quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Para fechar bem o ano: Beatles!

Em todo o mundo, é uma tradição nos meios de comunicação recapitular os momentos mais importantes daqueles 365 dias que se foram. Daí a avalanche de retrospectivas, seletivas, momentos bons e ruins, grandes perdas, grandes talentos que surgiram, os campeões do esporte, os melhores nas artes etc. Hoje em dia, com a velocidade dos acontecimentos e a nova gama de informações, multiplicada pelo advento da internet, entramos num paradoxo: há muito mais informação disponível e muito mais espaço para levar ao público sua arte; porém, é cada dia mais difícil o surgimento de um talento que arrebate as multidões e promova uma revolução musical e comportamental entre os jovens. A morte de Michael Jackson, que com certeza será lembrada em todos os programas retrospectivos mundo afora, marcou também o fim de uma era: a do artista como um revolucionário que muda a cultura de sua época e vende milhões de discos. Hoje, vivemos a cultura do download musical e por enquanto não há certezas sobre o futuro do mercado de discos.

Este cenário musical de 2009 marcou também o relançamento - pela primeira vez remasterizados dignamente - de todos os CDs (originalmente lançados como LPs) dos Beatles, a banda mais revolucionária do rock. Comemorou-se também os 40 anos do lançamento, em 1969, da obra-prima "Abbey Road", o canto de cisne dos quatro de Liverpool. Num tempo em que qualquer um pode gravar um disco dentro de seu quarto ou garagem e depois lançar na internet, é sempre bom lembrar de artistas que com seu talento proporcionaram arte duradoura e, por que não, eterna.

As comemorações pelos 40 anos de Abbey Road foram muitas. De minha parte, vou transcrever um trecho da entrevista concedida aos repórteres americanos à época da primeira viagem dos Beatles aos Estados Unidos, em 1964, quando o grupo definitivamente conquistaria o mundo. São momentos que mostram todo o humor, ironia e non-sense de artistas em processo de amadurecimento.



Deslumbrados com o sucesso, sim, mas conscientes do poder da música no mundo do entretenimento, os quatro integrantes da banda respondem e cutucam jornalistas que insistem em fazer perguntas idiotas ("vão cortar o cabelo?"). Era já um prenúncio da cultura de celebridades que estava por vir - mais preocupada com a imagem e fofocas do que com arte. Segue o trecho, retirado do livro de Roberto Muggiati "A Revolução dos Beatles".

"A conquista do planeta começou mal, numa apresentação de aquecimento no Cinema Cyrano, de Versalhes. No dia seguinte, tinha início a temporada parisiense no Olympia. Os rapazes dividiam o cartaz com Triny Lopez e Sylvie Vartan, sem ter ficado claro qual era a atração principal, embora os Beatles tivessem fechado os dezoito shows(...). No meio de tudo isso, na volta ao hotel pela madrugada, um telegrama trazia a boa nova: nos Estados Unidos, o compacto "I wanna hold your hand" pulava do quadragésimo terceiro lugar para o primeiro nas paradas. Em três dias, vendeu 250 mil cópias; a 10 de janeiro tinha chegado a um milhão e no dia 13 vendia 10 mil cópias por hora, só na cidade de Nova York. era tudo que Brian [o empresário] e os rapazes precisavam para tomar de assalto a América.
No dia 6 de fevereiro, eles embarcavam no Boeing 707 da Pan American PA 101, o avião cheio de jornalistas e homens de negócios que assediavam Brian Epstein com propostas de marketing, merchandising e coisas mais para faturar em cima do sucesso dos Beatles. Na sexta-feira, 7 de fevereiro, os Beatles pousavam no Aeroporto Internacional de Nova York, recém-batizado de John F. Kennedy. A expectatica da chegada (THE BEATLES ARE COMING! era o grito de guerra) ultrapassava tudo o que Brian e os Beatles poderiam imaginar.
Uma agitada multidão de jovens aguradava no aeroporto. Ao contrário da bem-comportada coletiva antes do embarque em Heathrow, em Londres, um turba agressiva de repórteres e fotógrafos assediava os Beatles na sala de imprensa do aeroporto. Foi John que colocou ordem nos trabalhos com um sonoro Shaaaaaaarup!
- Que acharam da recepção? - perguntou um repórter.
- Então isto é a América - falou Ringo, encarando a plateia. - Parece todo mundo doido...
- Vão cortar o cabelo? (risos gerais)
- Acabei de cortar o meu ontem - disse John.
- Vocês fazem parte de uma rebelião social contra a geração mais velha?
- É uma mentira deslavada.
- E a campanha em Detroit para acabar com os Beatles?
- Estamos em campanha pra acabar com Detroit - disse Paul.
- O que é que vocês fazem quando estão ilhados nos quartos de hotel entre os shows?
- Fazemos patinação no gelo - respondeu George.
- Pretendem levar algo de volta com vocês?
- O Rockfeller Center.
- Que acham de Beethoven?
- Adoro ele - disse Ringo - especialmente seus poemas.
E por aí foi."


Um feliz 2010 para todos nós.


"O que acha que estará fazendo daqui a 20 anos?"
"Talvez tendo que responder a perguntas iguais a essa".

(Entrevista com Keith Richards, no filme "Shine a Light")

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

É Natal!!!

Então é Natal!!! Marginal Conservador confessa que fica mais sentimental e confiante na humanidade (só um pouquinho) nesta época do ano. É época de confraternização, renovar desejos de felicidade, reencontrar antigos amigos, parentes (e presentes) inesperados, comer rabanadas, pernil e tomar bons vinhos...Enfim, é época de esperança e união.

Desejo a todos que passaram por aqui um Feliz Natal. Como este blog é feito por um pai, fã da sétima arte, que adora levar o filho ao cinema, deixo com vocês um curta-metragem delicioso. Trata-se de "Uma missão de Natal", estrelado pelos adoráveis (e, de vez em quando, um pouquinho sádicos...rs) pínguins do filme "Madagascar" - decididamente meus personagens preferidos entre os bichos da série de desenhos animados.

Fica a lembrança de uma passagem de ano com muita paz e bom humor a todos nós. FELIZ NATAL!!!

domingo, 20 de dezembro de 2009

Viva Villa!!

Sábado, 19 de dezembro, 16 horas. Em toda a cidade do Rio de Janeiro uma multidão se esforça para realizar as últimas compras de Natal. Paro e reflito: o que faz um pai separado, que naquele dia exato se encontra com filho e afilhado, ávidos por diversão e aventura? Vai ao shopping? Não!!! Embrenha-se no Mercadão de Madureira ou ao Saara? Nem pensar - seria muita tortura para os pequenos. Uma dica preciosa surge no sábado pela manhã: o concerto "Villa in Concert", com a Orquestra Villa-Lobos e as Crianças, no belo espaço ao ar livre do Arquivo Nacional. Ali, jovens de várias comunidades cariocas se encontram para tocar e encantar a plateia com músicas para crianças compostas pelo maestro Heitor Villa-Lobos. Se valeu a pena? Bem, continue lendo.




Chegamos cedo ao local. Depois de uma manhã chuvosa na qual tudo parecia desandar, felizmente o sol se abriu no começo da tarde. Enquanto membros da orquestra afinavam os instrumentos e esperavam o público chegar, conferimos a exposição Viva Villa!, que contextualiza a vida e a obra de Heitor Villa Lobos, desde seu nascimento, no final do século XIX, até a morte. Objetos pessoais do maestro, partituras das Bachianas Brasileiras, uma reprodução fiel do ambiente de composição de Villa, está tudo lá. Chama a atenção um imenso mural com a foto de mais de 40 mil pessoas - estudantes, professores e músicos - no estádio de São Januário, sendo regidos num canto de coro orfeônico por Villa Lobos na década de 1940. Digo ao Arthur, meu filho, que aquele é o estádio do Vasco, o time do papai. Ele pergunta por que não foi no estádio do Fluminense, time pelo qual torce, e eu dou um sorriso. Explico que na época não havia nem o Maracanã, e o estádio do Vasco era então um dos maiores do Brasil. Villa sonhava em ver todas as crianças brasileiras aprendendo música nas escolas, e a notícia recente de que as aulas de música serão obrigatórias nos próximos anos é algo animador. Ouvir música é ótimo; conhecer música é ainda melhor.

Mas o que encanta mesmo os pequenos é o segundo segmento da exposição, intitulado "Trenzinho Caipira". Ali, numa adorável atmosfera lúdica, caminhamos por dentro de vagões cenográficos, ambientados a partir de passagens da vida do maestro. As crianças conferem as imagens projetadas pelas janelas do trem - como em pequenos cineminhas, somos brindados com cenas do universo musical do maestro e dos lugares em que eles esteve - Sertão, Paris, Brasil, Amazônia e Nova York. Villa era um cidadão do mundo, e as poltronas e projeções dos vagões daquele trenzinho adorável nos levaram, ainda que por alguns minutos, a embarcar nesta viagem.

Chega o grande momento. A Orquestra já está a postos. Meu filho quer água. O outro pede pra ir ao banheiro. Não dá pra ser depois? Correria. Mas dá tempo pra fazer tudo e ainda achar lugares vagos (azar de quem preferiu as compras de última hora...rs). As crianças ainda ganham pipas com a inscrição Viva Villa e ficam contentes.

À frente dos jovens, o maestro Sergio Barboza dá início aos trabalhos. Há ali crianças de São João de Meriti, Belford Roxo, Nova Iguaçu, São Gonçalo, Santa Tereza, Morro Dona Marta etc. Talentos que o Projeto Villa-Lobos foi buscar em toda a região metropolitana do Rio de Janeiro.

Ao longo da apresentação, diversos clásicos são levados ao público: "Cantar pra viver", "O Trenzinho do Caipira", "Pastorzinho-Bela Pastora", "O Cravo Brigou com a Rosa", "O Canto do Pajé" e muitas outras. O maestro alterna a regência com momentos em que conta à plateia histórias das composições e dos ritmos colhidos por Villa em suas andanças pelo Brasil. Somos brindados com baião, samba, frevo e até um pequeno momento de funk carioca em meio aos clássicos. Villa provou e sorveu de inúmeros ritmos populares brasileiros. Como o maestro conta, quando bem usados, todos os ritmos servem à fruição musical.

Enquanto os mais velhos ouvem respeitosamente as músicas (alguns, é verdade, viram crianças, batem palmas, cantam junto e pedem bis), as crianças menores - algumas, como é o caso do meu filho, afilhado e sobrinha, todos assistindo pela primeira vez a um concerto -, reagem entre a curiosidade, o encanto e a dispersão. Arthur, com 4 anos, faz perguntas sobre os instrumentos ("qual é aquele grandão no colo da garota, papai?", sobre o viooloncelo), assiste com atenção ao "Trenzinho", mas no meio do show já está correndo com a prima de 2 anos, Juju, nos arredores do belo jardim do Arquivo Nacional. O afilhado, com 8 anos, dispensa a correria e assiste até o fim.

No final, ainda sobra tempo para ouvirmos Pixinguinha, Guerra-Peixe e Tom Jobim. E o bis traz "Vassourinha" e "O Canto do Pajé".

Saímos satisfeitos e felizes do Arquivo Nacional, com a certeza de uma ótima tarde de dezembro. Foi a primeira vez que meu filho entrou em contato com a música de Villa Lobos, e fico contente. No carro, minha irmã pergunta a ele se gostou do concerto. "Gostei, mas gostei mais de correr com a Juju nos jardins!!"

Bem, pra uma primeira vez, tenho certeza de que valeu a pena. Arthur está sintonizado com a época. Realmente dezembro é um mês de correria, não é mesmo?

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Levante sua voz!

"Os seres humanos são animais mamíferos, bípedes, e que se distinguem dos outros mamíferos, como a baleia, ou bípedes, como a galinha, principalmente por duas características: o tele-encéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor"
(Ilha das Flores, o filme)

Em 1989, o público brasileiro conheceu um pequeno filme, que mostrava de forma irônica e por vezes ácida, o trajeto de um tomate, desde a plantação até o momento em que é jogado fora e é disputado por porcos e homens. "Ilha das Flores" era nome do filme e seu diretor, Jorge Furtado. O impacto foi enorme e em 1995 ele seria eleito pela crítica europeia como um dos 100 melhores curtas do século XX.

Recentemente, o cineasta Pedro Ekman repetiu a famosa estrutura documental de Ilha das Flores e "remontou" "Ilha das Flores", prestando uma homenagem ao já clássico curta-metragem. O resultado é o vídeo "Levante sua voz", produzido pelo Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação Social. Agora a temática não é o destino de alimentos e a crítica à sociedade de consumo. Ekman toma emprestado a ironia e a acidez do filme de Jorge Furtado para criticar a concentração de poder pelos meios de comunicação no Brasil. Como este é um blog voltado principalmente para assuntos ligados à comunicação, vale (muito) a pena conferir o filme.

Não deixe de ver. Chame seus amigos, sua esposa ou namorada. Se tiver filhos adolescentes, faça com que assistam também. Enquanto políticos de Brasília andam às voltas com panetones superfaturados, mensalões e corrupção desenfreada, é importante saber os motivos pelos quais, muitas vezes, nossa voz de indignação simplesmente não se faz ouvir por quem deveria representar a opinião pública. Conscientize-se e levante sua voz!



sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

José Miguel Wisnik e Arthur Nestrovsky no Oi Futuro

Quarta-feira, 2 de dezembro. Dia do Samba. Corro às pressas para a rua 2 de dezembro (!), no Catete. O motivo: a aula-show de José Miguel Wisnik e Arthur Nestrovsky no Oi Futuro. Dois paulistas cujos sobrenomes europeus a princípio não revelariam uma intimidade com o ritmo carioca. Mas, felizmente, só a princípio.



A dupla de acadêmicos, com vários livros lançados sobre música, literatura, história, literatura infantil e afins podem tranquilamente ser considerados doutores em música popular brasileira. E o que é melhor, sem ranços herméticos ou estéticos. Lembro das excelentes palestras de Wisnik na FLIP, em, Paraty, sobre Guimarães Rosa e, mais adiante, sua facilidade em misturar a música na época de Machado de Assis com os sambas urbanos de Noel Rosa. Quanto a Nestrovsky, cuja obra de não-ficção eu já conhecia em parte, foi na mesma FLIP que comprei um belíssimo livro infantil - "Bichos que existem e bichos que não existem" - e presenteei o meu filho. Já conhecia os dotes pianísticos e de compositor de Wisnik, mas desconhecia, á época, que Arthur era também um craque no violão.

O show estava marcado para começar às 19:30h. Chego às 19h e sou avisado que só tem haverá lugar na fila de desistências. Por sorte sou o terceiro na fila. Há esperança.

Consegui o ingresso! às 19:45h, começa o evento no Oi Futuro - por que um teatro tão pequeno para dupla tão perfeita?, eu me pergunto. A dupla faz temporada carioca, mas não espere mega-espaços como Citybank Hall e Vivo Rio. A intimidade com o público é essencial num show deste nível.

Na quarta-feira, o primeiro show (serão dois)no Oi Futuro, o tema foi "Da música a letra", e os dois tocaram várias canções do Wisnik (com parceiros como Jorge Mautner, Luiz Tatit e outros) e alguns clássicos da MPB.

O interessante do show e seu charme é o conceito de aula-show: os músicos, intépretes e copmpositores não só cantam mas também explicam explicam o processo de composição de várias letras e músicas. Imperdível foi quando tocaram Nelson Cavaquinho - "Luz negra", "Juízo Final", "Folhas secas" e explicaram as melodias do mestre do samba. Deu pra ver que Wisnik venera o cara. Houve espaço para um samba exaltação a Sócrates (o jogador com nome de filósofo), considerações sobre "Pecado original", o samba-choro de Caetano inspirado em Nelson Rodrigues e sua última peça, "A serpente", um tango russo misturado com samba e até um momento sertanejo da "dupla caipira" Wisnik e Nestrovsky.

Enfim, um evento pra não se esquecer. Semana que vem tô lá de novo!!!

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Os melhores riffs de guitarra da música pop

Senhores, sua atenção por favor: afastem os móveis, tirem as crianças da sala e certifiquem-se de que aquele vizinho chato deu uma saída. Em seguida, liguem o aparelho de som e...aumenta que isso aí é rock n' roll!!!

O entusiasmo deve-se a uma recente lista (sim, meus caros, final de ano também é hora das intermináveis e deliciosas listas de melhores e piores dos últimos 365 dias) sobre uma seleção promovida pelo site Music Radar, com os 50 melhores riffs de guitarra de todos os tempos.

Mas, o que seria mesmo um riff? Resumidamente falando, são frases musicais, uma nota (ou uma sucessão de notas) que cause impacto em determinada música. Um frase com um bom e marcante riff de guitarra faz-nos lembrar dela especialmente pelo riff. Bem, se você conhece "Satisfaction", dos Stones, e sua maravilhosa guitarra distorcida da introdução, já sabe do que estou falando.



Mas vamos em frente. Segue a lista:

1 - "Voodoo child", Jimi Hendrix
2 - "Sweet child o' mine", Guns N' Roses
3 - "Whole lotta love", Led Zeppelin
4 - "Smoke on the water", Deep Purple
5 - "Layla", Derek and the Dominos
6 - "Back in black", AC/DC
7 - "Enter sandman", Metallica
8 - "Day tripper", The Beatles
9 - "Smells like Teen Spirit", Nirvana
10 - "(I can't get no) satisfaction", The Rolling Stones
11 - "Paranoid", Black Sabbath
12 - "Plug in baby", Muse
13 - "Ain't talkin' 'bout love", Van Halen
14 - "You really got me", The Kinks
15 - "Seven nation army", The White Stripes
16 - "Highway to hell", AC/DC
17 - "Heartbreaker", Led Zeppelin
18 - "Iron man", Black Sabbath
19 - "Black dog", Led Zeppelin
20 - "Beat it", Michael Jackson
21 - "Paperback writer", The Beatles
22 - "Purple haze", Jimi Hendrix
23 - "Whole lotta Rosie", AC/DC
24 - "Johnny B Goode", Chuck Berry
25 - "Sad but true", Metallica
26 - "Rock And Roll", Led Zeppelin
27 - "Welcome to the Jungle", Guns N' Roses
28 - "Killing in the Name", Rage Against The Machine
29 - "Crazy Train", Ozzy Osbourne
30 - "Walk", Pantera
31 - "Sunshine of Your Love", Eric Clapton
32 - "I Feel Fine", The Beatles
33 - "The Ocean", Led Zeppelin
34 - "Airbag", Radiohead
35 - "Hey hey, My my (Into the Black)", Neil Young
36 - "Money", Pink Floyd
37 - "Start Me Up", The Rolling Stones
38 - "Symphony of Destruction", Megadeth
39 - "I Wanna Be Your Dog", The Stooges
40 - "Have Love, Will Travel", The Sonics
41 - "New Born", Muse
42 - "Dr Feelgood", Mötley Crüe
43 - "Cult of Personality", Vernon Reld
44 - "Profits of Doom", Clutch
45 - "Tie Your Mother Down", Queen
46 - "Under the Bridge", Red Hot Chili Peppers
47 - "Foxy Lady", Jimi Hendrix
48 - "The Trooper", Iron Maiden
49 - "Motorcycle Emptiness", Manic Street Preachers
50 - "Ticket To Ride", The Beatles


Ainda que meu riff preferido seja mesmo o de "Satisfaction", não me surpreende o primeiro lugar nas mãos de Jimi Hendrix, o homem que elevou o instrumento símbolo do rock n' roll a limites nunca antes ouvidos, com riffs até então mais elaborados e inovando na utilização de pedais e demais efeitos sonoros. No site Music Radar, há o ótimo artigo "The evolution of the guitar riff", que remete às raízes do rock n' roll - o blues eletrificado de Howlin' Wolf e Muddy Waters - até a adição do ritmo (rhythm) por caras como Chuck Berry, que copiou as linhas do piano boogie woogie de Fats Domino para criar seus sucessos.

Segundo o artigo, a adição do ritmo ao blues (rhythm n' blues) seria responsável por uma transformação cultural que mudaria tudo - e que levaria à explosão do rock na década de 1950. Por falar em anos 50, pra quem curte cinema, há uma sequência inesquecível em "De volta para o futuro", quando o protagonista toca o rock "Johnny B. Goode" para uma plateia de adolescentes americanos brancos e atônita, ainda não acostumada aos selvagens riffs de guitarra que ganhariam a América poucos anos mais tarde.

Após esse primeiro estouro do rock n' roll e nas décadas seguintes, o estilo passou por diversas fases e mutações. Em todas elas - seja no rock inglês dos Beatles, Stones e cia, ou no heavy metal dos anos 70 em diante, no punk rock, new wave, pós-punk, grunge, etc; sempre houve espaço para grandes riffs de guitarra. E continuará havendo enquanto a centelha do rock n' roll estiver queimando nos lugares mais diversos do mundo.



Sim, pois o rock tornou-se um ritmo planetário, agregando jovens fãs até no Japão - onde há fã-clubes de Elvis a Kurt Cobain.

E sobre o rock brasileiro, podemos dizer que tivemos canções com riffs memoráveis?
Claro que sim. E grandes guitarristas também, como Sérgio Dias (Mutantes), Lanny Gordin (que tocou nos principais discos do Tropicalismo), Pepeu Gomes (Novos Baianos), Edgard Scandurra (Ira!), Lulu Santos, Herbert Vianna e muitos outros.

Como o que me levou a escrever este artigo foi uma lista, sigo com outra, bastante pessoal, sobre os melhores riffs do rock brasileiro. Leiam, escutem e vejam se não tivemos riffs de guitarra muito bons:

1 - "Envelheço na cidade" - Ira
2 - "Selvagem" - Paralamas do Sucesso
3 - "Pro dia nascer feliz" - Barão Vermelho
4 - "Agora só falta você", Rita Lee
5 - "Tempos modernos", Lulu Santos
6 - "Corações psicodélicos", Lobão
7 - "O louco da cidade", Blues Etílicos
8 - "Tinindo trincando", Novos Baianos
9 - "A cidade", Chico Science & Nação Zumbi
10 - "Deixa fudê", Cachorro Grande

Apenas dez hits de nosso rock onde as guitarras têm papel primordial. Dez motivos para aumentar o som e continuar curtindo rock.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

"(500) Dias com ela" - um filme pra quem já se apaixonou

Há um gênero de filme que faz muito sucesso hoje em dia, principalmente entre o público feminino, chamado "comédia romãntica". Um amigo meu os chama ironicamente de "Filmes Meg Ryan", em referência à rainha deste estilo de filme, nos anos 80 e 90 - quem não lembra de "Harry e Sally" ou "Mensagem pra você"? As comédias romãnticas são um gênero que obedece a algumas regras. Seus roteiros seguem, com poucas variações, o mesmo esquema: temos uma mocinha (ou mocinho) solitária (o) que (1) conhece o grande amor de sua vida meio que por acaso; eles se apaixonarão (2); algo imprevisto (um vilão ciumento, uma amiga invejosa, um desencontro qualquer) os fará com que rompam o namoro (3); por fim, eles compreendem que se amam, que não podem viver separados, reatam e...the end: fim do filme (4). Apesar da previsibilidade, o gênero continua arrastando multidões de casais aos cinemas.

Se você correr aos cinemas, verá um filme em cartaz que, a princípio, poderia ser confundido com o estilo. Olhe nas sinopses dos jornais e estará escrito: "comédia romântica". Mas "(500) Dias com ela" (do inglês "(500) Days of Summer") vai além do gênero, constituindo uma das mais agradáveis supresas desta primavera cinematográfica. Quais os motivos? Talvez por apresentar personagens não estereotipados. Talvez por sua estrutura de mostrar os dias de forma aleatória, onde passado, presente e futuro se juntam. Ou então pela frase do narrador logo ao começo: "Acredite, esta não é uma história romântica". Pois bem: fique com a primeira opção. "(5oo) dias com ela" é um filme que apresenta personagens reais, que amam, sofrem, choram e se divertem. É um filme pra quem já se apaixonou e, principalmente, pra quem já sofreu por amor.




"(500) dias com ela" já começa subvertendo certo senso comum e clichê cinematográfico. Ouvimos dizer sempre que mulheres se apaixonam fácil, e homens não querem compromisso. No entanto, é a garota, Summer (Zooey Deschanel) que, apesar de interessada no rapaz, Tom (Joseph Gordon-Levitt) não quer saber de compromisso. Logo no início ficamos sabemos que aquele casal vai namorar - e também que eles não acabarão juntos. Mas a engenhosidade do roteiro nos convida a conhecer aquele princípio, meio e fim de um romance - os tais quinhentos dias juntos.

Ainda no início, temos a sequência em que Tom leva um fora de Summer. Arrasado, ele tenta relembrar momentos do namoro, para entender o que teria levado a não dar certo. As sequências dos dias de namoro entre o casal são mostradas de forma fragmentada, em cenas nas quais o número do dia de namoro - 57, 102, 244 etc - vão aparecendo na tela.

Tom não é o narrador. Há outro, uma voz em off que aparece pouquíssimo, mas faz comentários cruciais para a trama, ainda que irônicos. Desde o dia em que conhece Summer (verão, em inglês, uma menina com nome de estação do ano) Tom, que trabalha num escritório especializado em criar mensagens de cartões de presente, se interessa por ela. Mas a paixão só surge mesmo, avassaladora, dentro de um elevador, quando, Tom está distraído escutando uma música ao fone de ouvido e Summer, ao escutar aquele som, puxa conversa e pergunta se ele gosta de Smiths. Ele, surpreso, diz que sim. "Eu adoro essa música", diz Summer, e cantarola um trecho para o pobre rapaz se apaixonar de vez: "to die by your side is such a heavenly way to die"...

"Morrer ao seu lado seria um jeito divino de morrer", da belíssima canção "There's a light that never goes out". A sublime ironia desta cena logo se mostrará adiante, quando o casal começar a se envolver e Summer começar a esbofetear metaforicamente Tom com frases como "histórias de amor são fantasia", "amores não duram para sempre", "eu não quero que nosso caso seja sério". O interessante aqui é que Summer, mesmo "não querendo nada sério", gosta de verdade de Tom, a ponto de namorá-lo, mas sempre mantendo uma certa distância da paixão. Situação que leva Tom a espasmos de suprema felicidade, entrecortados com momentos de depressão profunda, nas muitas brigas que terá com Summer.

Ora, quem nunca imaginou a mesma coisa a respetido do ser amado? Quem nunca pensou "será que ela gosta de mim do mesmo jeito que eu a amo?". É isso que torna o filme brilhante em vários momentos. Às vezes "500 dias com ela" toma partido de Tom e sofremos junto com ele. Noutras, os homens são mostrados como imaturos e sem a menor noção de como conquistar uma mulher. Alguns dos melhores momentos de humor do filme está no contraste entre os dois melhores amigos de Tom - ambos totalmente ingênuos e imaturos em matéria de amor - e a pequena Rachel (Chloe Moretz), adolescente e grande amiga de Tom, que passa o filme lhe dando os conselhos mais sensatos sobre amor e paixão.

Uma das melhores cenas - e pra mim o melhor momento do filme - está na sequência em que, algum tempo depois de mais uma separação, Summer encontra Tom e o convida para uma recepção em seu apartamento novo. Claro que o apaixonado Tom se animará bastante com a hipótese de uma reconciliação. Com a chegada de Tom ao prédio de Summer, a tela se divide em duas e temos, de um lado, sob o título "expectativa", o que Tom esperava que acontecesse, ou seja, Summer passando a noite com ele. No outro quadro, sob o título "realidade", vemos o que realmente acontece: Summer o trata apenas como mais um amigo e um dos muitos convidados de sua festa. Tom não suporta a "realidade" e vai embora, arrasado.

São momentos como este, criativos, bem escritos, inesperados (ou nem tanto, para quem já viveu algo parecido, e não são poucas pessoas, tenham certeza) que tornam "(500) dias com ela" um filme que merece ser conferido. Por trazer às telas momentos de uma história de amor genuína, o brotar de uma paixão real, sem apelações nem apelos a chavões para ganhar o público. Somos conquistados por se identificarmo-nos em algum momento com aqueles dois personagens comuns, que por 500 dias estiveram envolvidos numa história de amor que poderia acontecer com qualquer de um de nós.

Ao final do filme, já ciente de que aquele romance não tem mais volta, o ainda apaixonado Tom recebe mais um dos sábios conselhos de Rachel:"Lembre-se também dos momentos ruins que passou com ela". Este apelo à razão (sentimento que detonamos quando apaixonados), junto com uma reviravolta profisional na vida de Tom, o fará crer que, apesar de tudo, aida está vivo e que uma nova paixão pode estar mais próxima do que ele imagina.

Depois daqueles 500 dias tormentosos, uma nova estação se inicia.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Previsões para o Brasil Olímpico

Enfim conquistamos o tão sonhado direito de sediar as Olimpíadas! Não há dúvidas de que 2009 é o ano do Brasil. As crianças de rua continuam cada fumando crack, mas em breve todas trocarão as praças pela Vila Olímpica. O desemprego persiste, mas a economia aqui no Brasil não passou de uma marolinha. Obama dise que lula é "o cara". O preconceito com as minorias segue latente, mas, ora, o Rio acabou de ser agraciado com o melhor roteiro turístico gay do mundo! A corrupção, as transações por baixo dos panos continuam ao Deus dará, mas...não faltará dinheiro para o sonho olímpico!

Em homenagem a esse grande evento que com certeza mudará a vida da cidade maravilhosa, seguem algumas previsões sobre fatos que fatalmente podem vir a ocorrer. Marginal Conservador não é o autor das previsões, eu me apresso em dizer. Apenas recebi o texto hoje, sem autoria, e não poderia deixar de compartilhar com vocês alguns dos principais trechos. Aí vai:


DE 2010 A 2015

1) ONGs vão pipocar dizendo que apóiam o esporte, tiram crianças das ruas e as afastam das drogas. Após as olimpíadas estas ONGs desaparecerão e serão investigadas por desvio de dinheiro publico. Ninguém será preso ou indiciado.

2) Um grupo de funk vai fazer sucesso com uma música que diz: vou pegar na tua tocha e você põe na minha pira.

3) Uma escola de samba vai homenagear os jogos, rimando “Barão de Coubertin” com “sol da manhã”. Gilberto Gil virá no ultimo carro alegórico vestido de douradas representando o “espírito olímpico do carioca visitando a corte do Olimpo num dia de sol ao raiar do fogo da vitoria”.

4) Haverá um concurso pra nomear a mascote dos jogos que será um desenho misturando um índio, o sol do Rio, o Pão de Açúcar e o carnaval, criado por Hans Donner. Os finalistas terão nomes como: “Zé do Olimpo”, “Chico Tochinha” e “Kaíque Maratoninha”.

5) Luciano Huck vai eleger a Musa dos jogos, concurso que durará um ano e elegerá uma modelo chamada Kathy Mileine Suellen da Silva.

ABERTURA DOS JOGOS

1)A tocha olímpica será roubada ao passar pela baixada fluminense. O COB vai encomendar outra com urgência pro carnavalesco da Beija flor.

2)Zeca Pagodinho, Dudu Nobre e a bateria da Mangueira farão um show na praia de Copacabana pra comemorar a chegada do fogo olímpico ao Rio. Por motivo de segurança, Zeca Pagodinho terá que ficar a pelo menos 500 metros da tocha.

3) Durante o percurso da tocha, os brasileiros vão invadir a rua e correr ao lado dela carregando cartolinas cor de rosa onde se lê GALVAO FILMA NÓIS, 100% FAVELA DO RATO MOLHADO.

4)Pelé vai errar o nome do presidente do COI e ao final vai tropeçar no carpete que foi colado 15 minutos antes do início da cerimônia.

5) Claudia Leite e Ivete Sangalo vão cantar o “Hino das Olimpíadas” composto por Latino e MC Medalha. As duas vão duelar durante a música para aparecer mais na TV.

6) Durante o Hino Nacional Brasileiro a platéia vai errar a letra, chorar como se entendesse o que está cantando, e aplaudir no final como se fosse um gol.

7)Durante os jogos de tênis a platéia brasileira vai vaiar os jogadores argentinos obrigando o árbitro a pedir silencio 774 vezes. Como ele pedirá em inglês ninguém vai entender e vai continuar vaiando. Galvão Bueno vai dizer que vaiar é bom, mas vaiar os argentinos é melhor ainda. Oscar concordará e depois pedirá desculpas chorando no programa do Gugu.

8)Um simpático cachorro vira-lata furará o esquema de segurança invadindo o desfile da delegação jamaicana. Será carregado por um dos atletas e permanecerá no gramado do Maracanã durante toda a cerimônia.

9)O cãozinho será motivo de 200 reportagens, apelidado de Marley, e será adotado por uma modelo emergente que ficará com dó do pobre animalzinho e dirá que ele é gente como a gente.

10) Os pombos soltos durante a cerimônia serão alvejados por tiros disparados por uma favela próxima e vendidos assados na saída do maracanã por “dois real”.

DURANTE OS JOGOS

1)Caetano Veloso dará entrevista dizendo que o Rio é lindo, a cerimônia de abertura foi linda e que aquele negão da camiseta 74 da seleção americana de basquete é mais lindo ainda.

2)Uma modelo-manequim-piranha-atriz-ex-BBB vai engravidar de um jogador de hóquei americano. Sua mãe vai dar entrevista na Luciana Gimenez dizendo que sua filha era virgem até ontem, apesar de ter namorado 74 homens nos últimos seis meses, e que o atleta americano a seduziu com falsas promessas de vida nos EUA. Após o nascimento do bebê ela posará nua e terá um programa de fofocas numa rede de TV.

3)No primeiro dia os EUA, a China e o Canadá já somarão 74 medalhas de ouro, 82 de prata e 4 de bronze. Os jornalistas brasileiros vão dizer a cada segundo que o Brasil é esperança de medalha em 200 modalidades e certeza de medalha em outras 74.

4) Faltando 3 dias para o fim dos jogos, o Brasil terá 3 medalhas de bronze e 1 de ouro, esta ganha por atletas desconhecidos no esporte “caiaque em dupla”. Eles vão ser idolatrados por 15 minutos (somando todas as emissoras abertas e a cabo) como exemplos de força e determinação, a Hebe vai dizer que eles são “uma gracinha” ao posar mordendo a medalha, e nunca mais se ouvirá deles.

5)A seleção brasileira de futebol comanda por Ronaldo Fenômeno vai chegar como favorita. Passara fácil pela primeira fase e entrará de salto alto na fase final, perdendo para seleção de Sumatra.

6)A seleção americana de vôlei visitará uma escola patrocinada pelo Criança Esperança. Três meninos vão ganhar uma bola e um uniforme completo dos jogadores, sendo roubados e deixados pelados no dia seguinte.

7) Os traficantes da Rocinha vão roubar aquele pó branco que os ginastas passam na mão. Um atleta cubano será encontrado morto numa boate do Baixo Leblon depois de cheirá-lo. O COB, a fim de não atrasar as competições de ginástica, vai substituir o tal pó pelo cimento estocado nos fundos do ginásio inacabado.

8) Um atleta brasileiro nunca visto antes terminará em 74º lugar na sua modalidade e roubará a cena ao levantar a camiseta mostrando outra onde se lê : JARDIM MATILDE NA VEIA.

9) Vários atletas brasileiros apontados como promessa de medalha serão eliminados logo no inicio da competição. Suas provas serão reprisadas em slow motion e 400 horas de programas de debate esportivo vão analisar os motivos das suas falhas.

APÓS OS JOGOS

1)Um boxeador brasileiro negro de 1,85m estrelará um filme pornô pra pagar as despesas que teve pra estar nos jogos e não obteve patrocínio.

2) Faustão entrevistará os atletas brasileiros que não ganharam medalhas. Não os deixará pronunciar uma palavra sequer, mas dirá que esses caras são "exemplos de profissional" tanto quanto no pessoal, amigos dos amigos etc.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Cuidado: ao chegar aos EUA, você pode se transformar num "imigrante ilegal alienígena"

It's no fun being an illegal alien
No, it's no fun being an illegal alien
Genesis

Vejamos:

1 - Alienígenas vistos pelo cinema mainstream hollywoodiano. Estou num cinema no final dos anos 90. O filme na tela é o blockbuster "Homens de preto" ("Men in black"), um grande sucesso no Brasil. Os tais homens de preto são agentes de uma corporação ultra-secreta cujo objetivo é caçar alienígenas que se disfarçam em corpos de humanos. Logo no começo, os agentes interceptam um caminhão na fronteira do México com os Estados Unidos, repleto de imigrantes ilegais. Há a suspeita de que, na verdade, aqueles homens são alienígenas disfarçados. Não dá outra: após uma tentativa de fuga, os ETs são capturados pelos homens de preto.

2 - Aliens também são fashion! Junho de 2001. Num passeio breve pelas ruas de Maastrich, em férias na Holanda, impressiona a decoração das vitrines e mesmo o interior das lojas. Há bonecos de ETs para crianças, como objetos de decoração, como estampa de camisas e até como porta-cannabis (estamos na Holanda, remember). Conclusão: ETs estão na moda na Europa.

3 - Monstros X Alienígenas. Setembro de 2009. Um dos momentos preferidos que tenho junto ao meu filho é assistir com ele a trechos de desenhos e filmes na telinha do youtube. Mas neste dia ele só quer saber de um desenho: "Ben 10 Força Alienígena". Pra quem não sabe (ou não tem filhos pequenos), o desenho preferido de 10 entre 10 garotos até 10 anos narra a história de Ben, um jovem que possui um relógio de origem extraterrena e que tem poder de transformá-lo em 10 monstros. O monstro preferido de meu filho é o Chama, um híbrido de Tocha-Humana com alienígena.

4 - Alienígenas vistos pelo cinema alternativo. Outubro de 2009. No cinema, assisto ao lançamento de "Distrito 9". Num futuro não muito distante, alienígenas que sobrevoam a Terra enfrentam uma pane na nave especial que os acomodava, deixando-os parados bem no centro de Johannesburgo, África do Sul. Após dois meses, os humanos retiram os alienígenas da nave e os alocam num imenso terreno, denominado Distrito 9. Em pouco tempo, o distrito transforma-se numa imensa favela, e os ETs são objeto de preconceito e intolerância dos humanos em seu entorno. Com o crescimento da população alienígena, o governo decide realocá-los para outro distrito, mais distante e insalubre, assemelhando-se a um campo de concentração. Mas algo dará errado.

5 - Alienígenas sim, imigrantes não. Outubro de 2009. A grande sensação de vendas entre os jovens para o Halloween deste ano não foram as fantasias de bruxa, de esqueleto ou vampiro, mas sim de "Imigrante ilegal alienígena". Segundo o jornal O Globo de 25 de outubro, a fantasia consiste de uma máscara de extraterrestre, um uniforme laranja de presidiário americano e um cartão de plástico escrito "green card" (o visto permanente de entrada nos EUA). Vendeu bem até a grita da comunidade hispânica, que forçou as lojas a paralisarem as vendas. Veja abaixo a fantasia da discórdia:




Tenho sentido saudades dos tempos em que seres de outro planeta só eram lembrados em filmes B de Hollywood (quando todos os ETs já aportavam em nosso planeta, curiosamente, falando inglês), nas montagens toscas de pratos virados nas primeiras páginas de jornais sensacionalistas (e que realmente enganavam muita gente) ou nas páginas de ficção e poesia de artistas mundo afora. Mas desconfio que nosso imaginário sobre os ETs esteja mudando.

Fascínio eles sempre nos causaram. Fascínio, curiosidade e medo, como leu quem acompanha esse blog, sobre a "brincadeira" criada em 1938 por Orson Welles ao transmitir pelo rádio o clássico "Guerra dos Mundos" em formato jornalístico, como se a invasão marciana inventada por H.G. Wells fosse verdadeira. Se o outro, o exótico, nos atrai sobremaneira, o que dizer de seres que nem temos certeza se existem ou não?

Nos anos 50, em plena Guerra Fria, Hollywood não tardou a ver que os seres de outro planeta poderiam constituir uma bela metáfora de quaisquer inimigos dos Estados Unidos. O "perigo comunista" foi levado aos cinemas onde os comunas eram personificados por diversas formas de monstros, alguns patéticos, outros sinistros. E havia também os espertalhões produtores de filmes B, que não estavam nem aí para ideologias e queriam mesmo era faturar com produções de baixíssimo orçamento destinadas aos jovens teenagers. Presentes em 90% destes filmes: monstros e alienígenas.

Como vimos, o cinema difundiu a cultura americana nos quatro cantos do planeta. Os aliens viraram objeto de consumo nas ruas da Holanda e de qualquer grande centro e são celebridades cuja fama ultrapassou em muito os 15 minutos definidos por Warhol. Ídolos vão e vem, alguns ficam na memória, outros caem num ostracismo total. Mas extraterrestres sempre retornam como campeões de audiência. Quem não se emocionou com "ET", o clássico filme de Spielberg, que atire a primeira pedra. E mesmo hoje o desenho "Ben 10", com o garoto que se transforma em monstros alienígenas é o campeão de audiência do Cartoon Network.

No entanto, o uso dos aliens como tema pode também render práticas duvidosas de "homenagens" a comunidades vítimas de intolerância. "Homens de preto", de 1997, já continha em sua sequência inicial uma mensagem subliminar de preconceito contra os latinos, embora amortizada à época, pois o filme era uma comédia muitas vezes bem escrachada e contava com um ídolo negro (Will Smith) como um dos protagonistas.

Uma década depois, porém, a retirada das prateleiras da vestimenta de "imigrante ilegal alienígena" detonou uma serie de debates e provocações entre a direita conservadora e progressistas. Leio no jornal O Globo que Associações de imigrantes como a League of United Latin American Citizens (Lulac) acusaram a fantasia de "uso do Halloween para ensinar as pessoas a odiarem os latinos". Os conservadores reagiram, e grupos como a Americans for Legal Immigration (Alipac), que faz lobby em Washington em favor da expulsão de imigrantes ilegais dos EUA, pediram o imediato retorno da fantasia às lojas, a fim de acabar com "mais uma tentativa de restringir a liberdade de expressão no país".

É curioso costatar como a repressão a atividades francamente abjetas e criminosas, como a ostentação de símbolos neo-nazistas, o homofobismo, a misoginia ou simnplesmente o ódio às minorias, quando reprimidos, são logo declarados por grupos reacionários como atentados à liberdade de expressão. O que estava em jogo na venda da fantasia que provocou tanta discórdia não era, porém, a liberdade de expressão, mas simplesmente a humilhação sobre uma comunidade cujo preconceito só fez aumentar com a crise econômica de 2008. Não é ensinando às crianças que o vizinho latino pode ser um ET disfarçado que se conseguirá construir um bom dálogo no futuro.

Eu receitaria para estes grupos conservadores e ultradireitistras o filme "Distrito 9", originalíssimo filme produzido por Peter Jackson (diretor da trilogia "O senhor dos anéis"), que mostra extraterrrestres subjugados pelos seres humanos, numa imensa favela onde o conflito é iminente. Não à toa, o filme é passado na África do Sul, país que até as últimas décadas do século XX envergonhou o mundo com uma dos mais nefastos regimes de segregação racial: o apartheid. Além da clara metáfora dos dos negros e minorias como alienígenas explorados, ali os vilões são os humanos de uma corporação multinacional de fabricantes de armas, que roubam a tecnologia dos extraterrestres no campo, ao mesmo tempo que os usam para experiências genéticas que resultam na morte dos aliens. Tudo muda quando um dos líderes dos humanos, designado para comandar a retirada dos milhares de extraterrestres para fora do Distrito 9, é afetado por um líquido dentro de um barraco que inspecionava, e começa aos poucos se tornar ele mesmo um alienígena.

Seria interessante que a tal liga conservadora que prega a expulsão dos imigrantes dos Estados Unidos experimentasse viver algum tempo como hispânicos e provassem do preconceito que os imigrantes ilegais já conhecem. Talvez assim não fosse mais preciso criar as tais fantasias de "imigrantes ilegais alienígenas". E então, o imaginário sobre os extraterrestres talvez voltasse a ser apenas com considerações acerca da existência ou não destes seres.

Finalizando, sou daqueles que acreditam que pode sim haver vida em outros planetas, embora não fique por aí procurando por discos voadores. Mas concordo inteiramente com uma frase que li num cartum antigo do personagem de quadrinhos Calvin. Dizia mais ou menos assim:

"A maior prova de que existe vida inteligente em outros planetas é o fato de que eles jamais fizeram contato conosco".


quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Uma foto e uma lição de jornalismo

Uma das fotos do ano:






Líderes políticos gostam de ser fotografados em grandes momentos. Se possível, cobertos de medalhas e condecorações, acenando para as multidões etc. Não gostam de fotos inesperadas, aquelas que involuntariamente revelam o que ele não quer. A inusitada foto do presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, dormindo na embaixada brasileira com seu chapelão característico, rodou o mundo e já é uma das imagens do ano, por seu alto grau de simbolismo. É fotojornalismo no que tem de melhor: um instantâneo do mesmo nível daquele tirado do ex-presidente Jânio Quadros, com as pernas retorcidas, pouco antes de sair de cena e mudar a história do Brasil.

Ao registrar Zelaya deitado, com as pernas para o alto e dormindo, em pleno território brasileiro no exterior, o fotógrafo Edgard Garrido conseguiu demonstrar toda a empáfia de um governante prostrado e ciente de que arrumou uma bela confusão. Não resisti e transcrevo a seguir a reportagem escrita pelo fotógrafo (republicada esta semana pelo JB), que ainda está na embaixada brasileira de Honduras, e seu retrato dos dias lá dentro.

Se a imagem retratada é um excelente momento do fotojornalismo, o texto demonstra que, melhor que qualquer noticiário copiado de agências internacionais, nada substitui a presença in loco do repórter. E faz o jornalismo honrar a definição de Gay Talese, como a "arte de sujar os sapatos", ou seja: ir aonde a notícia está, seja ela onde estiver.

"Dormi com o dedo no obturador"
Edgard Garrido FOTÓGRAFO DA REUTERS EM TEGUCIGALPA.

Há duas semanas, durmo com o dedo no botão do obturador, a poucos metros do lugar onde o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, se refugia à espera de uma eventual volta ao poder.

Como fotógrafo da Reuters em Honduras, fui um dos poucos jornalistas que conseguiram se infiltrar na Embaixada do Brasil quando Zelaya ali buscou refúgio, depois de voltar clandestinamente do exílio para onde fora enviado por militares golpistas em 28 de junho.

Duas semanas depois, Zelaya continua entrincheirado na embaixada, que está cercada por soldados e policiais hostis a ele. E eu também continuo – privilegiado por levar imagens ao mundo, mas lutando com a escassez de comida, a falta de sono e a montanha-russa de emoções.

Conseguir uma imagem de Zelaya dormindo com o seu famoso chapéu de boiadeiro sobre o rosto foi um ponto alto, e a foto correu o mundo.

Mas estou cansado de dormir no chão e de comer mal, e meus nervos foram abalados pela intimidação das tropas no lado de fora e pela incerteza sobre quando isto vai acabar.

Zelaya e o presidente de fato Roberto Micheletti se preparam para negociações que podem acabar com o impasse. Mas Zelaya insiste em voltar ao poder, enquanto Micheletti diz que ele deveria ser julgado por traição. Assim, não está claro quando a crise irá acabar, e com ela esta minha pauta excepcional e desconfortável.

Tudo começou com um boletim informativo dando conta da volta de Zelaya.

Dei um beijo de despedida na minha mulher e no meu filho e corri para fora de casa com tanta pressa que até esqueci de calçar as meias.

“Tchau, vejo vocês logo mais!”, disse à minha família.

Mal sabia eu.

Depois de irmos atrás de um falso rumor de que Zelaya estaria em um prédio da ONU, um grupo de seguidores e jornalistas correu para a embaixada brasileira, que funciona num modesto sobrado. Não foi difícil entrar.

Disseram-me que Zelaya estava na sala ao lado, onde permanece até hoje. As pessoas entrando e saindo da sala confirmavam sua presença, mas eu precisava vê-lo. Uma porta se abriu, e lá estava eu. Tirei duas fotos e mandei meu primeiro despacho.

Tensões noturnas Zelaya decidiu acampar bem onde estava. Seus seguidores comemoraram, e eu dormi do lado de fora. Com o chão de cimento como colchão e a mochila como travesseiro, não conseguia dormir em meio aos gritos e cânticos.

O governo reagiu rapidamente, com soldados e policiais dissolvendo as manifestações pró-Zelaya em frente à embaixada e usando um dispositivo de alta frequência para incomodar quem estava do lado de dentro.

A tensão cresceu, e tememos que ocorresse uma ação militar para ocupar a embaixada.

Dormi com o dedo praticamente no botão do obturador, preparado para o que parecia ser uma intervenção iminente, preparado para me proteger, preparado para disparar.

Depois de dois dias dentro da embaixada, já não havia comida, não havia telefone, não havia descanso, não havia banho e não havia roupas limpas.

À noite, os soldados batiam nos seus escudos. Tornou-se uma guerra de nervos. Pedras caíam no teto enquanto o hino hondurenho era tocado a todo volume perto da embaixada.

Aí vieram as acusações de um ataque com gás. Zelaya afirma que mercenários estariam tentando expulsá-lo usando um gás tóxico. Algumas pessoas na embaixada tinham sangramentos nasais. Do lado de fora, as autoridades diziam que os odores eram de uma equipe de faxina nos arredores. Não estava claro o que realmente acontecia.

Depois, pelo menos, a tática de pressão arrefeceu, e eu comecei a receber comida, roupas limpas e um colchão inflável dos meus colegas do lado de fora, embora parte de um pacote tenha sido comido pelos policiais que prometeram entregá-lo.

Zelaya soube que a foto que eu fiz dele dormindo estava sendo publicada no mundo todo, e me chamou. Elogiou a foto, mas discordamos sobre como autoridades públicas podem ser fotografadas e sobre o valor documental das imagens.

Duas semanas depois do início do impasse, desenvolvemos novas rotinas para ter acesso a alimentos, água e até ao banheiro.

Zelaya, sua família e seus amigos mais íntimos têm mais confortos, mas há apenas dois chuveiros para as outras 70 pessoas dentro da embaixada.

Agora recebemos comida entregue por amigos do lado de fora, mas isso pode ser caótico. Fabriquei uma colher a partir de um copo plástico, e pago a um seguidor de Zelaya para lavar minhas roupas.

Os simpatizantes comem qualquer coisa que a ONU mandar. Zelaya come sua própria comida, e eu como a comida da Reuters. Invejam-nos pelos colchões de ar.

Ao final de cada dia, recebo um telefonema. Minha esposa diz: “Nosso filho está bem, te vemos em breve”.

Quarta-feira, 7 de Outubro de 2009

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

O rádio em nossas vidas

Não posso mais viver assim do seu ladinho
Por isso colo meu ouvido no radinho de pilha
Pra te sintonizar
Sozinha...numa ilha

(Sonífera ilha, Titãs)


Sexta passada comemorou-se o dia do rádio. Mesmo atrasado, este blog não poderia deixar de falar um pouco sobre este veículo de comunicação tão importante. "Alguém ainda ouve rádio?", poderia logo perguntar algum apressadinho amante das chamadas "novas mídias", entre elas esta internet a qual você se debruça neste momento, caro leitor.

Ora ora, eu respondo que sim, o rádio está vivo e não vai acabar - apenas irá se reinventar e segmentar sua programação a fim de atingir um novo público. Exemplo claro desta reinvenção são as inúmeras rádios online aqui no território da internet - agora, além de agregarem ao som digital imagens, podcasts e interatividade (em muitas emissoras você pode montar sua programação particular), há a vantagem de podermos escutar nossa rádio preferida em qualquer lugar do mundo.

Pessoas em todos os lugares escutam diariamente as rádios e suas programações. Assim como os jornais impressos (outro meio de comunicação visto pelos apocalípticos de plantão como um meio fadado à extinção), os rádios tiveram sua época áurea, e na primeira metade do século XX foram com certeza - junto com o cinema - o maior veículo de entretenimento das grandes massas. Nos anos 1930, o rádio era sinônimo de espetáculo: era diante de um grande aparelho valvulado, ou seja, um rádio, que as famílias se reuniam, na sala, antes do advento da televisão. Era na rádio que os artistas de maior prestígio surgiam, que os cantores de maior sucesso atuavam, que os programas de auditório e novelas arrebanhavam multidões de ouvintes.

Um fato real do poder de fogo do rádio nesta época aconteceu nos Estados Unidos, mais precisamentre a partir das nove horas da noite de 1938. Foi nesse momento que os americanos começaram a ouvir a transmisão radiofônica da obra "A Guerra dos Mundos", do escritor H.G.Wells. A obra tratava de uma fictícia invasão da Terra por marcianos, mas o condutor do programa e adaptador da obra - um jovem e já genial Orson Welles - levou ao ar uma obra em formato jornalístico, como se a invasão estivesse realmente acontecendo. Foi o bastante para levar milhares de pessoas ao desespero, como mostra este trecho do artigo de Giusela Ortriwano, do livro "Rádio e Pânico":

Todas as características do radiojornalismo usadas na época – às quais os ouvintes estavam habituados e nas quais acreditavam – se faziam presentes: reportagens externas, entrevistas com testemunhas que estariam vivenciando o acontecimento, opiniões de especialistas e autoridades, efeitos sonoros, sons ambientes, gritos, a emotividade dos envolvidos, inclusive dos pretensos repórteres e comentaristas, davam a impressão de um fato, que estava indo ao ar em edição extraordinária, interrompendo outro programa, o radioteatro previsto. Na realidade, tratava-se do 17º programa da série semanal de adaptações radiofônicas realizadas por Orson Welles e o Radioteatro Mercury que explorava as técnicas jornalísticas com a ambientação sonora requerida pela linguagem específica do rádio.
A CBS calculou na época que o programa foi ouvido por cerca de seis milhões de pessoas, das quais metade passaram a sintonizá-lo quando já havia começado, perdendo a introdução que informava tratar-se do radioteatro semanal. Pelo menos 1,2 milhão tomaram a dramatização como fato, acreditando que estavam mesmo acompanhando uma reportagem extraordinária. E, desses, meio milhão tiveram certeza de que o perigo era iminente, entrando em pânico e agindo de forma a confirmar os fatos que estavam sendo narrados: sobrecarga de linhas telefônicas interrompendo realmente as comunicações, aglomerações nas ruas, congestionamentos de trânsito provocados por ouvintes apavorados tentando fugir do perigo que lhes parecia real, etc. O medo paralisou três cidades. Pânico ocorreu principalmente em localidades próximas a Nova Jersey, de onde a CBS emitia e Welles situou sua história. Houve fuga em massa e reações desesperadas de moradores de Newark e Nova York (além de Nova Jersey), que sofreram a invasão virtual dos marcianos da história.


O episódio, até hoje lembrado e discutido por estudiosos da Comunicação, marcou o apogeu do rádio e seu poder de influência. A partir de então políticos, homens de marketing e publicitários viram que estavam diante de um instrumento que poderia influenciar milhões, e não por acaso o rádio foi bastante usado como máquina de propaganda nos anos anteriores e durante a Segunda Guerra, tanto por nazistas como aliados, os dois lados em guerra dispostos a manipular corações e mentes em prol de uma ideologia vencedora.

A história mostra que a chegada de uma nova mídia não necessariamente implica no fim das anteriores. Com a chegada da televisão, o rádio perde seu apogeu e poder de influência. O baque foi profundo, mas ele se reinventou escorando-se no tripé jornalismo/prestação de serviços, esportes e entretenimento - este último representado pela música gravada, já que, como a transferência das verbas publicitárias para a televisão, as rádios perderam seus fabulosos castings, atraídos agora pelos programas de auditório televisivos, que pagavam melhor. A partir de então, o veículo teve que investir na segmentação, reformulando suas programações para atingir cada público-alvo em particular, tornando-se quase um "amigo íntimo" de quem estava em casa ou no trabalho - até hoje o rádio e seus locutores são a única companhia de milhares de solitários mundo afora, que abrandam a solidão ao escutar seus programas favoritos.

Hoje temos rádios com as mais diversas linhas de programação, Há desde as emissoras em FM cujo foco é a música, até aquelas que se propõem a levar uma programação 24 horas de notícias, também chamadas de "all news". Pra quem duvida do poder de influência das rádios, elas ainda hoje são bastante procuradas por políticos interessados num "upgrade" em suas carreiras, e há muitas emissoras cujos donos são deputados e senadores, que utilizam o espaço no dial como uma espécie de palanque eletrônico. Há também as inúmeras rádios arrendadas por igrejas evangélicas na busca midiática pelo aumento dos fiéis. Tudo isto só comprova que as ondas sonoras do rádio ainda estão vivas e fortes junto à população.

Marginal conservador aproveitará este tema tão rico para tecer em outros artigos comentários sobre a programação radiofônica, assim como alguns programas em especial. Quem gosta de ouvir rádio, deixo um recado no estilo dos bons locutores: fique ligado!

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Cê tá pensando que eu sou Loki, bicho?

É hoje! pra quem perdeu nos cinemas, estreia logo mais no Canal Brasil o longa-metragem "Loki", biogragia cinematográfica de um dos maiores músicos brasileiros, o ex-mutante Arnaldo Batista.

O filme, dirigido pelo cineasta Paulo Henrique Fontenelle, é o primeiro a ser produzido pelo Canal Brasil e já ganhou vários prêmios nacionais e internacionais, conquistando nos festivais do Rio e de São Paulo os prêmios do Jurí Popular e o de melhor documentário no Festival de Nova York. Kurt Cobain, que aparece no filme declarando sua paixão pelos Mutantes, se vivo estivesse, adoraria ter conferido a sessão.

Marginal conservador é fã de Arnaldo Batista e dos Mutantes. Vale a pena conferir a vida deste grande talento, desde a infância em São Paulo, o sucesso arrasador com os Mutantes - ainda hoje a banda mais revolucionária do rock brasileiro - a parceria com a ex-mulher Rita Lee, os períodos de ostracismo e barra-pesada (causado por drogas e a depressão que o levou a tentativas de suicídio e internações em sanatórios), até a volta por cima; o reencontro com o irmão mutante Sérgio Dias, a apoteose da volta do grupo em Londres e os dias atuais em Juiz de Fora. É lá que o músico preenche os dias com sua nova paixão, a pintura, e planeja novos voos solo. Longa vida a este ser eternamente inquieto e mutante.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A censura apresenta suas armas: sites jornalísticos, blogs e imprensa sob vigilância e intimidações

"Entre sem bater". Pouca gente sabe que a protocolar frase estampada à frente de centenas de portas de repartições públicas e escritórios Brasil afora foi na verdade inventada pelo Barão de Itararé, pseudônimo de Aparício Torelly, genial jornalista e humorista, vereador e provocador profissional. Conta-se que em 1934, após publicar em fascículos a saga do marinheiro João Cândido e sua Revolta da Chibata, Torelly recebeu na redação de seu jornal a visita indesejada de um grupo (nunca identificado), que lhe teria aplicado uma bela surra, revoltado com a apologia ao almirante negro. Dias depois, já recuperado, o Barão afixava o lembrete irônico à porta de seu escritório.

Passaram-se as décadas e a imprensa livre continua incomodando aqueles que estão no poder, que gostariam mesmo é de vê-la domesticada, sem denúncias, sem fiscalizar os poderes, sem a busca incessante da verdade para auxiliar na construção da opinião pública. Ideologias de direita ou esquerda, ditaduras ou governos autoritários travestidos de democracias, todos eles têm em comum a intenção de cooptar, controlar ou calar os meios de comunicação. Alguns exemplos recentes tem tido destaque na mídia, como a tentativa de controlar a campanha eleitoral no meio online. Ora, definitivamente a classe política brasileira não parece compreender a internet como um território livre.

Como diria o Barão, há alguma coisa no ar, além dos aviões de carreira. Depois de muitas idas e vindas, a Câmara dos Deputados recuou de seu primeiro projeto de reforma eleitoral - que liberava totalmente o debate político no ambiente virtual - e seguiu as modificações aprovadas pelo Senado na noite de terça-feira, dia 15/09. A partir de agora, mesmo não sendo, como os rádios e as TVs, concessões públicas, veículos de comunicação social na internet terão de seguir as mesmas regras de debate aplicadas à TV e ao rádio. Ou seja, quebra-se a autonomia da empresa de comunicação que possui um site em decidir qual candidato participará de alguma entrevista online - ela deverá chamar ao menos dois terços dos candidatos para participar de debates eleitorais, sob pena de multa ou ter o site tirado do ar.

A Câmara manteve a liberdade de blogs, redes sociais, sites e programas de mensagens instantâneas (até o msn neguinho quer vigiar!), mas com ressalvas. Ressalvas um tanto inusitadas: o direito democrático de cada blogueiro em expressar sua opinião por um ou outro candidato está liberado, mas caberá o direito de resposta e a proibição do anonimato em artigos e reportagens. Ufa!, sobre o anonimato não preciso temer, mas será que algum dos 350 (estou sendo bonzinho hoje) apadrinhados do Sarney em empresas do governo vão querer direito de resposta por eu já tê-lo criticado por aqui?

Como afirmou o Xexéo outro dia no programa da CBN "Liberdade de Expressão" (atentem para esta expressão, senhores), parece que nossa classe política ainda não sabe lidar bem com a internet. Vejamos: caso a emenda seja aprovada, os sites jornalísticos continuarão proibidos de “dar tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação, sem motivo jornalístico que justifique”. Que tipo de privilégios a proposta se refere? E o quê um fato político precisa para virar “motivo jornalístico”, no entender dos nobres deputados?

Adiante: direito de resposta para blogs?!?! Ora, os blogs estão entre os meios mais democráticos da internet, pois o "direito de resposta" já é algo inerente a eles, na ideia dos comentários que qualquer leitor pode fazer após a leitura das postagens. É isso que torna a internet 2.0 única. Aqui, o leitor também tem vez: cada post tem espaço para comentários, elogios, críticas, "direitos de resposta" etc. E há também a flexibilidade: podemos sempre "corrigir" textos já escritos, acrecentando algo ou cortando eventuais tropeços. Quando um blog obstrui a participação/interação do internauta, aí sim, deixa-nos em dúvida se é realmente um blog, como é o caso do recente Blog do Planalto.

Sobre este blog, já apelidado o "blog do Lula", fica difícil levá-lo à sério após constatarmos que ele não permite comentários após as postagens. Ou seja, é um monólogo, uma via de mão única à qual o leitor internauta não foi convidado a manifestar-se e exercer seu direito de cidadão, apenas ler (ou, no máximo, clicar num ridículo "gostou ou não gostou?" após o post. Longe de resignarem-se, internautas mais atentos já criaram um "clone" do Blog do Planalto, à sua imagem e semelhança. A única diferença, muito importante, é que ali os comentários são liberados.

Enquanto isso, a imprensa vem sofrendo mais perseguições no Brasil e América do Sul. Enquanto aqui temos a censura ao jornal Estado de São Paulo, impedido de denunciar um esquema de corrupção envolvendo o filho de Sarney (olha ele aí de novo), na Venezuela, Chavez (que já fechou uma TV bastante popular) ameaça com o fim da concessão pública inúmeras rádios e TVs locais. E como se não bastasse, semana passada a redação do jornal Clarín, um dos mais críticos ao governo de Cristina Kirchner, foi invadida por um grupo de agentes da AFIP a Receita Federal argentina), sob a acusação de "problemas com a receita federal". Ora, por que dona Cristina não mandou que invadissem as mansões dos ricos argentinos que sonegam impostos?

Aliás, é interessante notar a cara de pau destes políticos ao tentarem explicar o incontornável: na Argentina, madame Kirchner afirmou que nunca houve tanta liberdade de expressão como agora. No entanto, a invasão à redação do Clarín, coincidentemente, se deu no mesmo dia em que o jornal denuciou irregularidades na entrega de um subsídio de US$ 2,5 milhões a uma empresa por um órgão estatal ligado à AFIP. No Brasil, Sarney foi a tribuna do Senado declarar que os parlamentares - e não a imprensa - seriam os "legítimos representantes do povo", porque, eles sim, "agem às claras". Bom, no caso específico do presidente do senado, não parece ter sido este o caso ao nomear secretamente uma infinidade de parentes, namorados de netas, mordomos, amigos de amigos...

Em algum lugar, longe deste Brasil pândego de hoje, Aparício Torelly deve estar rindo a valer com essas situações absurdas e dando graças a Deus por já ter morrido. Por enquanto, resta-nos lutar sempre contra estes desmandos da classe política e as novas formas disfarçadas (ou não) de censura aos meios de comunicação. Caso contrário, como diria o Barão de Itararé, de onde menos se espera...daí é que não sai nada mesmo.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Tempos de paz: cinema e reflexão

- O senhor tem dez minutos para me fazer chorar.
- Isso está no regulamento?
- Eu sou o regulamento.


Em cartaz nos cinemas, o longa "Tempos de paz", de Daniel Filho, merece ser visto por todos que buscam um cinema mais preocupado em levar ao espectador uma reflexão - ainda que carregada de emoção - do que o mero entretenimento de fim de semana. Vou além e acrescento: "Tempos de paz" (adaptado da premiada peça "Novas diretrizes em tempos de paz", de Bosco Brasil, também autor do roteiro) é um antídoto em favor da arte, um estímulo contra a mediocridade que teima em nos perseguir a cada minuto, a cada instante deste dia a dia cada vez mais desprovido de delicadeza.



Enquanto a política - e particularmente o Senando brasileiro - mergulha no nepotismo e na troca dos favores escusos mais descarados, enquanto a educação básica continua de mal a pior, enquanto os cinemas de shopping e teatros dos grandes centros levam ao consumidor uma dieta de superficialidade, lugares comuns e infantilidade involuntária, o longa de Daniel Filho surge como uma jóia bruta, aguardando ansiosamente para ser descoberta e lapidada por espíritos com olhos livres.

A trama é, à princípio, simples: um ex-ator polonês, Clausewitz (Dan Stullbach), junto com outros europeus, está chegando ao porto do Rio de Janeiro. Estamos em 1945: a Segunda Guerra Mundial finalmente acabou e ele deseja morar no Brasil, começando vida nova como agricultor. As crueldades que presenciou na guerra lhe afetaram sobremaneira, a ponto de Clausewitz achar que não há mais lugar para exerceu seu ofício (o teatro) após o conflito mundial. Enquanto isso, no Brasil, o presidente Getúlio Vargas acaba de conceder anistia a comunistas e outros presos políticos. É tempo de buscar "novas diretrizes em tempos de paz".

Ao chegar ao porto, o polonês, que fala perfeitamente a língua portuguesa, é detido por membros da segurança e levado para um interrogatório. Ali, ele conhecerá o sinistro Segismundo (Tony Ramos), um ex-torturador que trabalhara para o governo e que se vê de repente sem atividade, devido à anistia. O cerne do filme tratará de um tenso embate entre o torturador - que acredita ser Clausewitz um agente nazista infiltrado no Brasil e quer deportá-lo imediatamente -, e o ator - que terá apenas a força das palavras e a ajuda de sua arte para livrar-se de seu adversário.

Um dos grandes méritos do diretor Daniel Filho - que sofre até hoje preconceito por parte da crítica, em parte por ter vindo da TV, e muito em parte por fazer sucesso com seus filmes num país em que, como dizia Tom Jobim, o sucesso é "ofensa pessoal" - foi ter mantido no filme os dois atores protagonistas da peça. À época da peça, Tony Ramos e Dan Stulbach dividiram o prêmio de melhor ator do ano. O trabalho excepcional e comovente dos dois em cena demonstra como o prêmio foi merecido.

A pairar acima de tudo, no entanto, está o belíssimo texto de Bosco Brasil, um alento para que pensemos que é possível reencontrar nossa humanidade por meio da arte. Ao se ver encurralado pelo torturador que deseja mandá-lo de volta, Clausewitz não vê outra saída a não ser apelar para seu trabalho como ator a fim de desequilibrar emocionalmente seu adversário e virar o jogo a seu favor. Tudo isso em meio a diálogos precisos e muitas vezes brilhantes.

"Tempos de paz" demonstra que a arte, presa hoje a campanhas publicitárias, negócios milionários, esquematismos previsíveis e textos rasteiros também pode mudar as pessoas. E ainda pode salvar vidas.

domingo, 16 de agosto de 2009

Hitchcock: seu nome é suspense

Na última quarta-feira, 13 de agosto, o mundo do cinema comemorou a data em que o cineasta Alfred Hitchcock completaria 110 anos. Difícil lembrar de comemoração mais justa. Quando vivo, Hitchcock foi um dos mais populares diretores de seu tempo: não só inventou as regras básicas do suspense cinematográfico (gerando inúmeros imitadores, nenhum conseguiu igualá-lo), como também foi um gênio do marketing. É uma delícia rever pelo youtube o clássico trailer de "Psicose", no qual o próprio cineasta circula pela sinistra mansão de Norman Bates comentando ironicamente as cenas de crimes que o público veria; ao final, depois de lembrar a todos que banheiros podem ser lugares muito perigosos, o cineasta faz uma pausa, puxa a cortina do chuveiro e ...ora, vou deixar vocês no suspense! Confiram.

Muito antes de os franceses criarem o termo "cinema de autor", a simples menção de que um "filme de Hichcock" estaria estreando já era motivo para levar milhares de pessoas aos cinemas. Qual a razão deste fascínio do público pelo medo? O que leva até hoje milhares de pessoas a procurarem filmes de suspense e intriga, a ficar por duas horas experimentando a sensação de medo e aflição para ao fim respirarem aliviados?

Talvez apenas o prazer de assistir a uma história bem contada e se deixar levar pela emoção. Nos filmes hitchcoquianos, a manipulação das emoções do público era essencial. Um exemplo clássico de construção do suspense foi dado pelo cineasta ao diretor francês François Truffaut no livro "Hitchcock/Truffaut": "Se um homem está caminhando até sua casa e, ao abrir a porta, uma bomba explodir, o público levará um susto. Mas o susto será certamente bem maior se o público souber da existência de uma bomba-relógio e contar os segundos que faltam para a explosão".

Meu filme preferido do mestre é "Um corpo que cai", um suspense mórbido estrelado por James Stewart e uma Kim Novak no auge da beleza. Vi o clássico quando tinha uns 20 anos, no Estação Botafogo, aqui no Rio, e saí do cinema extasiado com a trama, a belíssima trilha sonora de Bernard Hermann e a direção.

O cineasta que tinha o mesmo cuidado ao filmar tanto cenas de suspense como cenas de amor deixou inúmeras sequências inesquecíveis na história, daquelas que cabem em qualquer boa antologia cinematográfica. Como não lembrar da cena do assassinato do chuveiro logo ao começo de "Psicose"; do beijo de Grace Kelly em James Stewart em "Janela Indiscreta"; do inofensivo brinquedo no parque infantil atulhado de corvos em "Os pássaros"; de um James Stewart desesperado para evitar um assassinato dentro de uma sala de concertos, cujo tiro seria disparado pelo assassino na exata hora do bater dos pratos, em "O homem que sabia demais"?

Para homenageá-lo, escolhi a cena final de outro clássico: "Intriga internacional", filme sensualíssimo no qual o humor e o suspense se mesclam de forma genial. Aliás, dificilmente você verá casal mais charmoso que Cary Grant e Eva Marie Saint, protagonistas aqui. Confiram a sensacional montagem final, que corta de uma cena num despenhadeiro diretamente para um casal em lua de mel dentro de um trem, culminando com uma sutilíssima insinuação sexual (deixei as legendas em italiano só para "apimentar" mais a cena).



Prova de que Hitchcock não estava interessado apenas em amedrontar o público. O cara realmente sabia demais...

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Hiroshima: 64 anos depois ou A reportagem do século

Há exatos 45 anos, numa manhã nublada, ela foi lançada sobre a cidade. Tratava-se de um dos inventos mais sinistros já inventados pelo homem: a bomba atômica. Em questão de minutos a cidade de Hiroshima perdeu 70 mil vidas. Durante o ano seguinte, mais 30 mil pessoas expostas à radiação morreriam. Ou seja, praticamente 100 mil vidas ceifadas pelo lançamento de uma bomba, com o propósito de dar fim à guerra. Até hoje, há uma controvérsia sobre se os ataques nucleares (três dias depois, seria a vez de Nagasaki receber uma segunda bomba atômica) foram de fato necessários para pôr fim à guerra. Pacifistas alegam que a rendição do Japão era iminente; militares e políticos ainda hoje retrucam, afirmando que sem as bombas a Segunda Guerra Mundial se prolongaria ainda mais.

Ainda assim: não haveria uma forma de pôr fim à guerra sem matar tantos, milhares de vidas?

Acontecimentos trágicos como esse não devem ser esquecidos, para que a humanidade sempre saiba que deve evitá-los. Hoje, no Japão, 50 mil pessoas reuniram-se no monumento dedicado às vítimas da bomba, e o prefeito de Hiroshima pediu o banimento das armas atômicas.

Louvável iniciativa, porém uma utopia num mundo revestido de conflitos, no qual países autoritários como a Coreia do Norte ainda constroem armas atômicas como intimidação.

A tragédia rendeu uma infinidade de livros nos quatro cantos do mundo. Aqui no blog, gostaria de lembrar de apenas um deles: "Hiroshima", do jornalista americano John Hersey. Um ano depois do fim da guerra, Hersey viajou à Hiroshima para uma reportagem: o editor da New Yorker, a revista em que trabalhava, pedira ao repórter um relato sobre o que significava uma cidade ser atingida pela bomba atômica. O caminho escolhido pelo jornalista foi simples: escolheu e entrevistou seis pessoas que haviam sobrevivido ao ataque.

Vejamos o começo da longa reportagem: estão ali todas as seis perguntas básicas de como elaborar um lide (o quê, quem, quando, como, onde e porquê), escrito de forma precisa, concisa e envolvente:

"No dia 6 de agosto de 1945, precisamente às oito e quinze da manhã, hora do japão, quando a bomba atômica explodiou sobre Hiroshima, a srta. Toshiko Sasaki, funcionária da Fundição de Estanho do leste da Ásia, acabava de sentar-se a sua mesa, no departamento de pessoal da fábrica, e voltava a cabeça para falar com sua colega da escrivaninha ao lado. Nesse exato momento o dr. Masakazu Fujii se acomodava para ler o Asashi de Osaka no terraço de seu hospital particular,suspenso sobre ujm dos sete rios deltaicos que cortam Hiroshima; a sra. Hatsuyo Nakamura, viúva de um alfaiate, observava, da janela de sua cozinha, a demolição da casa vizinha, situada num local que a defesa aérea reservara às faixas de contenção de incêndios; o padre Wilhelm Kleinsorge, jesuíta alemão, lia a Stimmen der Zeidt, revista da Companhia de Jesus, deitado num catre, no terceiro e último andar da casa da missão de sua ordem; o dr. Terufumi Sasaki, jovem cirurgião, caminhava por um dos corredores do grande e moderno hospital da Cruz Vermelha local, levando ujma amostra de sangue para realizar um teste de Wasserman; e o reverendo Kiyoshi Tanimoto, pastor da Igreja Metodista de Hiroshima, parava na porta de um ricaço de Koi, bairro do oeste da cidade, para descarregar um carrinho de mão cheio de coisas que resolvera transferir para ali por temer o maciço ataque do B-29, que a população aguardava. Uma centena de milhares de pessoas foram mortas pela bomba atômica, e essas seis são algumas das que sobreviveram. Ainda se perguntam por que estão vivas, quando tantos morreram. Cada uma delas atribui sua sobrevivência ao acaso ou a um ato da própria vontade - um passo dado a tempo, uma decisão de entrar em casa, o fato de tomar um bonde e não outro. Agora cada uma delas sabe que no ato de sobreviver viveu uuma dúzia de vidas e viu mais mortes do que jamais teria imaginado ver. Na época não sabiam nada disso."

Ao contar a história do lançamento das bombas pelo ponto de vista dos sobreviventes, Hersey consegiuiu aliar uma alta carga dramática ao rigor dos fatos, tão exigido no jornalismo. Após a publicação da reportagem na revista e mais tarde em livro - com grande impacto entre o público - o mundo ocidental enfim teve consciência da catástrofe ao fim da guerra.

No final de 1999, uma enquete com mais de 100 jornalistas e escritores elegeu "Hiroshima" como a melhor reportagem do século XX. Vale a pena conferir, principalmente aqueles que desejam ingressar no fascinante mundo do jornalismo - com ou sem diploma.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Da série: Essa música me lembra uma história...

"O Guarani", de Carlos Gomes


Há algum tempo atrás, eu estava dando uma aula sobre radiojornalismo no Brasil. Como não podia deixar de ser, falei um pouco sobre a Voz do Brasil, este programa que todas as rádios do Brasil apresentam obrigatoriamente desde a ditadura do Estado Novo - lá se vão mais de sete décadas. Muitos acham a Voz um anacronismo, outros a defendem, mas não quero aqui tecer considerações sobre o programa. Apenas me lembrei que quando comecei a falar do programa, um grupinho de alunos começou a entoar o cântico de abertura de "O Guarani", o clássico de Carlos Gomes, na inacreditável e populista versão radiofônica atual, mezzo Olodum, mezzo Carlos Gomes. Dei uma risada, "elogiei" a desafinação da galera e continuei com a aula. Mais tarde lembrei-me que o "Guarani" já fizera parte de minha vida em outra situação. Uma situação, digamos...mais constrangedora.

Eu era adolescente, devia ter uns 17 anos ou menos, e um amigo, o Renê, me chamou para assistir ao espetáculo de uma orquestra sinfônica no Social Ramos Clube, bem perto de onde morávamos (e moro até hoje), em Ramos. Desconfiei. Uma orquestra de verdade no Social ?!?! Pra mim, orquestras só tocavam no Teatro Municipal, no Centro do Rio ou outros lugares privilegiados. O que dera naqueles caras para virem tocar no subúrbio?

Bem, apesar do estranhamento inicial, topei o programa na hora. E só acreditei no que vi quando adentrei no salão do clube e vi aqueles homens de terno, as poucas mulheres super bem-vestidas, todos concentrados nos seus instrumentos. O programa? "O Guarani", de nosso "selvagem da ópera" (como foi chamado pelos italianos): Carlos Gomes.



A salão não ficou lotado - muitos devem não ter acreditado e ficaram em casa, pensei. Havia apenas metade dos lugares ocupados. Felizes, eu e meu amigo pudemos escolher dois bons lugares. Sentamos e nos preparamos para o concerto. Só havia um problema - era quarta-feira, dia de futebol de salão na quadra ao lado, a menos de 10 metros do palco.

Começa o show (perdão, o concerto). A orquestra toca e o som está inesperadamente muito bom. O público, antes reverencioso em excesso, sorri quando a orquestra toca a parte mais conhecida da ópera - sim a mesma cuja vinheta virou até tema da "Voz do Brasil". Muitos ali jamais presenciaram um concerto de música clássica de perto.

Mas nem tudo é perfeito. Com dez minutos de concerto, dá para ouvir nitidamente algumas trocas de gentilezas entre os times do futsal: "Passa a bola, seu f.d.p."; Agarra essa agora, seu %#**#"; "Não vai marcar não, seu &*##@". O maestro, que já olhara, assustado, para a janela, interrompe o concerto e pede providências. Na platéia, olhares atravessados, risinhos abafados, comentários sobre a falta de educação do suburbano etc.

Minutos depois, a orquestra volta a se apresentar, apenas para parar de novo depois de 5 minutos. Um gol na quadra faz todo o time gritar, e o maestro a se enervar. Ele vai até o "diretor artístico" do clube e ameaça encerar o concerto. Sinto a vontade de enterrar a cabeça no chão, igual a um avestruz, de vergonha.

Depois de alguns minutos de discussão, o responsável pelo clube constata o óbvio e manda encerrar o futebol, sob protestos de alguns jogadores.

O concerto recomeça e desta vez vai até o final, sem transtornos.Estou muito feliz, vou guardar tudo na memória como uma recordação de uma noite cultural intensa.

Intensa? Ainda faltavam os aplausos.

O público, mais habituado com espetáculos de samba e rock, faz um verdadeiro carnaval, maravilhado com o que vira. Gritinhos de "Mais um!" e "U-hu!" são ouvidos. O maestro dá um sorriso amarelo, agradece à platéia e se retira. Cai o pano.


"O público ainda vai apreciar meus biscoitos finos"
Oswald de Andrade.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

O Louvre e seus visitantes: "poderoso, delicado e inesquecível comentário lírico do mundo"

Há um mirante iluminado no olhar de Alécio e sua objetiva. (Mas a melhor objetiva não serão os olhos líricos de Alécio?)

Carlos Drummond de Andrade

Anos 60: um casal apaixonado passeia de mãos dadas pelos corredores de um museu. Ao fundo, o quadro "Os amores de Paris e Helena". Anos 70: três freiras vestidas à caráter observam atentamente as mulheres nuas do quadro "As três graças", de Regnault. Anos 80: à frente do quadro "Duas irmãs", duas mulheres (seriam também irmãs?) imitam o desenho retratado. Anos 90: uma mulher, segurando a filha no colo, grita nervosamente (como no clássico de Munch) para o alto - ao fundo, repousa o quadro "Henrique IV recebe o retrato da rainha e se deixa desarmar pelo amor". Anos 2000: uma bela mulher posta-se sem perceber à frente de uma moldura, dando vida, ainda que no brevíssimo instante de um clique, ao quadro.


Todos estes momentos foram registrados pelas câmeras do fotógrafo brasileiro Alécio de Andrade, no interior do Louvre, o museu mais famoso do mundo. Em 1964, Alécio, então trabalhando para a revista Manchete, foi enviado à França para cobrir conflitos de rua. Não voltou mais. Até 2003, quando morreu, foram quase 40 anos captando imagens de visitantes no interior do museu. Nestas quatro décadas. Alécio registrou nada menos de 12 mil imagens. Agora, 88 delas podem ser conferidas na exposição O Louvre e seus visitantes, no Museu Nacional de Belas Artes (Centro do Rio).



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Logo nos primeiros anos em Paris, Alécio tornou-se um dos fotógrafos da agência Magnum, uma das mais prestigiadas entre os profissionais. Além dos retratos do Louvre, ficou famoso também pelos retratos de intelectuais, do cotidiano de Paris e as inúmeras imagens da infância. Estas têm espaço privilegiado na mostra do MNBA, como os dois irmãos que apontam para o quadro clássico. "Uma mulher nua!", parecem dizer.






Em 1981, Alécio foi contemplado com um poema de seu amigo e poeta de mesmo sobrenome, Carlos Drummond de Andrade, "O que Alécio vê" (vale a pena ler, no blog de Camila Alam). Para Drummond, as fotos de Alécio constituíam um poderoso, delicado e inesquecível comentário lírico do mundo. E aquelas imagens reveladas no interior do Louvre eram especiais, por terem a grande a grande liberdade de retirarem a formalidade e academicismo do ambiente de um grande museu para dar-lhe vida, contornando-o de poesia.

Alécio, como Drummond, era também um poeta. Um poeta das imagens.



quinta-feira, 9 de julho de 2009

Domingos de Oliveira - um homem lúcido

Um dos momentos mais bacanas da semana passada em Paraty foi a homenagem que os participantes da mesa "Separações" fizeram a Domingos de Oliveira. Domingos é um dos caras mais produtivos do cinema e teatro brasileiros, com textos invariavelmente deliciosos. Seus filmes, de baixíssimo orçamento, já foram comparados aos de Woody Allen. Mas Domingos tem um estilo próprio e único.

Transcrevo aqui um texto do autor, declarado ao fim da apresentação em Paraty, com os merecidos aplausos do público.

O homem lúcido

O Homem Lúcido sabe
que a vida é uma carga tamanha de acontecimentos e emoções que ele nunca se entusiasma com ela
Assim como ele nunca tem memórias
O Homem Lúcido sabe
que o viver e o morrer são o mesmo em matéria de valor
posto que a vida contém tantos sofrimentos que a sua cessação não pode ser considerada um Mal O Homem Lúcido sabe
que ele é o equilibrista na corda bamba da existência
Ele sabe que por opção ou por acidente é possível cair no abismo a qualquer momento interrompendo a sessão do circo
Pode também o Homem Lúcido optar pela vida
Aí então ...
Ele esgotará todas as suas possibilidades
Ele passeará pelo seu campo aberto pelas suas vielas floridas
Ele saberá ver a beleza em tudo!
Ele terá amantes, amigos, ideais
urdirá planos e os realizará
Resistirá aos infortúnios e até mesmo às doenças
E se atingido por um desses emissários
saberá suportá-lo com coragem e com mansidão
E morrerá, o Homem Lúcido, de causas naturais e em idade avançada
cercado pelos seus filhos e pelos seus netos que seguirão a sua magnífica aventura.
Pairará então sobre a memória do Homem Lúcido uma aura de bondade
Dir-se-á: "Aquele amou muito. Aquele fez muito bem às pessoas!"
A Justa Lei Máxima da Natureza obriga que a quantidade de acontecimentos maus na vida de um homem se iguale sempre à quantidade de acontecimentos favoráveis
O Homem Lúcido, porém
esse que optou pela vida com o consentimento dos deuses
tem o poder magno de alterar essa lei
Na sua vida, os acontecimentos favoráveis serão sempre maioria...
Porque essa é uma cortesia que a Natureza faz com Os Homens Lúcidos

(Domingos de Oliveira)

terça-feira, 7 de julho de 2009

Flip 2009: Paraty e o alumbramento

Durante cinco dias, todos os anos e no começo de julho, Paraty torna-se a capital oficial da leitura brasileira, com a já tradicional FLIP - Festa Literária Internacional de Paraty. Amantes da literatura espalhados nos quatro cantos do país chegam à cidade para respirar cultura e encantam-se com as muitas seduções presentes nas ruas de asfalto pé-de-moleque, que se mantiveram intactas desde a época do império. Andar por ali é experimentar um pouco de uma atmosfera de sonho, circo e diversão. Abaixo, segue um breve relato, em pequenas pílulas, dos dias em que estive pela cidade perambulando, flanando, ou, nas palavras do grande homenagenado deste ano, o poeta Manuel Bandeira , experimentando a sensação de "alumbramento".

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Sim, o alumbramento, ou o encantamento, a certeza de que estar ali, naqueles dias, nos dava uma sensação maravilhosa de liberdade. Cheguei à cidade na quinta-feira pela manhã, a tempo de conferir a palestra "Separações", com Rodrigo Lacerda e Domingos de Oliveira. A participação do ator, dramaturgo, roteirista e diretor de cinema Domingos deu o tom do encontro, marcado pela leitura de textos, frases ótimas ("não conheço um casal decente que não tenha um sólido desejo de separação") e outras provocativas ("literatura boa é aquela que te ajuda a resolver seus problemas, aquela que te faz uma espécie de auto-ajuda. Moby Dick e Dom Quixote são auto-ajuda").
À tarde, um interessante debate sobre os limites entre realidade e a ficção na elaboração de biografias, na palestra "Verdades inventadas" e a constatação de que não existe biografia definitiva. À noite, uma provocativa palestra do biólogo a ateu especialista em Darwin Richard Dawkins, autor do livro "Deus, um delírio". Ainda neste dia, andanças pelas ruas de Paraty, conferindo os tipos típicos, os viajantes, os locais, a fauna de artistas que acorrem à cidade.

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Na sexta, conferi de perto a Flipinha (para crianças) e a novidade deste ano - a Flipzona - para adolescentes. Uma atração á parte é a decoração da Praça da Matriz: dezenas de bonecos, inspirados em personagens da literatura infantil, povoam o espaço. Dessa vez o local estava ainda mais caprichado, contando com um enorme trem cenográfico, com um boneco de Manuel Bandeira sentado em cima - crianças entravam e saíam correndo dos vagões, numa alegre algazarra. Havia uma tenda redonda, com livros por todos os lados, onde as crianças podiam sentar, pintar, ler, escrever. Não faltavam pessoas fantasiadas - cruzei com uma Emília, de Monteiro Lobato, avistei um pirata e um homem vestido numa linda fantasia de arlequim. A novidade que encantou a adultos e crianças foi uma enorme baleia, cuja boca e interior se iluminavam à noite. Moby Dick?, pensei. Claro que não: afinal era uma praça para as crianças, e aquela não era outra senão a baleia que engolira Gepeto na história de Pinóquio.

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Mas para os amantes da literatura, o grande momento da sexta foi às 19 horas, com a mesa "Sequências brasileiras", tendo como entrevistados Milton Hatoum e Chico Buarque. Ambos já haviam estado na Flip em edições anteriores, e não se furtaram a discutir animadamente sobre os processos de criação de seus livros. Hatoum é autor de um dos melhores romances brasileiros das últimas décadas: "Dois irmãos", e suas histórias são quase sempre passadas em Manaus, cidade onde nasceu e morou até a adolescência, mas que nunca abandonou em suas tramas. Já Chico provocou os esperados suspiros do público feminino (ser uma celebridade musical e literária não é pouco...) e estava bem descontraído, provocando até risadas ao discorrer sobre a pesquisa para seu livro mais recente, "Leite derramado".


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Só uma coisinha me deixa um tanto enfadado durante as concorridas mesas com escritores: a excessiva reverência que alguns entrevistadores têm com os autores. Não há questionamentos mais profundos, provocações, perguntas incômodas - apenas comentários sobre como a obra é interessante, como foi o processo para chegar ao produto final, "seu livro é extraordinário" etc. Tudo bem que um dos objetivos da festa é justamente promover autores, mas às vezes cansa. Na apresentação de Richard Dawkins, faltaram essas perguntas inesperadas. Gostaria de saber o que o escritor, um ateu praticante, teria achado do caso do bispo brasileiro que excomungou uma equipe de médicos no Recife por fazerem um aborto em uma menina que sofrera um estupro do padastro, salvando sua vida. E, cá pra nós, faltou mais senso de marketing. A certa altura da palestra, imaginei como seria interessante se irrompesse no meio do auditório um padre de batina, que correria em direção a Dawkins gritando "Deus existe! Deus, existe!". Imaginem a cena: seria com certeza capa de todos os jornais no dia seguinte...


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Aliás, um bom marketing ou um bom senso de oportunidade podem salvar um evento. Reza a lenda que em 1922, a Semana de Arte Moderna só começou a bombar mesmo quando Oswald de Andrade comprou legumes e ovos na feira em frente ao teatro e pagou a alguns alunos de direito para que insultassem o elenco com gritos e tacassem tomates nos atores. No dia seguinte a "Semana de 22" já estava famosa, graças à polêmica.
Sim, eu sei que a Flip não precisa disso, mas vamos deixar de tanta reverência. Ainda espero o dia em que verei um entrevistador dizer a algum escritor falastrão, no estilo kamikaze de um Hunter Thompson: "Considero sua obra de uma nulidade absoluta e pra mim você é uma enganação!" Seria divertido...


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Sábado foi um dos melhores e mais agitados dias. Comecei assistindo à apresentação de Alex Ross, crítico musical da revista New Yorker - "O dissonante século XX" no qual concilia a análise de obras de grandes compositores eruditos do século XX aos momentos políticos mais importantes do período, como as duas grandes guerras mundiais. Bastante interessante. Assim que acabou a palestra, corri para a Flipzona, onde uma multidão de adolescentes recebiam o multimídia (e agora celebridade) Marcelo Tas, líder da galera do CQC, para um papo sobre as novas mídias. Fiquei impressionado com o nível de empatia que Tas consegue junto aos jovens.

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Ainda no quesito "cadê as perguntas provocantes?", quem as fez neste dia foi o público, durante a mesa "Entre quatro paredes", dos ex-namorados Sophie Calle e Grégoire Bouillier. A história foi mais ou menos assim: há alguns anos, Grégoire quis terminar seu caso com Sophie e escreveu uma carta terminando o namoro. A francesa recebeu a carta e a mandou para 107 mulheres, pedindo que comentassem. Da reação das mulheres a escritora partiu para a exposição Prenez soin de vous, com as respostas de todas sobre o rompimento e o que achavam. Se você está achando que invasão de privacidade é o melhor nome para isso, a escritora pode não concordar - ao meio-dia de sábado, estavam na tenda principal Sophie e o ex-namorado Grégoire (também escritor, mas isso não vem ao caso. Ou vem?), segundo a produção, "reencontrando-se pela primeira vez após o rompimento". Lavação de roupa suja em público? Uma discussão de relacionamento ouvida por milhares? Entenda como quiser, mas a palestra atraiu um número enorme de flipeiros, loucos para ver um arranca-rabo em público.
Mas qual o quê! Os ex-pombinhos foram extremamente civilizados e falaram mais de literatura do que de traição. Só no final, com as perguntas da plateia, A DR engrenou. Um exemplo:

- Sophie, você acha que, após o que fez, os homens ficaram com medo de vc, ou quiseram entrar no espetáculo?
- Tenho um namorado. Ele me pediu para não transformá-lo em objeto literário, caso a gente termine. Consenti - mas posso desobedecer.

Well, pelo visto a noção de privacidade da escritora é bem maleável, não é mesmo?

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Mas a grande estrela do dia, pelo menos para este blogueiro, foi a presença de Gay Talese, o elegantíssimo jornalista americano (veja o último post). Já pela manhã era comum encontrar pelas ruas jornalistas e estudantes de jornalismo, os chamados "talesianos", aqueles que foram à Flip apenas para conferir à mesa de Talese, "Fama e anonimato". Talese não os decepcionou, e contou várias histórias sobre sua vida e reportagens. Do começo bastante pobre, quando o pai italiano, alfaiate, o vestia com os ternos alinhados que costurava e usava o menino como "garoto-propaganda" da loja (a influência paterna é visível até hoje: Talese desfilou seus ternos e simpatia pelas ruas de Paraty, como um dândi, sempre alinhadíssimo). A influência da mãe, que lhe ensinou a ouvir boas histórias e a fixação em buscar belas reportagens em gente comum. Aos 77 anos, o jornalista disse ao público de Paraty que nunca fora seu desejo estar nas primeiras páginas. Contou que começou sua carreira no New York Times , na seção de esportes. Um dia, enviado para cobrir uma luta de boxe, começou a prestar mais atenção em outros personagens além dos lutadores: o homem que de quando em quando soava o sino, começando e encerrando os rounds, a mãe de um dos lutadores que chorava na plateia, vendo o filho apanhar impiedosamente do outro lutador. Para Talese, aquelas eram histórias tão interessantes quanto à luta principal.


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Mesmo discorrendo longamente em suas respostas, a apresentação teve em Mário Sérgio Conti um entrevistador que honrou a arte da entrevista. Conti levantou a bola de Talese, mas não deixou de fazer perguntas incômodas ao mestre, como na ocasião em que perguntou como foi a reação deste ao trabalhar como cafetão numa casa de massagens novaiorquina em 1971, para conhecer os personagens que frequentavam o local e escrever o livro "A mulher do próximo". "De fato, eu humilhei minha mulher na época. Mas não conseguiria ter escrito o painel a que me propus em 'A mulher do próximo' se não chegasse perto daquelas pessoas", respondeu Talese.
Às vezes, um pouco de tensão é essencial numa entrevista. E Talese, que conversou e escutou em sua longa vida histórias de donos do poder aos mais miseráveis anônimos, sabe disso.


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Mas Paraty não é só literatura durante a Flip. À noite, a música, em seus mais variados estilos reina suprema nas ruas, praças e restaurantes. Ouvi de tudo nestes quatro dias em que estive por lá, mas por hora me reservo o direito de só comentar duas atrações: a banda argentina "La cartelera y sus limones domingueros" (sensacional o nome, não?), que mesclava salsa, reggae, mambos, skas, cumbias e outros ritmos latinos em plena Praça da Matriz, levando uma boa parte dos que estavam ali a dançarem alegremente. E, ali perto e na sexta à noite, a apresentação da cantora Maria Gadú, de apenas 22 anos, no Che Bar. De longe, Gadú parece um menino, com um cabelo curtinho e um topete enorme. Quando canta, a intensidade da interpretação é tamanha que arrebata o público. Gadú passeia por Chico Buarque, Adoniram Barbosa, Piaf, Kelly Key (uma interpretação tão única do hit Baba que levou o público a aplaudir no meio), Noel Rosa e Amy Winehouse. Amigos, não sei não, e posso até mudar de opinião, mas acho que é a nova Cássia Eller.


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Domingo de manhã, hora dos últimos passeios, de tirar fotos, de almoçar um delicioso peixe à escabeche e voltar pra casa. Ainda deu tempo pra conferir a mesa "O futuro da América", no qual o histopriador e apresentador inglês e apresentador de programas de TV Simon Schama conversou animadamente sobre os Estados Unidos e a eleição de Barack Obama com a também historiadora e escritora Lilia Moritz Scwarcz - outra que saiu-se muito bem como entrevistadora, saindo sempre do lugar comum e com perguntas ótimas ao inglês.


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Bem, como tudo que é bom, foi rápido e acabou. Mas ano que vem tem mais. Retornei com a esperança de que surjam mais festas e feiras literárias como a Flip em todo o país. O Brasil precisa delas.
Mas, alumbramento igual, só em Paraty, meus caros. Só em Paraty.