segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Essa música me lembra uma história - "Jornal da morte", Roberto Silva


Esse é mais um daqueles posts que deveriam ter sido publicados em 2012. Mais precisamente na semana do dia 9 de setembro, data em que faleceu aquele que foi um dos nossos maiores sambistas, o "Príncipe do Samba" Roberto Silva. Roberto foi um grande cantor e um dos pouquíssimos a quem eu tive a oportunidade de conhecer pessoalmente. A história eu divido com vocês aqui.

Aconteceu de forma bastante prosaica. Um dia, eu estava o salão de barbeiro, folheando os jornais, à espera de minha vez de cortar os cabelos, quando mal notei a chegada de um senhor bastante alinhado, que cumprimentou os barbeiros e sentou-se. Sua presença teria sido por mim ignorada não fosse o meu barbeiro, que, ao vê-lo, falou: "grande Roberto Silva!". Olhei mais atentamente e o vi. Era ele mesmo, o sambista admirado por ícones como Caetano Veloso, Paulinho da Viola e João Gilberto, sentado pacientemente num banco do salão para cortar o cabelo. Mas antes que eu explique melhor como o conheci, conto primeiro dois momentos especiais nos quais a presença e a música de Roberto Silva me marcaram.

Em 2002, há pouco mais de 10 anos, um espetáculo musical fez muito sucesso no Rio de Janeiro. Intitulava-se "O samba é minha nobreza" e chamava a atenção pelo local onde era encenado (um cinema no Centro do Rio, o tradicional Odeon) e o horário (de segunda à sexta-feira, ao meio dia). Além disso, o preço era por demais convidativo pra quem gostava de samba: apenas 2 reais! Não é preciso dizer que o cinema lotava todos os dias. Era um espetáculo produzido pelo craque Hermínio Belo de Carvalho e contava com um time de respeito de grandes sambistas, como a cantora e pesquisadora Cristina Buarque, Pedro Miranda, Pedro Paulo Malta, Mariana Bernardes e Nilze Carvalho. No entanto, uma figura se destacava em especial. Sim, ele mesmo: Roberto Silva, que entrava em cena lá pelo meio do show e encantava a plateia sambando e cantando divinamente. Roberto já tinha mais de 80 anos na época, e foi destaque em diversas coberturas da imprensa por sua desenvoltura no show. Ali, pela primeira vez, vi de perto o grande sambista.

Mais tarde, alguns anos depois, fui conferir no CCBB do Rio uma peça teatral sobre o jornalismo dos anos 1950, da qual não me lembro bem o nome, creio que era "Notícias populares". O texto trazia um interessante contraponto entre um jornal popular e sensacionalista e outro mais político. O que me marcou foi logo no começo, quando após ser dada a notícia da morte de uma dama da sociedade, ecoava pelos alto-falantes o samba "Jornal da morte", sucesso de Roberto Silva dos anos 60, cujo verso do letrista (e grande cronista social da música) Miguel Gustavo - "espreme que sai sangue" - inspirou até o título de uma dissertação de mestrado (e depois livro) sobre o sensacionalismo na imprensa.

Jornal Da Morte
Roberto Silva, Miguel Gustavo

Vejam só esse jornal, é o maior hospital,
porta-voz do bang-bang, e da policia central...
Treslocada, semi-nua, jogou-se do oitavo andar,
porque o noivo não comprava maconha pra ela fumar.
sangue, sangue, sangue...

Um escândalo amoroso com as fotos do casal,
um bicheiro assassinado em decúbito dorsal,
cada página é um tiro, um homem caiu no mangue,
só falta alguém espremer o jornal pra sair sangue,
sangue,sangue, sangue....


Foi amor à primeira audição. A música era uma crônica que mesclava manchetes de jornais populares e jargões utilizados pelos jornalistas da época, os famosos lugares-comuns tão abominados pelos cultores da objetividade jornalística. Eu mesmo, que nem era nascido em 1961, quando o samba foi lançado, perdi a conta de quantas vezes li em jornais ou ouvi no rádio que alguém tinha sido encontrado morto em "decúbito dorsal"...parecia que ficava mais bonito o sujeito morrer em decúbito dorsal do que...ora, de bruços mesmo (nada impactante para um jornal sensacionalista).

A música casava bem com o espírito da peça. Havia um diálogo hilário entre um jornalista do jornal popular e um outro, do jornal mais "sério", cujo dono era nitidamente inspirado em Carlos Lacerda. Em determinada cena, alguém perguntava aos dois:

- Pra vocês, o que é o melhor para se fazer um bom jornal?
- Procurar a verdade custe o que custar, isenção e objetividade. (jornalista "sério")
- Sexo, macumba e violência (jornalista "popular")

Aos alunos de comunicação que eventualmente param por aqui, essa é pra vocês...



Dali em diante, sempre que ouvia algum samba de Roberto Silva, parava para escutar. Mal sabia que na virada do milênio, iria conhecê-lo mais de perto. Morador de Inhaúma, na Zona Norte do Rio, Roberto Silva cortava o cabelo mensalmente no mesmo salão em que eu também frequentava, em Olaria. Naquele dia em que eu primeiramente o vi, não tive coragem de me apresentar. Em outra ocasião, comentei com meu barbeiro que o admirava muito, e contei a história do show no cinema, em 1992.

Meu barbeiro deve ter guardado o que lhe contara, pois algum tempo depois eu estava na cadeira de barbeiro quando Roberto Silva entrou, sentou e começou a conversar. Meu barbeiro falou que o conhecia, e me apresentou a Roberto, que apertou minha mão com um grande sorriso. Naquele dia, uma manhã especial no subúrbio carioca, Roberto sentou no banco e, enquanto esperava sua vez de cortar os cabelos, contou-nos várias histórias de seu tempo, e ele tinha muitas...

Infelizmente aquela foi a primeira e última vez em que o vi. Depois desse dia, toda vez que ia ao barbeiro, torcia para encontrá-lo, mas não tive sorte. "Ele esteve aqui ontem", me diziam; "Deu azar", falavam.

Pouco antes de morrer, segundo me contaram no salão, Roberto andava meio melancólico. Um grande amigo morrera, e ele aparecera no salão abatido. "Estão todos indo...só me resta ir também", dizia. Quem me contou foi meu barbeiro, pouco depois de sua morte. Lembramos do grande cantor e eu recordei ali de um fato que lera no jornal. Dois ou três dias antes de falecer, já bem doente, reuniu os familiares na sua casa e ali, sutilmente, se despediu de todos.

Grande Roberto...até na morte ele foi elegante. Merecia de fato o título de "príncipe do samba".


*Em tempo: "jornal da morte", o samba que motivou este post, foi gravado recentemente pelo Casuarina e também pelo Nação Zumbi, provando a muitos que vale a pena ouvir sempre Roberto Silva. Procurem no Youtube.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Uma ou duas coisas sobre os recadinhos deixados nas provas...

Ah, as férias! Época de se desligar do trabalho e aproveitar bons momentos juntos à família, filho, namorada, amigos etc. No entanto, há aqueles dias em que você se vê preso dentro de casa, pois estamos no meio da semana e lá fora cai uma baita pancada de chuva, dessas típicas do verão. É quando lembro que há muitas coisas a serem arrumadas dentro de casa. Um sem-número de papéis que já deveriam estar no lixo, recortes feitos durante o ano que devem ser catalogados, livros e CDs novos que por falta de tempo não mereceram um lugar na estante própria e muito mais. Pensando bem, é trabalho para mais de uma tarde de verão.

Começo pelas pastas com as disciplinas que leciono. Passo a vista em algumas provas aplicadas e lembro de dezembro, a temporada das provas finais. Curiosamente, é a época na qual vários alunos, no afã de conseguir um boa nota e passar de ano, deixam nas provas (às vezes no verso, às vezes no rodapé), recadinhos para o professor. Pois bem: selecionei alguns destes originalíssimos "recados de fim de prova" e ao fim deu para elaborar alguns perfis típicos. Entre estes estão...


- a fofa: a aluna que desenha uma carinha feliz na prova antes de entregar ao professor. Quando a prova é péssima, dá vontade de desenhar uma outra carinha...desta vez, nervosa.

- o desleixado: o aluno que rasura uma questão quase inteira e escreve: "Desculpe pela rasura, professor...a letra certa que eu queria marcar é a A".

- a puxa-saco: "Querido professor, espero que o senhor corrija minha prova com o mesmo carinho com que eu a fiz (muito!). Obrigada, beijos e Feliz Natal! De sua aluna querida, Vitória" Em volta da mensagem, coraçõezinhos.

- a bajuladora: "Professor, o senhor sabe que TE AMO, né mesmo? rs. Corrija com carinho e um ÓTIMO Natal"

- o prático (e confiante): "Professor, corrija tranquilo, preciso tirar 4 pra passar, espero ter mandado bem. Abraço"

- a religiosa: "Professor, o senhor tem Jesus no coração? Se tem, então corrija com muito carinho a minha prova, tá bom?

Esta última acabou realizando uma prova ruim. Como resposta ao recadinho, pensei em respondê-la desta forma: "Sim, querida, eu realmente tenho Jesus no coração! Tanto é verdade que o consultei antes de dar a sua nota, e ele, após checar a prova, me respondeu que para tirar uma boa nota você deveria não só orar, como também estudar". Porém, acabei desistindo da ideia, ao lembrar que certos alunos desconhecem o alcance de uma ironia... Bem, dá pra ver que depois desses recadinhos pra lá de agradáveis, o que eu mais preciso por enquanto é continuar de férias...até o próximo post.