terça-feira, 26 de maio de 2009

Wilson Simonal - da glória ao ostracismo, a trajetória de um dos maiores cantores brasileiros

Em pleno começo dos anos 1970 no Brasil, a situação política não era nada boa. O AI-5 chegara em 1968 para instaurar a repressão e legitimar a tortura dentro dos porões do regime militar. Políticos progressistas eram cassados, artistas tropicalistas como Caetano e Gil expulsos do país e, das artes ao jornalismo, a censura mostrava suas garras. A máquina de propaganda do governo clamava solene: "Brasil, ame-o ou deixe-o" e havia toda uma polarização entre setores de esquerda e de direita. Quem se manifestasse neutro era logo tachado de "alienado", um verdadeiro xingamento para a época. Outra acusação à qual ninguém queria estar ligado era a de "dedo-duro" dos órgãos da repressão política. Pois foi justamente uma acusação dessas que caiu como uma bomba sobre os ombros de um dos maiores cantores brasileiros no começo daquela década.

Mesmo com toda a repressão, havia uma genuína alegria vinda de uma bela voz que entretinha os brasileiros pelo rádio, pela televisão e em estádios por toda a América Latina. Não à toa, "Alegria, alegria" (1, 2, 3 e 4) eram títulos de uma série de discos gravados pelo dono dessa voz. Quem cantava essas canções alegres e românticas era um jovem chamado Wilson Simonal. Simonal havia começado a cantar quando ainda servia o exército, nos bailes do 8º Grupo de Artilharia da Costa. Participou do programa de rádio "Os brotos comandam", de Carlos Imperial e trabalhava como crooner em boates de Copacabana quando foi levado pela dupla Miéle e Bôscoli para apresentar-se no Beco das Garrafas, antigo reduto da bossa nova. Daí para a ascenção meteórica foi um passo.

De repente, um lance em falso e Simonal viu toda sua carreira e um futuro promissor irem por água abaixo. Após descobrir um desfalque na sua produtora, o cantor acusou seu contador de tê-lo roubado e, em vez de simplesmente ir à polícia prestar queixa, contratou dois policiais para darem uma surra no funcionário. O problema era que os policiais eram do Dops, a delegacia de repressão política. Rapidamente se espalhou o boato de que Simonal seria um alcaguete do regime militar. O jornal O Pasquim acusou-o de dedo-duro. Começava ali o declínio do cantor.

Seus discos foram retirados de circulação, artistas e amigos começaram a evitá-lo, seus contratos musicais reduziram-se terrivelmente. Anos mais tarde, no final dos anos 80, já debilitado pelo alcoolismo, o cantor desabafou para a esposa: "Eu não existo na história da música brasileira!" A história da ascenção e queda deste grande ídolo popular está contada no filme em cartaz "Simonal: ninguém sabe o duro que dei", dirigido pelo casseta Cláudio Manoel e os cineastas Calvito Leal e Micael Langer.

Para quem se interessa por música brasileira e também pelo comportamento de grande parte da sociedade nos anos 1970, não dá pra perder o filme. Seu maior mérito está em reabilitar o talento de um grande cantor que estava praticamente esquecido. Com o lançamento, muito já se falou e está sendo discutido sobre a trajetória de Simonal. Após uma infância pobre, o cantor viu-se atirado à fama da noite para o dia e aproveitou ao máximo a onda de sucesso, ainda que fugaz. No auge do sucesso, o cantor negro colecionava namoradas louras e tinha três mercedes na garagem (o dono da Globo tinha um). Fazia um estilo por vezes abusado ("eu sempre fui mascarado", diz o cantor numa entrevista a um repórter de televisão no filme), o que incomodava muita gente. Tom Jobim dizia que no Brasil "o sucesso é ofensa pessoal". O cantor pagou por sua vaidade, mas nunca delatou ninguém, e no fim da vida conseguiu provar a verdade. Mas para quê, se ninguém lembrava mais dele - e mesmo aqueles que lembravam insistiam em ignorá-lo?

Por isso, eu queria mesmo era falar um pouco aqui de seu imenso talento como showman (ou entertainner, como os americanos gostam de dizer) brasileiro. Há dúvidas se Simonal foi realmente o maior cantor brasileiro, mas de uma coisa ninguém parece discordar: ninguém conseguia magnetizar de tal forma as plateias em shows como ele.



Dois momentos do filme me pareceram emblemáticos. No começo, quando Simonal, usando uma faixa na testa que mais parecia uma gravata amarrada, faz o Maracanãzinho em peso cantar "Meu limão meu limoeiro", em estado de delírio. A apresentação seguinte - e então atração principal - seria de Sérgio Mendes, que quase cancela sua entrada em cena devido ao sucesso estrondoso de Simonal. Corta para a apresentação do cantor levando a mesma música num auditório mais comportado - mas com a mesma animação do público. Entra em cena o depoimento de Chico Anysio, que diz ter encontrado com o artista calmamente tomando um cafezinho nos bastidores do show. Ao notar a reação espantada de Chico, Simonal teria dito, rindo: "Deixei a plateia cantando o limoeiro lá no auditório e dei um pulinho aqui dentro para um café!" Atitudes de quem comandava a massa como queria.

Ao final do filme, já nos tempos de ostracismo, somos levados ao depoimento dos filhos de Simonal, Max de Castro e Wilson Simoninha, ao revelarem que o artista, quando ia ao show dos filhos, ficava escondido atrás das pilastras para que ninguém notasse que o "ex-delator" estivera ali. Corta para a cena em que Simonal canta um dos seus grande sucessos, "País tropical", de Jorge Ben, para um público reduzidíssimo dentro de um local não identificado de uma cidade do interior. Me lembrou cena do filme "Letra e música", no qual o personagem vivido por Hugh Grant, um ex-componente de uma banda pop de sucesso nos anos 80 e agora no ostracismo, é obrigado a se apresentar em parques de diversões em subúrbios para se manter. Porém, a situação de Simonal era bem pior.

No livro "Chega de saudade", de Ruy Castro, o autor mostra que Simonal era um artista completo já no começo da carreira: "Quando o cantor surgiu no Beco da Garrafas, Simonal era o máximo para o seu tempo: grande voz, um senso de divisão igual ao dos melhores cantores americanos e uma capacidade de fazer gato e sapato do ritmo, sem se afastar da melodia ou apelar para os scats fáceis". Essa capacidade sublime de cantar fácil seduziu não só os brasileiros, mas também cantores americanos, como Sarah Vaughan.





Há alguns anos a TV Globo copiou o modelo de sucesso do American Idol e lançou o programa Fama, um reality-show no qual aspirantes ao estrelato eram submetidos a vários treinamentos e testes para obterem uma melhor performance no palco e conquistarem os jurados. Ao contrário de seu primo americano, até hoje um sucesso na televisão dos Estados Unidos, aqui o Fama não obteve o sucesso de audiência esperado, e só durou duas temporadas.

Talvez a razão do fracasso esteja no fato de que dom e talento são coisas que não se aprendem em casa nem programas de televisão. Simonal tinha talento para cantar e entreter de sobra. Muitas vezes a comunicação com o público dos candidatos no programa global era forçada. Já em Simonal essa interação era genuína (e não é qualquer um que podia se dar ao luxo de deixar o público cantando e sair sorrateiramente do palco para "tomar um cafezinho").

Nos palcos em que se apresentava, Simonal era cantor, ator, palhaço, humorista - um showman. No palco da vida real, foi liquidado por uma patrulha ideológica ávida em atacar o regime militar - e não teve final feliz.

Mas com o sucesso do filme - e para aqueles que nunca ouviram falar neste grande artista - em algum lugar o artista deve estar enfim, rindo, e comandando, lá em cima, um auditório de anjos ao som de "Meu limão meu limoeiro".

Mesmo que por vezes ele saia de fininho, pilantramente, para bater um papo com São Pedro...

segunda-feira, 18 de maio de 2009

De Vanderbilt a Moraes, pouca coisa mudou no trato com o público

Dois momentos históricos distintos. Duas opiniões dramaticamente semelhantes, sobre como poderosos costumam tratar a sociedade a qual deveriam prestar contas:

"O público que se dane!" - William Henry Vanderbilt, empresário americano, 1882.

"Estou me lixando para a opinião pública!" - Sérgio Moraes, deputado do PTB, 2009.

Sigamos com o contexto. O milionário norte-americano Vanderbilt proferiu a infeliz frase no final do século XIX, em meio à emergência de diversas lutas sindicais nos Estados Unidos. A América vivia a consolidação de seu capítalismo. O jornalismo deixava o processo artesanal para abraçar a penny press (imprensa barata) e atingir o grande público. O desenvolvimento industrial propiciou também a formação de massas de trabalhadores e, com elas, as primeiras associações e sindicatos com ideias socialistas, comunistas ou anarquistas. Segundo Maristela Mafei, no livro "Assessoria de imprensa: como se relacionar com a mídia", foi aí que surgiram os primeiros jornais independentes, escritos pelos próprios empregados. Como os grandes empresários não queriam a proliferação de ideias contrárias aos seus interesses, responderam criando os primeiros jornais internos que se têm notícia - os house organs, hoje comuns nas empresas que se preocupam em construir uma boa comunicação interna com seus funcionários.

Mas é claro que nem todos os empresários estavam dispostos a ceder às reivindicações da crescente massa de trabalhadores agora alfabetizados e trabalhando nas indústrias. Por isso, quando questionado e cobrado pela péssima qualidade dos serviços prestados por suas rodovias, Vanderbilt cunhou a frase acima, que entraria para a história ao ilustrar como as empresas lidavam com os interesses do público.

Foi então que alguns homens de imprensa viram que poderiam ganhar um bom dinheiro intermediando as relações entre grandes empresários e a imprensa. Um destes espertos homens foi Ivy Lee, ex-jornalista de economia de Nova York, que criou em 1906 o primeiro escritório de relações públicas a ostentar esse nome. Lee passou a oferecer aos jornais um serviço então inédito: informações empresariais que as próprias empresas autorizavam ser apuradas e divulgadas. Tudo com tratamento jornalístico - ou seja, com credibilidade e o devido interesse público. A informação passada aos meios de comunicação era gratuita e de uso facultativo pela imprensa. Com isso, Lee conseguiu melhorar a imagem antes bastante ruim de seus assessorados.

A partir de então o serviço de RP não parou de crescer e seria usado de forma ideológica nas duas grandes guerras mundiais, estimulando o patriotismo, arrecadando dinheiro para a campanha militar, além de ser usado como máquina de propaganda pelo nazi-fascismo na Europa e outras partes do mundo.

No Brasil, a atividade de assessor de imprensa foi muito criticada até pouco tempo atrás pelos jornalistas dentro das redações. Uma das razões está no período da ditadura militar, no qual a imprensa sob censura recebia uma avalanche de press releases oficiais, com adjetivos enaltecendo o regime e quase sempre sem notícias de interesse público. Uma fase classificada por pesquisadores como releasemania, ou seja, a falta de critério em estabelecer o que seria realmente notícia digna de ser publicada.

No entanto, hoje em dia as assessorias cresceram e se tornaram grandes agências de comunicação. Com o enxugamento das redações, a crise proporcionada pelo aumento do preço do papel e a entrada em cena da internet, além de outros fatores, a influência das assessorias na pauta de um grande jornal aumentou bastante. E a maioria deles realmente não pode mais prescindir deste serviço. O jornalista deixou de decidir sozinho o que é de interesse para a opinião pública e tudo ficou mais complexo.

Voltemos agora ao ano de 2009 e o comentário do nobre deputado Sérgio Moraes, até então um ilustre desconhecido pela opinião pública a que ele raivosamente diz se lixar. Mais de um 100 anos separam a declaração de Vanderbilt do comentário de Moraes, e as décadas que se passaram não foram suficientes para mudar as relações dos poderosos com a sociedade. Com as devidas, exceções, é claro, estas continuaram variando entre o desprezo e o escárnio.

Ao dizer com todas as letras que "estava se lixando para a opinião pública", o deputado pareceu confundir o sentido da expressão "opinião pública". O comentário posterior foi: "Estou me lixando para o que sai nos jornais. Vocês batem, mas a gente se reelege". Opinião pública, devemos explicar ao deputado, não é o que sai nos jornais; opinião pública é o conjunto de opiniões predominantes de uma sociedade. Estas opiniões podem estar em sintonia ou não com o que é publicado nos jornais - este meio de comunicação que ele parece tanto deplorar.

Winston Churchill dizia que não existe opinião pública, e sim opinião publicada. Ótima frase, mas não é bem assim. Há um nítido jogo de interesses em torno da questão. Muitas vezes a opinião da sociedade e dos meios de comunicação andam juntas, outras não. No primeiro caso podemos destacar a instauração do golpe militar em 1964, apoiado pela sociedade, temerosa do "terror comunista", e, também, pela grande imprensa, que não via com bons olhos as inclinações reformistas do governo João Goulart. Jornalistas independentes que ousaram firmar uma posição contrária ao golpe, como Carlos Heitor Cony, ou foram demitidos ou afastados de suas funções. Mas também a opinião pública pode ser contrária àquela dos meios de comunicação, e um exemplo recente é a sempre questionada (pela mídia) ideia de usar o exército para combater o tráfico nas favelas ou "proteger" os morros da violência - atitude apoiada até hoje por grande parte da população. Ou seja, neste caso, opinião pública e jornais estão em lados opostos.

É claro que, ao longo das décadas, movidos por interesses vários, os jornais buscaram estar ao lado da opinião pública, considerando-se como seus legítimos representantes na sociedade. Também é verdade que o assédio de grupos variados aos meios de comunicação só cresce, pois todos querem conquistar a visibilidade - essa palavra tão em moda hoje - só amplificada pelo poder da mídia. A opinião pública é algo difuso, não é facilmente reconhecível, o que a leva a ser por vezes vítima de grupos de interesse que buscam sempre manipulá-la conforme seus reais objetivos. Uma opinião pública bem articulada, no entanto, em sintonia com a mídia, é capaz de derrubar até mesmo presidentes da república. Por isso, há que se pensar duas vezes ao condenar a opinião pública, atitude que faltou ao deputado gaúcho.

No tempo de Vanderbilt a imprensa ainda se encontrava em processo de modernização, daí uma frase insolente como "o público que se dane" não ter tido grande repercussão à época nem causado grandes danos na imagem do empresário. Mas hoje a internet está servindo para dar mais força à opinião do público que o nobre deputado insistem em se lixar. É como escreveu a jornalista Ruth de Aquino em crônica da revista Época,"Quem tem medo da opinião pública?": "agora entrou no roteiro um novo personagem: o rolo compressor da opinião pública virtual e nacional. Nunca antes na história deste país os leitores comentaram tanto e com tanta agilidade. Nunca antes as críticas foram tão contumazes e abundantes. O povo na rua virtual tem empurrado os políticos a recuar de decisões e pensar rápido - às vezes, a se precipitar, como foi o caso do quase desconhecido Sérgio Moraes".

Moraes, constantemente reeleito por via de "currais eleitorais" no Sul, acreditou que podia vangloriar-se ao escarnecer da opinião pública. Seu afastamento do papel de relator do Conselho de Ética no caso do "deputado do Castelo" é um indício que a sociedade está mais alerta, mesmo que a cada dia o número de escândalos nos deixe mais e mais indignados.

Com certeza, há ainda muitos vanderbilts e moraes rondando por aí, que não estão ligando a mínima para a opinião pública. Mas pelo menos a maior participação e interação da sociedade nas críticas virtuais (ou não) demonstra que eles devem agora tomar mais cuidado com suas infelizes declarações falastronas.

Mais interação pode significar maior reação.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

O jornalista e seus pseudônimos - parte 2

Como vimos, o pseudônimo pode ser escolhido pelo próprio jornalista, assim como pode ser imposto por algum editor, ou também ser um recurso para enfrentar censores e adversários protegido por um nome fictício. Aqui mesmo na blogosfera, há uma infinidade de blogueiros que preferem escrever através de pseudônimos. Que o digam nomes como Gravataí Merengue, Nemo Nox e muitos outros.

Zózimo (nome de batismo) deu sorte de possuir um nome "diferente" e que servia para assinar uma coluna social. Já no teatro nomes "comuns" são bastante indesejáveis. Que o digam Ariclenes Venâncio (Lima Duarte), Antonio de Carvalho Barbosa (Tony Ramos) e Arlette Pinheiro da Silva (Fernanda Montenegro). Ou seja, o artista já começa a representar a partir do pseudônimo. Há exemplos também dentro da música popular, é óbvio. Para driblar os censores na época da ditadura militar, Chico Buarque criou a figura de Julinho da Adelaide, que passou a constar como "autor" de músicas em seus discos. Deu tão certo que até hoje há pessoas que confundem quem é quem. Já ouvi mais de uma vez locutoras dessas rádios FMs "adulto contemporâneo" anunciarem: "vocês acabaram de ouvir a música Jorge Maravilha, de Chico Buarque e Julinho da Adelaide"(!).

O uso de pseudônimos na esfera jornalística sem dúvida já rendeu muitas histórios curiosas. Uma delas foi contada recentemente por Luís Fernando Verissimo, em deliciosa crônica reminiscente de seus primeiros tempos dentro de um jornal ("Eu, repórter"). Segundo o cronista, no começo da carreira, quando faltavam artigos para a página de opinião do jornal Zero Hora, ele mesmo os escrevia, usando nomes fictícios: "Certa vez dois dos meus pseudõnimos polemizaram violentamente, pois tinham opiniões radicalmente opostas sobre determinado assunto. Eu também fazia um guia de bares e restaurantes da cidade e vez que outra inventava personalidades que os frequentavam (o conde italiano Ettore Fanfani, o empresário e bom vivant Aldo Gabarito) e davam seus palpites. Quer dizer, nada menos sério e mais longe da reportagem do que minha enclausurada atividade jornalística na época".

Outra história, ainda mais divertida. Em recente ciclo de debates sobre Jornalismo Literário no CCBB do Rio, com as presenças de Luiz Carlos Maciel e Matinas Suzuki, Maciel contou que nos anos 1960, na Bahia, ele, Glauber Rocha e João Ubaldo Ribeiro criaram Galileu, um personagem dado a escrever artigos opinativos e provocadores. Galileu (esqueci o sobrenome, mas como é fictício mesmo, vamos adiante) adorava polemizar com intelectuais baianos e até mesmo com outros articulistas do mesmo jornal. Para se ter uma ideia do clima de galhofa, uma vez, Glauber cismou em fazer uma citação do filósofo Hegel, em alemão. Único problema: nenhum dos três falava o idioma. Então, Glauber e Maciel perguntaram a Ubaldo se ele tinha algum livro, texto ou artigo escrito em alemão em casa. "Não tenho!". Disseram então que servia qualquer coisa. Depois de pensar um pouco, João Ubaldo disse:

- Até tenho algo escrito em alemão em casa. Mas é o Manual da Wolkswagen...
- Serve!!!, responderam juntos Glauber e Maciel.

Foi então que a Bahia acordou no dia seguinte com um artigo do polemista Galileu no qual, para variar, esculhambava com a intelectualidade local, citando "Hegel" - na verdade, trechos de um manual alemão ensinando como usar um fusca....

Perguntado se ninguém descobriu a galhofa, Maciel, rindo, disse apenas: "Acho que naquela época ninguém falava alemão na Bahia!"

Como vimos, todos aqueles que já usaram pseudônimos tem uma boa história pra contar. Qual a sua?

segunda-feira, 4 de maio de 2009

O jornalista e seus pseudônimos - parte 1

"Por mais incrível que pareça o meu nome é Pelópidas. Meu nome de batismo é Pelópidas Guimarães Brandão Gracindo. Segui a vida inteira carregando o nome de Pelópidas, no colégio, na faculdade...até que resolvi entrar para o teatro. E no teatro, "Pelópidas Gracindo" soava muito mal, ninguém realmente acertava o meu nome. Me chamavam de "Zé Lopes", de "Petrópolis" e, uma vez, uma empregada me chamou de "Envelope". Foi então que eu resolvi definitivamente tirar o Pelópidas e colocar um nome simples: Paulo"

O trecho acima faz parte do ótimo documentário em cartaz "Paulo Gracindo: o bem amado", sobre um dos maiores artistas brasileiros, cuja trajetória se confunde com a história da comunicação de massa no Brasil durante o século XX. Paulo Gracindo trabalhou nos anos 1940 na Rádio Nacional (a Rede Globo da época), atuou em grandes filmes, como "Terra em transe", e fez participações inesquecíveis em várias telenovelas. Será que se ele mantivesse o nome de batismo "Pelópidas" teria conquistado tanta fama entre os brasileiros? Isso me faz lembrar que, também entre os jornalistas, o uso de pseudônimos é uma prática recorrente, ainda que por motivos diversos.

Vamos lá. O que teriam em comum nomes como João do Rio, Artur da Távola e Stanislaw Ponte Preta? Bem, além do fato de que os três escreveram durante muitos anos na imprensa, Paulo Barreto, Paulo Alberto Monteiro de Barros e Sérgio Porto escolheram, em determinada fase de suas carreiras, escrever através de pseudônimos - e foi com os nomes escolhidos que eles se consagraram no jornalismo brasileiro. Muitos escolhem pseudônimos pela imponência do nome ("Artur da Távola" realmente chama bem mais atenção do que Paulo Alberto, não é mesmo?); outros por pura gaiatice ou desculpa para assumir uma personalidade humorística (no caso de Stanislaw). E também temos aqueles nomes que brotam na redação e o jornalista nem escolhe, como foi o caso de um jovem e talentoso cartunista mineiro chamado Henrique Filho, que ao dizer seu nome ao editor do jornal Estado de Minas, o escritor Roberto Drummond, ouviu: "Esse nome não dá!". Depois, Drummond apenas juntou as primeiras três letras do nome e sobrenome do jovem e inventou o pseudônimo daquele que seria um dos grandes gênios do desenho brasileiro: Henfil.

O Brasil tem uma longa tradição de uso de pseudônimos na imprensa. Vejamos; Em 1808, há o surgimento do primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense, de Hipólito da Costa, o qual, devido à censura, era editado em Londres e chegava ao Brasil clandestinamente. No mesmo ano, temos a instituição da Imprensa Régia e a fundação da Gazeta do Rio de Janeiro, jornal pró-monarquia, que obviamente só publicava o que interessava ao governo português. Nada se imprimia sem a censura prévia do governo, até a divulgação do Decreto Regencial de 1822, no ano da independência. A partir daí, a história brasileira verá o surgimento de uma série de jornais radicais e panfletários. Eram pregadores que escreviam dentro do estilo que predominou no jornalismo político da primeira metade do século XIX. Entre os donos destes panfletos (também chamados por mais de um pesquisador de "jornais incendiários") estavam políticos que usavam seus jornais como libelos para trocar acusações e desaforos com seus adversários. Foi a época dos “insultos impressos”, na definição da historiadora Isabel Lustosa.

Um exemplo. O que diriam da autoria deste desaforo: “O senhor há de ferver em pulgas!”; ou desta série de insultos, “Testa-de-ferro dos atrapalhadores da causa basílica, pedante, pedaço d’asno maroto, pé-de-chumbo, inchado, bazófio...”. Todos eles foram escritos por Dom Pedro I, através de pseudônimos para atacar figuras da oposição. O nível do discurso chegava aos insultos pessoais, "às vezes de uma virulência destruidora só possível em um momento de indefinição política", lembra Silvana Gontijo, no livro "O mundo em Comunicação: "a imprensa se fez independente antes do próprio país, mais por falta de regras para o jogo democrático do que pelo esforço, através da pressão cidadã, para conquistar instrumentos legais que garantissem a liberdade de imprensa”.

Já no século XX, uma classe de jornalistas iria abusar dos pseudônimos na imprensa: os colunistas sociais. Era quase uma norma dentro do estilo a escolha de um nome "literário", "importante", uma alcunha que chamasse a atenção logo de cara. Colunistas eram vistos por muitos de seus pares e leitores como senhores "afetados" e especialistas em frivolidades. O criador da moderna coluna social brasileira, em 1945, Manuel Bernardez Müller (apelidado Maneco Müller pelos coleguinhas) ao ser convidado para escrever uma coluna social no extinto Diário Carioca, teria ouvido esta proposta do editor:

- Você vai trabalhar como cronista social.
- Não quero. É coisa de viado.
- Só temos este cargo.

Após pensar um pouco, Maneco topou a empreitada, mas para se proteger da avacalhação geral, impôs uma condição: escreveria sob pseudônimo. O jornalista escolheu então um personagem de Eça de Queiróz - Jacinto de Thormes - para assinar a coluna. Foi um sucesso estrondoso. Mais do que escrever uma coluna social, Maneco criou um personagem. Enquanto o autor da coluna era um jovem que adorava futebol e boxe, cosmopolita e com amigos em todas as camadas sociais, Jacinto era petulante, blasé, esnobe e dono de uma ironia cortante. Num tempo em que não havia televisão, em que o termo "celebridade" nem era comum, Jacinto dava destaque às figuras da emergente burguesia que surgia com a industrialização levada a cabo pelo governo Vargas - uma classe que começava a deixar de lada os perfumes franceses pelas delícias de consumo made in USA, como Cadillacs, produtos de "matéria plástica" (grande novidade à época), o cinema de James Dean e Brando, o rock n' roll petulante de Elvis e Chuck Berry. Gostava de realçar o sobrenome dos colunáveis no texto ("Jorginho, que também é Guinle"), mas ao mesmo tempo provocava a burguesia ao eleger, por exemplo, o sambista Ataulfo Alves entre os "dez mais elegantes do ano". Ao lado da coluna, havia uma caricatura de um homem em trajes de pijama e fumando um cachimbo - os leitores achavam que se tratava do próprio Maneco. Possuía ainda um cachorro - personagem real de suas crônicas - chamado William Shakespeare Júnior - que de tão famoso virou capa de revista. Vale a pena uma visita ao site do jornalista Geneton Moraes Neto, que conseguiu entrevistar o lendário colunista.

Maneco não era um deslumbrado com os jantares e recepções que deveria cobrir (só aceitou a coluna por causa do salário): anunciava a festa que deveria ir e concluía com um "depois eu conto"...que nunca contava! Mas, ao mesmo tempo em que debochava das figuras do high-society carioca, encontrava tempo para frequentar o Senado e a Câmara dos Deputados (lembremos que o Rio da época ainda era a capital da República) e, aos poucos foi inserindo notinhas sobre política, economia e até esportes em sua coluna. Maneco criou um embrião das modernas colunas jornalísticas brasileiras, hoje entre os espaços nobres dos jornais diários. Ajudou a revolucionar a imprensa, mas nunca conseguiu se desvencilhar do pseudônimo que o acompanharia como uma sombra pela vida inteira.

O pseudônimo é capaz de se incorporar à figura do jornalista de tal forma que alguns lutam para se verem livre dele. O colunista Zózimo, titular da coluna Carlos Swann (personagem inspirado em Proust), do Globo, ao aceitar a oferta de assinar uma coluna no Jornal do Brasil com seu nome, ouviu de Roberto Marinho: "Mas meu filho, você está prestes a fazer uma grande tolice. Todo mundo sabe quem é Carlos Swann e ninguém sabe quem é Zózimo". Ao que o colunista respondeu: "Dr. Roberto, o senhor está me dando um ótimo argumento a meu favor: está na hora de as pessoas saberem quem é Zózimo Barrozo do Amaral".

Ironia dos pseudônimos. Enquanto o jovem Pelópidas trocava de nome para conhecer a fama, o jovem Zózimo apostava todas as suas fichas em seu nome de batismo para assinar uma coluna. Aliás, pensando bem, "Pelópidas Gracindo" é um nome que poderia funcionar muito bem assinando uma coluna social...