quarta-feira, 31 de março de 2010

Sai de cena um mestre da crônica esportiva: Armando Nogueira

Atenção: este post é pra quem aprecia um bom texto jornalístico, uma crônica de um mestre que acaba de nos deixar.

Um tanto atrasado, eu não poderia deixar de reverenciar aquele que fez do jornalismo esportivo algo à beira do sublime, um mestre botafoguense tão bom nas letras como Garrincha o fora com a bola nos pés: Armando Nogueira. Nogueira era um estilista da palavra, um craque da crônica apaixonado por futebol, que com rara habilidade e categoria deixou para a posteridade textos belíssimos.

Seleciono apenas um deles, o majestoso "Na grande área", mesmo nome de sua coluna de jornal e depois de seu primeiro livro. Com vocês, Armando Nogueira:

Tudo acontece na grande área: a guerra de Pelé, a guerrilha de Garrincha, o chute fatal, a rebatida heróica, o drible temerário de um beque, a tragédia do goleiro, em cujos pés solitários a grama não floresce; na grande área, ressoa, implacável, a hora da verdade, erguendo e derrubando mitos no gesto simples de chutar uma bola; na grande área, nasce o gol, nasce o infarto que mata de emoção o torcedor; na grande área, onde os homens se acovardam e se engrandecem, a rasteira é pecado que no ato se paga pelo castigo do pênalti, entidade tão decisiva no destino de um jogo que, segundo um velho pensador do futebol, só devia ser cobrado pelo presidente do clube; nos canteiros da grande área, os pés imortais de Domingos da Guia pisando a grama de leve para não magoar a própria semente de sua arte - Nilton Santos.
Quanta emoção na pureza geométrica da grande área, onde não falta sequer o singelo mistério da meia-lua, quarto minguante dos fracos, lua cheia de Leônidas.
Vivi tristezas, vivo alegrias, tenho chorado, já cantei muito, às vezes rezo, vendo a bola correr, na grande área; nem mesmo os sentimentos mais subalternos da alma humana - nem deles a grande área do futebol me tem poupado o coração; já tremi de medo, já odiei, já invejei. A paixão do futebol tem me pesado a vida de tantas emoções que já não tenho mais o direito de lastimar se um dia a morte me queira surpreender no instante de um gol.


(Armando Nogueira)

sábado, 27 de março de 2010

100 anos de Kurosawa: Rashomon e a verdade inatingível

Eu deveria ter uns 19 ou 20 anos quando assisti a Rashomon no cinema. Foi no antigo Cineclube Estação Botafogo, muito antes de virar o complexo de cinemas do Grupo Estação, no Rio e em outros estados. Saí de casa com o tempo bom e durante a viagem de ônibus começou a chover forte. Quando saltei em Botafogo, caía um temporal. Corri para uma marquise e a duras penas consegui chegar até o cinema, todo molhado. Paguei o ingresso como se nada houvesse acontecido, enquanto a bilheteira observava meu estado. Entro no cinema. As luzes se apagam. Constato que o começo da película também mostra uma chuva impiedosa - só que no Japão antigo. Em poucos minutos eu já estava totalmente hipnotizado pela força daquele filme que, em 1951, mostrou o brilho do cinema japonês ao resto do mundo e revelou um cineasta que se tornaria um dos maiores do século XX - Akira Kurosawa.





Os 100 anos que Kurosawa estaria fazendo em 2010 (ele morreu em 1998) estão sendo amplamente comemorados em todo o mundo do cinema. Vários grandes centros já programaram mostras com retrospectivas de filmes do cineasta, o que só demonstra sua importância. Eu poderia falar aqui de várias de suas obras, sua influência em cinematografias aparentemente tão díspares do Japão (como o clássico faroeste "Sete homens e um destino", todos sabemos, foi adaptado de "Os sete samurais"; ou "Por um punhado de dólares", que Sérgio Leone copiou nitidamente do sucesso "Yojimbo"), ou mesmo suas adaptações de clássicos shakespeareanos, como "Trono manchado de sangue" (Macbeth) e "Ran" (inspirado em Rei Lear). Mas vou me deter mesmo em Rashomon e o intrigante debate que o filme oferece: afinal, qual o limite de uma verdade?

Rashomon apresenta logo de cara um assassinato. Através de flasbacks, a trama então mostrará como este crime é relatado por meio de quatro personagens: um lenhador, um sacerdote, um bandido e a esposa de um samurai assassinado. Nenhuma versão entra em sintonia com a outra; todas são contraditórias. Quem ali estaria falando a verdade? Haveria, no entanto, uma verdade inquebrantável neste e em outros casos?

O mesmo pode ser aplicado ao jornalismo moderno e uma de suas principais regras: a objetividade. No jornalismo, a objetividade seria o dever do jornalista de se ater exclusivamente aos fatos, ou melhor, relatar o fato tal qual acontecera. No entanto, se pedirmos a dois jornalistas que apurem a notícia de um crime com testemunhas - tal qual em Rashomon - cada um voltará à redação tal qual os personagens do filme: os dois trarão suas próprias versões da mesma história.

Ou seja, não há verdade absoluta, tanto na arte do cinema como na aparente objetividade dos jornais. O que ocorre é que os jornais vivem de algo que os faz respeitados pelo leitor - sua credibilidade. A capacidade que eles têm de fazer com que seus relatos sejam verossímeis. Para isso já foram inventadas diversas teorias que elevariam a objetividade à uma suposta verdade infalível, como a teoria do espelho - furadíssima hipótese na qual o jornalismo refletiria a todos nós, tal como um espelho, o fato como ele realmente aconteceu.

Hoje, até o ótimo e indispensável "Dicionário de Comunicação", de Rabaça & Barbosa, demostra que a objetividade, na realidade, não existe. E conclui de forma digna: seria muito mais correto os jornais falarem em honestidade de informação do que em objetividade.

Então, sejamos mais críticos com as notícias que os jornais nos levam diariamente. Não digo para que deixemos de acreditar nos jornais; mas sim levarmos em conta que o jornalismo mais sério não está preocupado em impor ao leitor uma suposta verdade que sabemos inexistente. Mas sim apostar em diversos pontos de vista - dando ao fato o direito ao contraditório, ouvindo os dois lados de cada história, outra regra básica do bom jornalismo - para que o leitor tire sua própria conclusão.

Ou seja, como Kurosawa prova em Rashomon, cada um tem a sua própria verdade.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Para o infinito e além: no cinema com Tuco, assistindo a Toy Story

Dia desses eu estava em casa ouvindo na rádio CBN a coluna sobre cinema do crítico Marcos Petrucelli, autor do site E-Pipoca, quando ele perguntou à apresentadora do CBN Total:

- Silvia, você prefere que eu comente primeiro o quê: vampiros ou brinquedos animados?
- Hummmmm. Prefiro vampiros.
- É mesmo? Achei que iria escolher os brinquedos, Silvia. São muito mais divertidos que os vampiros...

Explicando: os vampiros a que o crítico se referia eram aqueles da série Crepúsculo, atual must das adolescentes mundo afora. Já os "brinquedos animados" diziam respeito ao revolucionário desenho animado da Pixar, Toy Story, cujo terceiro longa estreia em junho no Brasil e no resto do mundo. Bem, devo avisar que este blogueiro concorda com Petrucelli: os bonecos de Toy Story -como o astronauta Buzz Lightyear e o cowboy Woody - são muito mais divertidos que os xaroposos vampiros (que as mocinhas não me escutem!) da série criada pela escritora Stephenie Meyer. Ainda mais se você tem um filho de cinco anos e pode experimentar a sensação de levá-lo junto ao cinema, agora para conferir o desenho em 3D.



Quando, em 1995, vi o primeiro filme da série Toy Story, eu disse pra mim mesmo na saída do cinema: taí um filme que quando tiver um filho eu gostaria de levá-lo. Passaram-se 15 anos e cumpri meu desejo, pois mês passado fui com o Arthur (ou Tuco, para os mais chegados) ao complexo de cinemas do Nova América, no shopping de mesmo nome no Rio, para ver o relançamento do primeiro filme da série. Ali, pai e filho juntos, pela primeira vez entramos em contato com a tecnologia 3D, experimentando os tais óculos dentro da sala escura.

Foi uma bela experiência, embora o Tuco, mesmo adorando o filme (saiu do cinema cantando o tema musical "Amigo estou aqui"), só usou os óculos até metade da sessão, preferindo ver o resto do filme sem os apetrechos. "Dá pra ver sem eles, papai", ele disse, e quem sou eu pra discordar.

Duas semanas depois estávamos em outro cinema, na Tijuca, agora com minha irmã, Nanda, e sua filha Julinha, de 3 anos, asssitindo a Toy Story 2. Julinha usou os óculos durante quase todo o filme e, para desespero de minha irmã - que estava adorando a sessão -, pediu pra ir ao banheiro justamente quando faltavam apenas 10 minutos para o filme acabar. Enquanto isso, ao meu lado, Tuco, que dessa vez só usara os óculos nos 5 minutos iniciais do filme, levantava da cadeira e dançava asssistindo à deliciosa cena final, na qual um pinguim antes afônico e, agora, "consertado" e munido de um vozeirão, canta com todos os brinquedos a música-tema.

Pra quem leu até aqui, já sabe que ir com crianças ao cinema é uma experiência e tanto, podendo ser inusitada ou divertidíssima.

E já prometi ao Tuco que em junho iremos de novo ao cinema conferir Toy Story 3, que desponta como um dos longas mais aguardados do ano por crianças, pais e amantes do cinema. Se o primeiro revolucionou a arte da animação ao ser todo feito em computação gráfica e o segundo emocionou a todos com um roteiro nada menos que brilhante; o terceiro, que já está passando em pré-estreias nos EUA, levará o público de volta aos brinquedos muitos anos depois do segundo longa, quando o dono deles, o menino Andy, cresce e vai para a faculdade. O mote, ao que tudo indica, será este: quem será o novo dono dos brinquedos, já que o garoto que outrora passava horas a brincar no quarto com seus bonecos agora tem outros interesses?

Bonecos com crise de consciência? Pode ser, mas não nos esqueçamos que a série Toy Story, embora muito inteligente, é uma comédia infantil. O Cartoon Network (pois é, quem é pai ou mãe e leitor deste blog sabe que as crianças de hoje não vivem sem esse canal) já está passando trechos do filme nos comerciais. Parece que a boneca Barbie, que já fez uma ponta em Toy Story 2, estará de volta, acompanhada desta vez pelo namorado Ken -pelo menos no trailer, em uma cena hilária, ele é sistematicamente avacalhado pelos outros brinquedos por ser considerado "brinquedo de menina".

(Aliás, essa história de sacanear o boneco Ken não é primazia apenas da série Toy Story. Aqui no Rio o cartunista Cláudio Paiva é um que volta e meia adora implicar com o boneco, como num célebre cartum em que Barbie abandona o lar e, ao encontrar uma amiga, diz que saiu de casa porque descobriu que Ken "era boneca". Recentemente, o cartunista voltou à carga, numa hilária fotomontagem com os bonecos - ou bonecas? - originais, em que Ken "invadia" a página do cartunista para reclamar de alguns leitores que estariam duvidando de sua masculinidade, não sem antes apresentar um "amigo" americano com quem estaria morando junto em Tiradentes!).

A estratégia de lançamento dos dois primeiros filmes da série Toy Story teve como novidade a exibição deles no cinema em formato 3D. Sim, novidade, pois nenhum dos dois primeiros longas foi pensado para o formato. Ao que tudo indica, os produtores resolveram aproveitar a onda e "adaptaram" os dois primeiros filmes para as três dimensões, visando atrair novas plateias, como se os filmes tivessem sido feitos ontem (o primeiro é de 1995 e o segundo de 1998).

Nada contra - curti bastante ir ao cinema com meu filho para ver os dois primeiros filmes da série em 3D, ainda que o terceiro - este realmente pensado e feito todo ele segundo a tecnologia - eu talvez prefira conferir nas salas comuns, pois meu filho, como eu disse, anda dispensando os óculos...

O único problema é a possibilidade de os homens de cinema resolverem investir em todo o tipo de filme no formato 3D, apenas para aproveitar a onda. Filmes que não foram pensados para o formato estão sendo convertidos agora apenas para lucrar com a "novidade", que nem é tão nova assim e andava obscurecida até ser resgatada por James Cameron em Avatar, um filme pensado e filmado para sr exibido no formato. Ironicamente, Cameron recentemente reclamou desta febre 3D nos cinemas. Realmente há uma boa diferença em conferir Avatar em 3D nos cinemas, da forma que ele foi idealizado, e pagar mais (sabemos que estas sessões são mais caras) para ver um drama de época ou uma comédia romântica que foram transformados em "películas 3D" por um produtor ganancioso.

A febre do 3D teve um único fator de comemoração louvável: levou muita gente que andava afastada dos cinemas de volta às salas escuras. Mas, se a febre se converter em abuso e mercantilismo desenfreado, farei como meu filho: tirarei os óculos e voltarei para o bom e velho cinema. Aquele que só depende de um bom roteiro, um bom diretor e atores em sintonia para emocionar as plateias.

quarta-feira, 10 de março de 2010

A devassa no comercial da Devassa

No último domingo, durante o programa Manhattan Connection, deu-se um curioso debate. Vamos a ele:

Lucas Mendes: Paris Hilton no centro de uma polêmica. Diogo, você acha que a proibição do comercial da cerveja Devassa abre um procedente?

Diogo Mainardi: Olha, não tenho a menor ideia; mas quem pode explicar melhor isso é o Ricardo, que nunca deu uma "paradinha" naquelas horas...

Ricardo Amorim: Respondo fácil. O procedente que se abriu é que haverá novas propagandas "ousadas". A Conar, ao proibir o comercial que já havia sido visto por 70 mil pessoas na internet, deu um tiro no pé. A essa hora o comercial já deve ter sido visto por mais de 1 milhão de pessoas.

Caio Blinder: O comercial é boçal e a proibição também foi boçal. A que ponto chegamos: a única inocente no episódio é a própria Paris Hilton. Chegamos num ponto de elogiar a Paris Hilton...

Pra quem não leu os jornais nem conferiu o Youtube semana passada (não, não vou linkar aqui o anúncio censurado não...), o papo entre os debatedores do Manhattan era sobre a proibição, pela Conar, do anúncio da cerveja Devassa, estrelado pela americana Paris Hilton. Precedido por uma campanha publicitária em que um homem, à maneira do filme "Janela Indiscreta", observa do prédio em frente com uma luneta o striptease de uma mulher loura (seria Paris ou uma dublê de corpo?), o anúncio veiculado após o preview não mostrou ser mais do que um amontoado de subclichês eróticos, com uma trilha sonora também clichê e tendo Paris Hilton - sinônimo internacional de mulher "devassa" -, como estrela.

Se o Conar ficasse quieto, talvez a propaganda passasse em brancas nuvens. Mas proibiu sua veiculação. Comenta-se que os marqueteiros da Devassa, irritadíssimos com o veto, teriam feito no mesmo dia um brainstorm para mudar o nome da cerveja e contratar outra garota-propaganda, já que tinham gastado aos tubos com a herdeira do conglomerado de hotéis Hilton. O nome "Devassa" teria que ser mudado por outro mais comum. Como já há a concorrente "Leviana", pensaram em "Vadia", depois "Vagabunda" e quase esta última ideia foi em frente, mas alguém salientou que dificilmente alguém se animaria a beber uma cerveja vagabunda..."Devassa", pelo menos, era mais chique e um nome mais "sofisticado".

Só que no dia seguinte à proibição lá estava o link para o vídeo em uma infinidade de sites da internet, até naquele mais "sérios", que ajudaram na mídia espontânea, fazendo do comercial um campeão de vizualizações. Pior para o Conar. Como disse o Ricardo Amorim, espera-se em breve novas campanhas de cervejas e outros produtos "ousados" o suficiente para que sejam proibidos e no dia seguinte virem campeã de audiência.

Sempre antenado, Verissimo notou em sua coluna no Globo a contradição de nossos censores no Brasil, que não deram a mínima para um comercial de cerveja em que o jogador Ronaldo aparecia sorridente , se proclamando "brahmeiro", enquanto proíbem a comercial chimfrim da Devassa. Ora, enquanto Ronaldo engorda e cai de produção a olhos vistos (não se sabe se sua barriga avantajada tem relação com o fato de ele ser "brahmeiro") e a torcida do Flamengo discute os problemas de alcoolismo de seu principal jogador, Adriano, jogadores que deveriam dar o exemplo são tolerados em propagandas de bebida alcoólica. Americanas supostamente devassas não.

Enquanto isso, a "única inocente" na história, a essa hora já está nos Estados Unidos curtindo a grana alta que certamente ganhou aqui nos trópicos. Bem, se somente para "marcar presença" no Sambódromo durante os desfiles de Carnaval a moçoila recebeu R$500 mil, imagino que a peça publicitária tenha chegado perto...

Paris Hilton é uma daquelas celebridades que se tornaram famosas unicamente pela sua notoriedade. É péssima atriz e cantora medíocre. Também é desconhecido qualquer talento inato da moça para outra coisa que não seja aparecer nos tablóides americanos pagando mico ou nas revistas de fofocas brasileiras, também "marcando presença". Sua imagem internacional de devassa pode ser creditada ao vídeo que vazou na internet há alguns anos, onde ela transava com o ex-namorado (as más-línguas juram que ela postou o vídeo da transa de propósito, mas ela nunca admitiu; tampouco negou). Aliás, quem acompanhou a saudosa série Sex & the city deve lembrar-se de um episódio com uma hilária cena, inspirada em Paris Hilton, em que a ninfomaníaca Samantha deixa vazar propositalmente na internet uma transa dela com o namorado mais novo.

Em outros tempos, Paris seria apenas mais uma das garotas loucas pela fama que há no mundo, com o empurrãozinho da fortuna da qual é herdeira - ou vocês acham mesmo que se ela fosse uma devassa sem um tostão estaria em capas de revista? Na cultura das celebridades, o mérito próprio é apenas mais um detalhe para alcançar a fama. Muitas vezes este detalhe nem é considerado.

E, no Brasil, esta cultura pode fazer de celebridades famosas pela notoriedade ícones a favor liberdade de expressão. Como, involuntariamente, Paris Hilton e sua campanha publicitária proibida.

Mas...me perdoe, Caio Blinder, mas não vai ser hoje que eu vou elogiar a Paris Hilton. Talvez outra hora, ok? Outra hora.



segunda-feira, 8 de março de 2010

Dia Internacional da Mulher: Todas elas juntas num só ser

Há um ou dois anos atrás, no fim da tarde, eu estava vindo de Ipanema num micro-ônibus que iria fazer a ligação com o metrô em Copacabana. Na chegada em Copa, o motorista avisou da baldeação e, simpático, desejou um "Feliz Dia da Mulher" à todas as meninas, moças e senhoras dentro do veículo. Elas adoraram e algumas agradeceram ao descer. Deu pra notar a satisfação que muitas carregavam em seus semblantes, orgulhosas de um dia do ano só para elas.

Durante todo o dia de hoje, jornais, rádios, televisões e sites estiveram lembrando desta data. Muitos requentam matérias antigas e continuam mostrando que, apesar de todos os avanços na sociedade, as mulheres continuam ganhando menos que os homens. A sociedade mudou e as mulheres - que ótimo! - estão muito mais independentes, mas em diversas partes do mundo elas continuam sendo subjugadas por regimes opressores e autoritários. Na verdade, por regimes que as temem.

Não quero me perder e correr o risoco de repetir clichês, mas a verdade é que sem as mulheres este seria um mundo muito mais brutalizado e sem poesia. São elas que trazem um mínimo de delicadeza ao nosso tão ordinário cotidiano. Só por isso, merecem comemorar sempre o Dia Internacional da Mulher. Os homens com um mínimo de sensibilidade reconhecem isso. Assim como o motorista do ônibus, que - em meio ao discurso ensaiado aos passageiros repetido mecanicamente todos os dias -, encontrou uma maneira original de lhes dirigir umas poucas palavras de afeto.

Pensei em algumas canções que as retrataram tão bem na música popular e escolhi uma do Lenine, "Todas elas juntas num só ser". Ao retratar as mulheres que se tornaram personagens marcantes na história da música popular brasileira e intternacional, o artista conseguiu homenagear todas as mulheres.

Transcrevo abaixo parte da imensa letra, com um link para ela inteira. Este post também vai para as minhas cinco seguidoras, todas mulheres, que eu não conheço, mas me fazem ter vontade de continuar escrevendo aqui.


Todas elas juntas num só ser

(Lenine/Carlos Rennó)

Não canto mais Babete nem Domingas
Nem Xica, nem Tereza, de Benjor;

Nem Drão, nem Flora, do baiano Gil;
Nem Ana, nem Luiza, do maior;

Já não homenageio Januária;
Joana, Ana, Bárbara, de Chico;

Nem Yoko, a nipônica de Lennon;
Nem a Cabocla, de Tinoco e do Tonico;

Nem a Tigreza, nem a Vera Gata;
Nem a Branquinha de Caetano;
Nem mesmo a linda flor de Luiz Gonzaga;
Rosinha, do sertão pernambucano;
Nem Risoflora, a flor de chico Science;
Nenhuma continua nos meus planos.

Nem Kátia Flávia, de Fausto Fawcet;
Nem Anna Júlia do Los Hermanos.

Só você
Hoje eu canto só você
Só você
Hoje eu quero, porque eu quero, por querer

Não canto de Melô peróla negra;
De Brow e Herbert, uma brasileira,
De Ari, nem a baiana nem Maria;
Nem a Iaiá, também, nem minha faceira;
De Dorival, nem Dora nem Marina;
Nem a morena de Itapoã;
Divina garota de Ipanema;
Nem Iracema, de Adoniram.

De Jackson do Pandeiro, nem Cremilda;
De Michael Jackson, nem a Billie Jean;

De Jimi Hendrix, nem a doce Angel;
Nem Angela nem Lígia, de Jobim.

Nem Lia, Lily Braun nem Beatriz;
Das doze deusas de Edu e Chico;

Até das trinta Leilas de Donato;
E de Layla, de Clapton, eu abdico.

Só você
Canto e toco só você
Só você,
Que nem você ninguém mais pode haver.

(Continua...)