sexta-feira, 21 de março de 2014

A notícia do jornal e a notícia nas redes sociais - e a polêmica do lixo no Rio


Há uma coluna na revista Veja intitulada SobeDesce, cujo objetivo é listar, dentre os assuntos mais comentados da semana ) aqueles que teriam tido uma repercussão positiva (Sobe) ao lado de outros que tiveram repercussão negativa (Desce). Tudo segundo a ótica editorial da revista, ficamos combinados assim. Na edição do dia 12 de março de 2014, a seguinte nota chamava atenção:

DESCE 
Eduardo Paes
Criador de uma multa para quem sujar as ruas, o prefeito do Rio foi flagrado em um vídeo jogando lixo no chão. Ele pediu que fosse multado, mas não assumiu o erro.





Bem, a notícia já está ficando velha, mas as eleições vem aí e a internet está aqui mesmo para que não esqueçamos. Este foi apenas um exemplo da péssima atitude de quem, do alto de sua arrogância, criador de uma multa de mais de 150 reais para quem joga lixo nas ruas (aliás, neste ponto, certíssimo), se acha no direito de fazer em público o contrário do que advoga nas leis. "O prefeito porquinho" foi apenas um dos títulos mais amenos que li aqui na rede, entre comentários no Youtube, Facebook, Twitter e demais fóruns de vozes revoltadas com a atitude.

Como este é um blog que entre outros assuntos discute questões ligadas à Comunicação, vale a pena conferir outra reportagem sobre o mesmo fato - no caso, do site do jornal O Globo, sobre o fato: Vejamos um trecho da reportagem:

RIO - Em meio a uma crise na coleta do lixo na cidade, veio a público, nesta quinta-feira, um vídeo divulgado no Youtube com imagens do prefeito Eduardo Paes jogando uma fruta fora da lixeira. O flagrante foi gravado em fevereiro deste ano, durante discurso do vereador Willian Coelho, em Sepetiba, Zona Oeste do Rio. Antes de resolver o problema do lixão em que se transformou a cidade nos últimos seis dias de greve dos garis, Paes agora tem que limpar o chorume que respingou sobre ele. (Site do Globo, 6/03/2014)


Em meio à péssima repercussão, às desculpas foram hilárias. Primeiro, sua assessoria disse que Paes estava tentando jogar o lixo em direção a uma lixeira, fato facilmente desmontado pelo vídeo. Depois, o prefeito disse que na hora teria jogado o lixo para algum assessor pegar e jogar no lixo. E, por fim, tratou de multar a si mesmo, no valor de R$157,00.  

Tudo isso não teria provavelmente caído no esquecimento se não fosse o Youtube. Sim, a Web 2.0 e todo seu perfil da internet como plataforma colaborativa e de compartilhamento de vídeos, informações etc levou ao estágio de hoje, no qual pessoas antes excluídas do debate público podem se manifestar a partir de seus smartphones, tablets e notebooks. Se há o lado o ruim preconizado por tecnófobos como o polemista Andrew Keen (autor de "O culto do amador"), quando uma enorme quantidade de lixo vem à tona, e em todo lugar surgem os "haters" (literalmente "odiadores", pessoas que se escondem sob pseudônimos para exalar sua raiva a todo tipo de indivíduos, mas com predileção especial a famosos), há também espaço para que outras pessoas - que não sentem medo de mostrar a cara e dizer seus nomes - possam tornar públicas situações como essa do prefeito e diversos outros desmandos do poder público. Sim, não só os jornalistas agora é que são os legítimos representantes da opinião pública. 

Transcrevo abaixo um trecho da crônica "O autor coletivo", presente no livro "Futuros possíveis", de autoria de Ronaldo Lemos, advogado, debatedor do programa "Navegadores" (Globonews) e uma das maiores referências no debate sobre as novas mídias no Brasil e no mundo:

"Esse modelo de produção colaborativa está sendo apelidado de 'web 2.0'. O termo indica o desenvolvimento recente da internet, que potencializa formas de canalizar o trabalho descentralizado de voluntários. Essa nova vertente de produção cultural, ao que tudo indica, veio para ficar. Em tempos nem tão longínquos, um evento como os atentados em Londres, o tsunami na Ásia ou os ataques à Espanha, seriam não só eventos políticos, sociais e econômicos, mas também eventos de mídia. Hoje, a cobertura da mídia tradicional compete diretamente com a cobertura feita de forma descentralizada, por qualquer pessoa. Em outras palavras, a mídia tradicional ganhou um concorrente inédito historicamente: a própria sociedade"    

 Foi a sociedade que vazou o vídeo de Paes no Youtube a lançou o prefeito num inferno astral. Se ele conseguirá reagir e melhorar sua imagem, só saberemos mais tarde. Mas tenho certeza de que a partir de agora ele ficará bem mais precavido. Ele sabe que estaremos de olho, para cada eventual tropeço.  

sexta-feira, 7 de março de 2014

Lides Imperdíveis - Eliane Brum e o louco do metrô


Voltando a série "Lides imperdíveis", Marginal Conservador pede licença para ceder espaço ao texto brilhante de Eliane Brum, que abre a crônica "Escutem o louco". Escrita para a versão digital e nacional do jornal "El País", Eliane disseca o que ela classifica como "momento perturbador" do Brasil - como os recentes linchamentos ocorridos em algumas cidades, ou a vontade de alguns grupos de quererem fazer justiça com as próprias mãos - com o episódio de uma moça que foi empurrada por um homem para dentro dos trilhos do metrô de São Paulo.
Na polícia, foi revelado que o responsável por empurrar a mulher no metrô sofre de esquizofrenia. Louco, na definição vulgar. Mas, pergunta Eliane, seria apenas ele um louco num país em crescente desatino? Preste atenção na cena que abre a crônica, um momento que só repórteres experientes costumam ter a sensibilidade para aproveitar e transformar em jornalismo. Vale a pena ler não só esse lide como a crônica inteira, e depois refletir sobre nosso estado das coisas que tem tomado conta do pais.  


De repente, o taxista aumentou o som da pequena TV acoplada no console do carro. No banco de trás, eu parei de ler e afinei os ouvidos. Era meio-dia da sexta-feira de Carnaval (28/2). O homem que, dias antes, havia empurrado uma passageira nos trilhos do metrô de São Paulo tinha sido preso. A mulher teve o braço amputado. O agressor sofre de esquizofrenia, destacou o apresentador de TV. “Louco”, decodificou de imediato o taxista. Doença triste, disse o apresentador na TV. Ao ser preso, continuou o apresentador, o agressor afirmou que a empurrou porque sentiu raiva. Essa parte o taxista não escutou. Algo lá fora o havia perturbado. Colou a mão na buzina, abriu a janela do carro e xingou o motorista ao lado, que tentava mudar de pista. Perdigotos saltavam da sua boca enquanto ele empunhava o dedo médio com uma mão que deveria estar no volante. Fechou a janela, para não perder a temperatura do ar-condicionado, e voltou a falar comigo. “A polícia tem de tirar os loucos da rua”. A quem ele se refere, pensei eu, confusa, olhando para fora, para dentro. Era ao louco do metrô