento, faz uma pequena pausa...aproxima-se do microfone e começa a cantar "Não existe amor em SP". A plateia vibra de satisfação e aplaude. Um arrepio corta a espinha enquanto acompanho o público cantando junto o clássico instantâneo de Criolo. Curumin está acompanhado por um time de músicos e intérpretes de primeira, selecionados pelo produtor Bid em parceria com o Núcleo de Apresentações Artísticas do Sesc Vila Mariana, para comemorar o aniversário de 460 anos da cidade. Para este show, a ideia foi selecionar músicas que representassem a relação do paulistano com sua cidade - uma relação muitas vezes amorosa; outras vezes de ódio.  



Para um carioca de passagem pela cidade, como eu, o roteiro contrastante do show poderia parecer exótico. No Rio, é difícil encontrar alguém que diga "amo e odeio esta cidade com igual intensidade", como muitos paulistas repetem. Mesmo vítima de tantos governantes incompetentes, tendo que aturar o caos no trânsito com as obras para a Copa, o morador do Rio costuma poupar a cidade de tantos dissabores. Claro que há aqueles bairristas, que adoram criticar São Paulo, com a mesma alegação tosca: não tem praia. Sim, não tem praia, mas tem o Museu do Futebol, o Museu da Língua, O Parque do Ibirapuera, 6 mil pizzarias, tem o Masp, a Pinacoteca e muito mais.      



Algumas destas atrações eu pude conferir de perto na semana passada, durante uma breve estada na capital paulista. Eu havia estado em SP algumas vezes na minha infância, em excursões pela finada Soletur, com meus pais e irmãos. Nos divertíamos a valer naquele programa básico: Simba Safari, Cidade das Crianças etc. Minhas lembranças da capital paulista eram muito poucas. Lembro-me de jantar com a família num ótimo restaurante e imagens da cidade à noite. Somente isso. Depois, voltávamos ao hotel, para dormir e seguir viagem no dia seguinte. Com 12 ou 13 anos, eu estava bem mais interessado em me divertir nos parques do que mergulhar na cultura da maior cidade do país.

Também àquela época eu não conhecia muitas das músicas apresentadas no espetáculo do Sesc. Para minha sorte, o tempo passou, a cidade e eu crescemos e, na qualidade de "estrangeiro" em SP, pude aproveitar e cantar junto grande parte das músicas escolhidas, músicas estas que, segundo o programa de divulgação, buscassem "expressar, por meio de um repertório eclético, as contradições da metrópole e os sentimentos provocados em seus habitantes".  



O show começara com a banda de ótimos músicos - a maioria vestindo roupas nas cores branca, vermelho e preto, as mesmas da bandeira do estado - levando um número instrumental de categoria. Há até um DJ no palco, o que sugere um show em sintonia com os novos tempos. Aos poucos cada convidado vais sendo chamado para números individuais ou em dupla. São eles: Monica Salmaso, Paula Lima, Curumin, Edi Rock, Silvio Modesto e integrantes da escola de samba Pérola Negra.

Difícil dizer o momento mais emocionante. Monica Salmaso interpretando "Eugenia", de Adoniram Barbosa ("Venha ver Eugenia, como ficou bonito o viaduto Santa Efigenia") e fazendo todos cantarem juntos "Sampa", de Caetano. Paula Lima, linda, cantando "Do lado direito da rua direita" e levando um rap com Edi Rock. Curumin, além da já citada interpretação de Criolo, ensinando ao público as deixas para a deliciosa canção "Augusta, Angélica e Consolação", de Tom Zé. Silvio Modesto, ritmistas e pastoras levando um samba-enredo da Pérola Negra. Tudo até o final, com todos no palco cantando "Trem das 11", um dos maiores clássicos da MPB.



Não houve bis após o fim do show. Mas nem precisava: a plateia já tinha sido arrebatada desde que Monica Salmaso cantara ""Lá vou eu", de Rita Lee ou Curumin interpretou Itamar Assumpção, outra das infinitas traduções de SP.

Criolo cantou o labirinto místico de sua cidade com um misto de paixão e desilusão. Pois é...na medida do impossível, os paulistanos vão encontrando um jeito de se viver. Pela beleza do espetáculo apresentado, eles estão no caminho certo. Enquanto isso, os grafites gritam: mais amor, por favor.






quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Cervejas, ame-as ou deixe-as*


Verdade ou lenda? Conta-se que nas últimas décadas do século XIX, um imigrante alemão recém-chegado ao Brasil resolveu abrir um bar no centro do Rio de Janeiro. O homem era um mestre cervejeiro em sua terra, e esperava prosperar por aqui com a bebida. No entanto, nos primeiros dias após abrir seu estabelecimento, teve uma triste constatação. Suas cervejas não dispunham da preferência dos brasileiros e portugueses que ali passavam, que preferiam o vinho. O alemão, um sujeito forte e de grande estatura, teve então uma ideia: mandou um funcionário afixar um cartaz na entrada do bar com a oferta de cerveja grátis, com um pequeno detalhe - era grátis para todos que o ganhassem numa prosaica queda de braço. Rapidamente, a frequência de seu bar aumentou. O esperto alemão ganhava quase todas as disputas, e de vez em quando relaxava o braço para que alguém o ganhasse. Quase sempre o "ganhador" voltava no dia seguinte trazendo amigos, que se tornavam novos fregueses. Aos poucos a frequência do bar foi preferindo a cerveja ao vinho.

Sem o saber, nosso próspero comerciante alemão foi um dos primeiros homens de marketing ligado à cerveja no Brasil. No entanto, se lhe fosse permitido viajar no tempo e chegar a 2013 para uma passeada pelos bares brasileiros, ficaria espantado com a quantidade de apaixonados por cerveja que temos por aqui. e creio que ele adoraria as diversas cervejarias brasileiras que começam a abrir suas portas aos amantes da bebida.      



No sábado passado, estive em Petrópolis, conferindo pela primeira vez a fábrica da Bohemia, e o Museu da Cerveja. Em mais um sábado de calor infernal no Rio, valeu  a pena subir a serra para uma tarde cultural e etílica. No Brasil, estas visitas guiadas em cervejarias são uma atividade recente, feitas com muita propriedade pelo marketing ligado às cervejarias.Sou de um tempo em que as únicas visitas abertas à fábricas de bebidas alcoólicas eram aquelas que tínhamos (e ainda temos, com muito sucesso) pelas vinícolas da região o sul do Brasil. Foi lá, em Bento Gonçalves (ou seria outra cidade?, não me lembro bem), que pela primeira vez ingeri álcool. Eu devia ter entre 13 ou 14 anos. Ainda me recordo dos imensos barris de vinho que nos cercavam enquanto o guia contava histórias sobre o vinho. A cerveja até então era algo "menor", uma bebida mais comum que - pelo menos aqui no Brasil - não parecia digna de merecer uma tour.

Mas os tempos mudaram. As grandes cervejarias viram que valia a pena apostar nessa paixão do brasileiro pela bebida, e começaram a abrir suas portas para receber cada vez mais pessoas dispostas a conhecer um pouco da história, da feitura da bebida e, como não deveria deixar de ser, beber um pouco. E a tendência não é só incrementar o turismo e alavancar as vendas. De um tempo para cá, bares e restaurantes com cartas de cerveja proliferam pelas cidades brasileiras, e aos poucos vai se tornando um hábito comum reunir os amigos para degustar cervejas artesanais de qualidade.

Outro dia, estive na rua Barão de Mesquita, na Tijuca, para encontrar um amigo que escolheu comemorar seu aniversário numa cervejaria. O local se chama Cerveja Social Clube e, a julgar pela fachada totalmente discreta - nem se preocuparam em colocar o nome do estabelecimento ali - me pareceu que ali se pretende ser um local aberto para iniciados. Um clube de fãs da bebida. E que já possui até site, como diz o folheto que me deram na saída: "Um site com mais de 250 cervejas de várias partes do mundo. Entrega em 48h na cidade do Rio de Janeiro. Copos, acessórios e revistas". Na loja física, há informações sobre degustações guiadas e aulas sobre cerveja, as quais acontecem esporadicamente. Mas peraí: degustações guiadas, aulas de cerveja? Pois é. Vivemos novos tempos etílicos...

O negócio da cerveja parece ser irreversível. Na fábrica da Mistura Clássica, cerveja artesanal de Volta Redonda, que abriu um bar para seus seguidores dentro da fábrica. O bar oferece degustações de seus diversos tipos de cerveja (PIlsen, Ale, Black etc) em minúsculos copos. Feita a degustação, o freguês escolhe sua (s) preferida(s) e pede ela por inteiro numa tulipa.  Mais que uma ocasião para "derrubar cervejas", o que ocorre ali é uma experiência para quem realmente aprecia a bebida.

No ano passado, Aproveitando um feriado em Pedro do Rio, na região de Itaipava, estive com amigos na visita guiada á Itaipava. A visita é com hora marcada e deve ser reservada antecipadamente, de forma um tanto burocrática: nome, cpf e identidade de quem vai, proibido levar crianças, bermudas proibidas etc.  A despeito de todos esses entraves, a visita vale a pena. Guias explicam detalhadamente o processo de formatação da cerveja, Sobretudo ao final, quando do alto do imenso pátio da fábrica, vislumbramos a etapa em que máquinas-robôs engarrafam, selam e empacotam centenas de garrafas da bebida que airá dali para diversos pontos do país.

Se  na fábrica da Itaipava, o processo técnico da feitura da cerveja é o primordial, no fábrica da Bohemia, graças ao Museu da Cerveja, o impacto é bem maior, e cultural. Logo na entrada ficamos sabendo do surgimento da bebida, há milhares de anos no Oriente Médio, e também das lendas que cercaram a bebida e deram-lhe notoriedade, Conhecemos uma profissão de alto nível no Egito antigo: a de provador de cerveja; o legado dos santos católicos da Idade Média que teceram loas à bebida (como Santo Agostinho) assim como o trabalho de monges trapistas que inventaram a fórmula de uma das cervejas mais famosas até hoje. Acompanhamos os percalços e a evolução da bebida do alvorecer da Idade Moderna, passando pelas grandes navegações, o capitalismo e o surgimento da fabricação em série, que tornou a bebida famosa mundialmente. Registrei e compartilho com vocês algumas imagens do local.  











Nos outros andares destinados á visitação, assistimos ao processo de fabricação da bebida, a um filme sobre a criação da fábrica da Bohemia em 1863, e o grand-finale: a degustação da bebida, quando, após um suspense feito pelo guia, uma sala que estava oculta subitamente surge à frente dos visitantes, com direito a serpentina de chope, garçons e o chamado para experimentar a bebida. Difícil, muito difícil resistir.

Enfim, provar, degustar, amar as infinitas cervejas hoje á disposição tornou-se algo definitivamente profissional no Brasil. Quem bebe por prazer agradece. Agora, por favor, com  licença que vou à geladeira buscar minha red ale...  


*inspirado em Paulo Leminski
               

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Walter Mitty, ou a saga do fotojornalismo em revista


Há uma cena bem interessante ainda no começo do filme "A vida secreta de Walter Mitty". Estamos numa grande sala de uma grande revista - a Life - em Nova York. Todos os funcionários estão ali - dentre eles o protagonista, vivido por Ben Stiller -, e todos aguardam uma uma notícia que se revelará ruim para a maioria. Adentra a sala o novo e arrogante "manager" da revista, Ted Hendricks (Adam Scott) e sem demora avisa a todos o motivo da reunião: a edição impressa da lendária revista não circulará mais. Apenas a edição online sobreviverá. Em vista disso haverá corte de custos, começando com os funcionários.

O novo patrão, do alto de sua soberba, diz a todos que o último número deverá ser especial, e para tanto a foto da capa deverá ser aquela escolhida pelo mais famoso fotógrafo da revista, Sean O'Connel (vivido por Sean Penn, um personagem que é uma homenagem do filme a grandes fotógrafos, como Robert Capa). Em um telegrama enviado à revista, O'Connel explica a razão da foto específica: para ele, ela contém a "quintessência da vida". Hendricks, após ler a palavra, parece confuso, e um dos seus assessores o socorre com a definição de quintessência: seria algo que por si só revelasse o essencial, o principal, o último apuramento de determinado artista.

Stiller sente um arrepio. Ele está há 16 anos na revista e é o chefe dos reveladores. Será ele quem terá a importante tarefa de entregar a foto revelada para a publicação especial. Porém, há um problema: a foto escolhida pelo fotógrafo sumiu. Como a edição final está prevista para dali a duas semanas, Stiller parte em uma viagem pelo mundo em busca do fotógrafo para saber o paradeiro da tão especial fotografia.      




(Cabe aqui um parêntesis sobre a Life. A revista, fundada em 1936, fez grande  sucesso nas décadas de 1940 e 1950, quando era semanal e um grande veículo de comunicação de massas. Em 1978, passou a ser mensal e em 2000, após sucessivas crises financeiras, teve sua última edição impressa. Hoje a Life só existe online e vez por outra realiza edições temáticas).

Num tempo de banalização de imagens trazido pela overdose de câmeras e smartphones digitais, onde tudo é motivo para ser fotografado, pode parecer "coisa de cinema" alguém, como Walter Mitty, correr o mundo em busca de uma deteminada foto, aquela que conteria, como no filme, a quintessência de um verdadeiro artista. O lema da Life, escrito pelo fundador da revista, Henry Luce, em 1936, era: "Ver coisas a milhares de distância, coisas escondidas atrás de muros e dentro de quartos, coisas perigosas por vir". É esta mensagem que o fotógrafo escreve no telegrama à Mitty, a quem ele considerava um verdadeiro parceiro profissional, por revelar sempre da melhor maneira seus cliques ao redor do mundo. Houve um tempo, ainda na primeira metade do século XX, antes da televisão e internet, na qual era apenas pelo cinema ou por revistas ilustradas como a Life que as pessoas ficavam conhecendo "coisas a milhares de distância". Na Europa, não se pode esquecer a Paris Match. E no Brasil, tivemos o exemplo de O Cruzeiro, fundada por Assis Chateaubriand em  1928, publicação que revolucionou o fotojornalismo no Brasil a partir dos anos 1940, enquanto surgia por aqui pela primeira vez uma incipiente indústria cultural.

No livro "As origens do fotojornalismo no Brasil: um olhar sobre O Cruzeiro, 1940/1960", publicado pelo Instituto Moreira Sales, explica-se a razão do sucesso das revistas ilustradas: Na Europa e nos Estados Unidos, o surgimento destas revistas esteve intimamente relacionado aos aperfeiçoamentos tecnológicos, que permitiram a inclusão da fotografia nas páginas dos periódicos, à industrialização da imprensa, à comercialização da notícia e à expansão da publicidade. No Brasil, não seria diferente, mesmo com toda a defasagem nossa em relação às indústrias culturais do exterior. Se no século XIX, quando surge a fotografia, tivemos em grande parte o trabalho de ilustradores que desenhavam por cima de fotografias reais (como no caso da Guerra do Paraguai), devido ao alto custo de imprimir fotos em jornais e revistas, com o avanço da tecnologia nas décadas posteriores tivemos a revista ilustrada como a grande vitrine do fotojornalismo moderno.

Quem viu o filme de Ben Stiller entende porque o fotógrafo vivido por Sean Penn considerava sua arte um trabalho de equipe: era assim em toda a revista Life: "As instruções da Time-Life deixam claro que não bastava ter boas fotos para ter uma boa fotorreportagem, e revela os bastidores de um trabalho de equipe que exigia uma grande articulação entre os participantes (...).Com o surgimento da Life, a fotorreportagem se transformava numa fórmula passível de ser aplicada aos mais variados contextos", ressalta o livro do IMS.



Fica explicado porque os grandes fotógrafos procuram a "quintessência da vida" em imagens reveladoras. São momentos decisivos, como diria Cartier-Bresson, são cliques que de tão impactante nos mostram toda uma era da história, como a menina nua correndo das bombas de napalm no Vietnã, as bombas da Segunda Guerra Mundial, a chegada dos aliados à Normandia pelas lentes de Robert Capa, os índios do Amazonas olhando fascinados para os "pássaros de fogo" (aviões) pelas lentes de Jean Manzon em O Cruzeiro, o incrível périplo de Sebastião Salgado para descobrir e revelar povos ainda sem contato com a civilização em pleno século XXI e muito mais.

A Life foi uma das grandes criadoras do fotojornalismo em revista. Algo que o filme "A vida secreta de Walter Mitty" demonstra de forma brilhante. Não perca. Pra encerrar, deixo o link do site da Life em que eles mostram o trabalho das capas falsas feitas especialmente para o filme. Sim, aquelas capas mostradas nos corredores por onde Stiller e outros personagens circulam são criações da equipe cinematográfica em cima do acervo da própria Life. Divirtam-se.

http://life.time.com/culture/walter-mitty-life-magazine-covers-that-never-were/#1





            





quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Rememorando um velho cartão postal....


Resolução para o Ano Novo: voltar a escrever para o blog. Cumprirei? O tempo dirá.

Ok, eu não vou tentar explicar porque este blog ficou tanto tempo desativado, mas este texto - imperfeito, como verão -, é apenas uma tentativa de voltar a utilizá-lo agora em 2014. Depois de meses sem abri-lo, vi que meu último texto, sobre o cantor Roberto Silva (escrito em janeiro!) recebeu um comentário simpático de alguém que também ama a música escolhida. Isso me faz querer continuar. Sei que devo ter perdido milhares de leitores potenciais (brincadeira...rs), mas o que me faz voltar de verdade é a necessidade de escrever sobre cultura, livros, cinema, música, televisão, quadrinhos, enfim, todo meu universo como jornalista e professor de Comunicação. Se alguém por acaso parar um tempinho que seja por aqui e ler um ou outro texto, já me sentirei recompensado.

Fim de ano é época de planos a serem feitos e rememorar o que fizemos de bom ou ruim. Não é hora de falar do que mais me empolgou (ou não) em 2013 porque isso levaria muito tempo. Vou é compartilhar um momento de minha vida com vocês, de uma época em que eu nem imaginara o que estaria fazendo hoje. Falarei rapidamente de minha viagem aos Estados Unidos, em 1995, através das lembranças que voltam à tona motivadas por um cartão postal. Naquele ano, eu embarcara numa viagem costa a costa pela America através da antiga Soletur, a agência que dava as cartas no turismo brasileiro antes da CVC.

Entre as cidades visitadas, estavam Los Angeles, Las Vegas, São Francisco, Washington, Filadélfia e Nova York. Vinte e um dias desbravando as terras americanas. Minha primeira viagem internacional e um período inesquecível. A imagem que vem a seguir é do Chinese Theatre, próximo à calçada da fama, em Hollywood, Los Angeles. Eu estava há menos de três dias nos Estados Unidos e me hospedara na famosa Sunset Boulevard, uma das mais famosas ruas da cidade e mesmo título de um meus filmes preferidos: "Crepúsculo dos deuses" ("Sunset Boulevard", de Billy Wilder). Eu estava na terra de deuses construídos e das ilusões perdidas.




No dia em que comprei o postal, eu já havia tirado algumas fotos de estrelas da calçada da fama. Na mensagem escrita à minha família, contava-lhes uma história que já havia esquecido:

Este é o Chinese Theatre. Diz a lenda que na data de sua inauguração, choveu o dia inteiro em Los Angeles. A atriz homenageada chegou numa limusine, completamente bêbada. Na entrada, levou um tombo e deixou as mãos marcadas no cimento ainda fresco do teatro. Daquele dia em diante, todo grande astro do cinema deixou seu "autógrafo" no local. 
Como estão todos aí no Brasil? Aqui está tudo ótimo. Um beijo grande para mãe, pai, Nanda, Maurício, Valéria e Luarinha. 

Rogério

Pois é. Eu nem lembrava do conteúdo do cartão, muito menos da tal atriz bêbada que teria inaugurado involuntariamente a tradição de marcar as mãos no cimento ainda fresco - um gesto para a eternidade. Quem seria essa atriz? Talvez tenha sido o guia da excursão que me contou. Seria verdade? Não faço ideia, mas sem dúvida uma história boa demais para não ser contada, e por isso a escrevi no postal. Naquele ano a internet ainda engatinhava e pouca gente no Brasil tinha e-mail ou internet (discada). Blogs como esse? Só nos Estados Unidos, e ainda funcionando como diários íntimos. Hoje um e-mail viaja para qualquer lugar do mundo em questão de minutos ou segundos. O cartão levaria duas semanas para chegar ao Brasil, às vésperas de meu retorno.

Em meados de dezembro último, meu pai, que costuma guardar todas estas memórias familiares, me mostrou novamente o cartão. Ao lado, ele anexou uma foto de Arthur, meu filho com, alguns meses de idade, a qual eu lhe dera de presente em 2005, ano de seu nascimento.

Aquele cartão comprado em minha primeira viagem internacional, mais a foto de meu filho bebê, me comoveram e  me fizeram perguntar a mim mesmo: o que seria de nós sem nossas melhores lembranças? Até quando este espaço virtual guardará a imagem daquele cartão, que em uma tarde de 1995, em, solo americano, eu comprei e enviei à minha família? 

Espero que para sempre.

Desejo a todos um Feliz Ano Novo em um ótimo 2014!