segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Feliz 2013!! A minha lista

Eu bem sei que muitos não lerão esta última postagem de 2012 neste tão inconstante blog. Afinal, foram vários (sete!) meses sem postagem alguma, o que fere um dos postulados básicos de quem deseja ser lido: a periodicidade. Tudo bem que houve o período de trabalho, para preparar aulas e lecionar na faculdade. Houve também a viagem à Europa nas férias de julho - a qual, embora riqúíssima culturalmente,  infelizmente ainda não mereceu um únco post por aqui. Eu poderia dar vários motivos para não ter escrito regularmente neste blog, mas não vou chateá-los com eles. O que me impulsiona a voltar a escrever mesmo neste calor infernal é que pude constatar que vários dos posts aqui publicados foram lidos. Alguns mereceram comentários, até. Então, vou em frente. O importante é que vem chegando um novo ano, e como tal data inspira novos desejos, o plano é de publicar mais em 2013, postando a princípio quatro posts por mês (pelo menos um por semana, como já fiz um dia), e continuar levando aos leitores um pouco de meus comentários e impressões sobre o mundo da comunicação e cultura.

Por hora deixo um balanço do que achei de mais interessante neste ano de 2013 no campo da cultura e que vale a pena compartilhar com vocês.

Nos livros, li durante as férias de julho um romance imperdível sobre jornalismo e jornalistas. Trata-se de "Os imperfeccionistas", de Tom Rachman. O autor é inglês, ex-repórter e sabe do que está falando. Rachman descreve os últimos dias de um jornal impresso sediado em Roma e escolhe cada capítulo para um personagem da redação em particular. Há o correspondente internacional que tenta cavar uma matéria por vias não muito éticas em Paris; há o hilário caso do repórter inexperiente que é constantemente passado para trás por outro jornalista interessado em seu cargo, uma "cobra criada" típica; temos a jornalista de economia workaholic e carente que se apaixona por um malandro italiano; o editor que tem prazer em humilhar na redação os reponsáveis por títulos ridículos ou demais erros na redação das matérias etc. Enfim, um mosaico de uma típica turma de jornalistas que poderia estar em qualquer canto do planeta...



No cinema, infelizmente perdi o Festival do Rio e muitos dos títulos ali exibidos, os quais só agora me encontro correndo atrás para conferir. Mas creio que os melhores estiveram ainda no primeiro semestre, entre eles dois que devo citar: a ousadia de "O artista", mudo e em preto e branco, que levou o Oscar de melhor filme; e "A invenção de Hugo Cabret", de Scorcese. Ambos são emocionantes e belíssimas homenagens ao cinema dos primeiros tempos. Não só os recomendo como tive a oportunidade de mostrar uma sequência de "O artista" para meus alunos de História da Comunicação, quando falava sobre a passagem do cinema mudo para o sonoro, tema principal do filme. Mas talvez o melhor filme do ano tenha sido o iraniano "A separação". Um roteiro sensacional, muito bem conduzido e interpretado. Daqueles poucos filmes que a gente sai do cinema disposto a conversar horas sobre ele. Na safra de filmes de super-heróis, o último Batman foi melhor que os Vingadores, fechando muito bem a trilogia; e dentre os meus cult movies do ano (meu deus, há quanto tempo não uso essa palavra!) está com certeza "As vantagens de ser invisível", ótimo drama adolescente com deliciosa trilha sonora oitentista. Quem é tímido e não era popular na escola com certeza se identificará com o personagem principal.
http://youtu.be/IWuVzxH3WeY No teatro, outro ponto cultural o qual fui pouco, gostei muito de duas peças: "O deus da carnificina" (que também virou um bom filme, do Polanski) e "À primeira vista". Ótimos atores a serviço de ótimos textos. A emoção maior, contudo, foi acompanhar a peça sobre as canções de Milton Nascimento, "Nada será como antes", no Teatrro Net, em outubro. Um espetáculo sensacional com canções maravilhosas.

Música? Confesso que estive acompanhando pouco os lançamentos e mergulhado em velharias pop, tanto em CDs como em vinil. Nos CDs, atualizei minha coleção de GIlberto Gil com os disquinhos do mestre lançados em bancas de jornal, local no qual encontrei também álbuns clássicos de Milton Nascimento, como o "Clube da Esquina 2", há muito tempo acalentado, só agora comprado. A volta gradual dos vinis - objeto pelo qual tenho verdadeiro fetiche - foi uma grande alegria. Foi ótimo sair de sebos (ou grandes casas do ramo, no caso europeu) na companhia de artistas como Van Morrison,  Frank Sinatra, John Coltrane, Jeff Buckley, Serge Gaisnbourg, Neil Young, Elvis Costello e vários outros que só enriqueceram minha coleção. Como diria o protagonista de "Alta fidelidade", há poucas coisas tão boas como ficar em casa acompanhado de sua coleção de discos.

No entanto, acompanhei de longe o estouro do tecnobrega aqui no sudeste, em particular a poderosa Gaby Amarantos. Ouvi muito o CD do grupo "Do amor", o trabalho solo de Jack White, "Blunderbuss" e estou no aguardo para comprar o "Abraçaço" de Caetano, além de "Chanel Orange", de Frank Ocean, dois
destaques de 2012.

No rádio, a melhor notícia foi a volta do programa Ronca Ronca, de Maurício Valadares, na Oi FM, agora somente em versão digital. Na boa, foi o melhor presente de Natal que eu poderia ter recebido. Acompanhei o programa em suas variadas encarnações desde os longínqüos anos 80, ainda na Fluminense FM, quando se chamava "Rock Alive". E fico na espera de que Maurício ainda comande muitos outros anos de rádio e boa música.

Pra fechar, a área de shows, outra da qual estive pouco presente, mas que não poderia deixar de citar por um evento bastante especial: o show de Moraes Moreira e seu filho Davi Moraes no Circo Voador no qual tocaram na íntegra o maravilhoso repertório de "Acabou chorare", disco que fez 40 anos em 2012 e que já mereceu postagem aqui mesmo em fevereiro. Um daqueles momentos para não se esquecer: Moraes começando o show contando em forma de cordel a história dos Novos Baianos em meio a ditadura dos anos 70 . Uma ótima banda. Davi emulando Pepeu de forma sensacional e todo o público - até quem viria a nascer bem depois do lançamento do disco - cantando junto todo o repertório do álbum. (Pensando bem, nem tudo está perdido...).

Enfim, uma noite especial. Reflexo de um ano também especial. Que venha 2013. Um feliz ano novo a todos!


sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Lides imperdíveis: o humorista em seu apartamento

O comediante Fernando Caruso é um astro em evidência. E bastante atribulado. É o que transparece na repotagem feita por Carlos Albuqerque, para o Segundo Caderno do jornal O Globo, do dia 29 de outubro: "Um nerd com superpoderes: Com três peças em cartaz, o comediante Fernando Caruso, 31 anos, ainda arruma tempo para cantar, dar aulas e comandar um programa de TV". O que levou o lide a brilhar aqui nesta seção de melhores começos de reportagens é a perfeita descrição do ambiente no qual aconteceu a entrevista - o apartamento de Caruso.

Com graça e sensibilidade, o jornalista enriqueceu o perfil do humorista auto-declarado nerd apenas narrando os objetos ao redor. Leia e imagine apenas se a entrevista tivesse sido feita por telefone - o jornalista na redação e o humorista do outro lado da linha. Com certeza não ficaria tão boa. Ou seja, a entrevista que mais rende ainda é aquela feita frente a frente com o entrevistado.

Mas vamos ao lide...

Se o apartamento de Fernando Caruso falasse, ele nem precisaria dizer que o comediante - uma das estrelas do espetáculo "Z.É.(Zenas Emprovisadas)", em cartaz no Oi Casa Grande - é um nerd. Os sinais estão por toda parte. O pôster dos Simpsons no corredor. O copo do Capitão América em cima da mesa. A caixa de DVDs de "Lost" na sala, ao lado da televisão, protegida pela máscara das Tropas Imperiais, de "Guerra nas Estrelas". As pilhas de quadrinhos no quarto, muitos deles adquiridos recentemente, após uma visita à convenção Comic-Con, realizada em San Diego, nos Estadsos Unidos. Mas, curiosamente, até onde a visão sem raios X permite observar, não há sinal de "The Big Band Theory", o seriado adorado por todo mundo que tem a Força.
- Parece uma contradição, mas eu não gosto de "The Big Bag Theory". Não acredito naqueles personagens. Como, para mim, esse é um universo muito próximo, consigo ver que eles estão fingindo - diz Caruso - Acho fake, não vejo graça. Eu sou nerd, eles não são nerds. Acho que só o Sheldon, que é um pouquinho atrofia social mesmo, me convence. O resto é muito caricato.
     Mas que fique claro: apesar de beber com o Capitão América, o Homem-Aranha é o prsonagem favorito de Caruso.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O desafio do livro reportagem: Geneton e Mauro Ventura debatem o jornalismo atual

Certa vez, um jornalista americano estava numa casa noturna quando notou a presença, em uma das mesas,  da estrela de cinema Ava Gardner. Sim, ela mesma, "o animal mais belo da Terra", segundo a definição de Jean Cocteau, e até então - sabia o jornalista -, inacessível para entrevistas. No entanto, ele não se intimidou. Aproximou-se da estrela, que segurava uma taça de bebida, e antes mesmo que dissesse qualquer coisa, recebeu de Ava um jato de champanhe no rosto. Sem ação, o repórter recuou e voltou para o seu canto. No dia seguinte, a impetuosa estrela ficaria atônita ao abrir o jornal e ler na coluna do jornalista: "Ontem à noite eu dividi uma taça de champanhe com Ava Gardner!"

Histórias inusitadas como essa fizeram parte do debate sobre jornalismo, literatura e livros-reportagem na Biblioteca Municipal de Botafogo na noite do dia 31/10, quando os jornalistas Geneton Moraes Neto e Mauro Ventura conversaram sobre essa fascinante técnica jornalística que é a reportagem. Uma técnica que quando bem feita pode gerar grandes momentos do jornalismo e virar grandes livros, abandonando a efemeridade do jornal diário.

Logo no início Geneton contou a experiência de ter sido o último jornalista a conseguir entrevistar o arredio poeta Carlos Drummond de Andrade, conhecido por quase não dar entrevistas. O poeta, assim como muitos daqueles que destestam dar entrevistas, constumava dizer que tudo que ele queria dizer estava nas crônicas para os jornais e nos poemas. Ok, mas um bom jonrnalista nunca se satisfaz até pelo menos tentar uma forma de vencer as barreiras que o entrevistado estabelece. Foi assim que Geneton ficou sabendo que Drummond detestava estar próximo fisicamente de um repórter, mas era capaz de passar horas conversando pelo telefone. O jornalista conseguira o telefone. Arriscou e ligou. Má hora: a filha do poeta estava internada no hospital, à beira da morte. Mesmo assim, o poeta aceitou conversar por um longo tempo com o o jornalista ao telefone. Encerrado o telefonema, Geneton viu que tinha conseguido material para publicar não só uma entrevista no jornal, mas quem sabe um livro. Quando soube que a entrevista seria publicada, Drummond ainda tentou alguma forma de proibi-la, mas o jornal acabou publicando. Geneton ainda ouviria do poeta um comentário do qual que ele até hoje confessa não saber se Drumond estava criticando-o ou fazendo um elogio: "Você é implacável, heim!". Dois dias após a entrevista ser publicada, o poeta viria a falecer. Alguns anos depois, Geneton lançria em livro a totalidade daquela entrevista, com otítulo "Dossiê Drummond: A última entrevista do poeta"

Bom, na minha opinião, Geneton pode encarar o "implacável" como elogio...

Mauro Ventura contou à plateia que antes de começar a escrever "O espetáculo mais triste da Terra: o incêndio do Gran Circo Norte-Americano" chegou a começar a escrever (sem ir em frente) 22 livros. Isso o deixava angustiado, mas pelo menos tinha o exemplo dentro de casa de seu pai, Zuenir Ventura, que somenter escrevera seu primeiro livro "!968, o ano que não terminou", quando tinha mais de 50 anos. Com mais de 40, Ventura resolveu que o livro tão acalentado iria sair, e escolheu um os mais dramátivos edpisódios da história do Brasil - e que ocorrera em 1961, dois anos antes do próprio jornalista nascer. Foram dois anos de muito trabalho e pelo menos 150 entrevistas que resultaram num livro reportagem que se lê febrilmente, como assistíssemos a um bom filme de suspense.    

Claro que dúvidas e inseguranças marcaram a feitura do livro. A princípio, o repórter especial do Globo, acostumado com a labuta diária de um grande jornal, pensou que recolhidos todos os depoimentos seria fácil passar para ao trabalho de contar aquela história. Mas não foi assim. Primeira dúvida: como começar o livro? Segunda, como estruturar os capítulos da forma mais envolvente? Terceira: e o grande número de depoimentos contraditórios, de fontes cujas versões pareciam a cada hora negar o que outra havia dito? Quanto a esta última dúvida, quem salvou Mauro foi seu pai, Zuenir, que o emprestou um exemplar do livro do argentino Rodolfo Walsh, "Operação Massacre" - reportagem sobre o fuzilamente de peronistas na Argentina, na qual o autor embaralha de forma bastante hábil as diversas versões do fato.

A partir da leiitura de Walsh, Ventura encontrou o caminho para o seu livro. E então não foi difícil comçar e estruturar a trama daquele fatídico 17 de dezembro de 1961, em Niterói, e que é considerado até hoje a maior tragédia circense da história.   
Os dois jornalistas ainda falaram de seus livros e autores preferidos dentro do campo da reportagem, como os relatos de Joel Silveira e Ruben Braga como correspondentes na Segunda Guerra Mundial, as crônicas jornalísticas de Gabriel García Marquez, "Soldados de Salamina", de Javier Cercas, entre outros. Geneton - um dos melhores entrevistadores brasileiros - reclamou do "papo de comadres" em que se transformam algumas entrevistas, em especial na televisão e divertiu a todos ao reclamar do que ele chama de "síndrome da frigidez editorial", que pode ser resumida na incapacidade dos editores em aceitar boas histórias achando que o público não estaria interessado...

Enfim, um debate que rendeu uma noite acalentadora para quem acredita na força do bom jornalismo em encontrar histórias que merecem ser contadas, e em todo o trabalho árduo que faz parte da profissão.  





   

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Marina de La Riva e o desafio do segundo disco

Tomo a liberdade de publicar aqui uma crônica que escrevi para o blog de uma amiga, Janaína Faustino ("Já Ouviu?"), sobre uma cantora da qual gosto muito. Com isso, espero poder voltar a escrever regularmente por aqui. Sem periodicidade definida (um desafio ainda difícil, vide os meses parado...) mas com a mesma vontade de postar comentários, crônicas, críticas, bobagens...enfim, tudo aquilo que acenda a vontade de escrever e, como dizia um grande escritor colombiano, "ajude a manter a mão trabalhando". Sendo assim, recomecemos, pois.

Marina es de La Riva, de Cuba y del Brasil

“No te quiero si no por que ter quiero//Y de quererte a no quererte llego//Y de esperarte cuando no te espero//Llega my corazón Del frio al fuego//Y em esta estoria solo yo me muero//Y moriré de amor por que te quiero//Y me quiero amor, a sangre y fuego” Soneto LXVI (Pablo Neruda e Luiz Felipe Gama)

Certa vez, Tom Jobim afirmou que a melhor música popular do século XX tinha sua origem no entrecruzamento das músicas de três países: Estados Unidos, Cuba e Brasil. Para Jobim, a qualidade da música popular destes países teria em comum o fato de ter sido criada em seus primórdios por negros – nos EUA, daria origem ao blues e ao jazz; em Cuba, à salsa e o bolero; no Brasil, ao samba. Ou seja, a África e seus descendentes de escravos seriam um referencial comum. Música, ao contrário do que pensavam os puristas do século XIX (quando esta era privilégio das elites, e dificilmente saía dos salões da realeza), é mistura. Com a entrada em cena do rádio, a música popular demorou, mas aos poucos foi galgando seu sucesso junto ao público. Gêneros de sucesso internacional surgidos em meados do século XX, como o rock n’ roll, o bolero e a bossa nova (apenas para ficarmos nos três países citados) foram criados também na mistura entre a canção pop negra e a musicalidade livre de compositores brancos sem preconceito. Este preâmbulo é apenas para abrir caminho a uma cantora que literalmente tem sua origem na mistura (em sentido amplo): ela é filha de pai cubano e mãe brasileira. Falo de Marina de La Riva, que está lançando “Idilio”, o aguardado sucessor do primeiro disco, de 2007.

Como diria um narrador em castellano, yo me recuerdo. A primeira vez que vi e ouvi Marina de La Riva foi em Paraty, em 2007, durante a festa literária FLIP. Havia um bar na Praça da Matriz especializado em músicas latinas e naquele dia haveria uma festa fechada. Mesmo barrados no baile, aquele primeiro contato com a cantora renderia uma pérola. Da praça, ao ouvir o ritmo suingado que vinha lá de dentro e a voz da bela cantora, alguém logo a achou parecida com a atriz Penélope Cruz. “Ué, mas a Penélope Cruz virou cantora?”. Logo saberíamos que a cantante era na verdade brasileira, e acabava de lançar seu primeiro disco, entremeado de canções em português e espanhol. O tempo passou, Marina seguiu em frente cantando e fazendo shows, embora jamais tenha virado uma cantora popular de fato. Era como se os fãs de música d’além Paraty estivessem também “barrados” às interpretações de Marina. Seu estilo sofisticado, longe daquele predestinado às FMs, sem emanar cantoras como Marisa Monte e afins, parecia confiná-la a um nicho conhecido apenas por uma nata de aficionados em música. Segura de si, ela foi em frente. Lançou um álbum ao vivo (“Ao vivo em São Paulo”), e participou na TV do programa Som Brasil, da Globo, em homenagem a Lulu Santos, convidada pelo próprio - quando deu um molho de salsa bastante caliente ao sucesso pop “Condição”. Marina seguiu na estrada, realizando seus shows e reunindo ideias para um novo trabalho.

Em 2012, a cantora finalmente lançou seu aguardado segundo álbum de estúdio. “Idílio”quer dizer romance em espanhol, e é um álbum mais denso e bem produzido que o anterior. Se um diferencial do disco de estreia era justamente a confluência entre canções cubanas e brasileiras, o que a afastava de saída do ecletismo reinante das novas cantoras brasileiras (situação que pode render tanto pérolas como equívocos), em “Idílio”, ela amplia o leque e vai mais além na mistura de ritmos, trazendo para sua obra ritmos ligados a Porto Rico, Argentina e Espanha. Ao falar de densidade, releia o poema de Pablo Neruda no alto deste texto. Ela está presente na faixa “Voy a tatuarme”, de Amaury Gutierrez, onde a letra derramada vira uma animada rumba, e que rendeu um belo videoclipe gravado em Buenos Aires.



Se em uma das melhores faixas do primeiro disco – “Ojos malignos - Marina pegou um bolero e transformou num samba, com a participação de Chico Buarque cantando com ela em espanhol, a fórmula continua em “idílio”, com a inusitada e bastante divertida versão de “Estúpido cupido”, que vira um animado mambo (!). (Isso mesmo, o clássico pop de Paul Anka, que na versão de Celly Campelo é aposta certa em qualquer festinha de casamento ou baile de debutante). O resultado é irresistível e chega ao disco no meio de uma ótima sequência cantada em português: a singela e um tanto sacana “Juracy” (de Antonio de Almeida e Cyro de Souza), aquela do “pode ser ou tá difícil, Juracy”?) e a deliciosa “Deixa que amanheça”, de Oswaldo Santiago quando o amante suplica à amada para ficar com ele até o amanhecer, somente para pedir marotamente, após a noite de amor, para ela permanecer, e “deixar que anoiteça”: “Espera um pouco//Deixa que amanheça//Aqui em meus braços//Recosta a cabeça//A noite é tão fria//A treva é espessa//Ouve o que eu te peço//Deixa que amanheça”. Segue o amante: “Se amanhã, estiver chuvoso o dia//Por favor, fique em minha companhia//E de nós dois, o tempo esqueça//Espera um pouco, deixa que anoiteça”. Aliás, uma das direções musicais seguidas por Marina é dar nova vida a clássicos populares das décadas de 1950 e 1960, fazendo com que os ouvintes mais velhos deem um sorriso e digam, “essa é do meu tempo”.

Marina começa o disco de forma um tanto melancólica, com a luxuosa participação do trombonista Raul de Souza, em “Añorado encuentro” de Piloto Bea e Vera Morua (Raul também participa das faixas “Dile por que mi tea”, de T. Smith e “Muñeca” de Eddie Palmieri). A faixa tem belos versos que se entregam ao ouvinte, como “Hoy, rompo las cadenas del silencio//Logro decirte, que te quiero//Que tu eres todo ló que anheio” “Idilio” tem um conceito por trás, que é uma seleção de canções de amores perdidos, refeitos, súplicas, tristezas e retornos. Em “Ausência”, de Vinícius de Moraes e Maria Medalha, Marina declara num arranjo quase acústico: “Eu tinha feito da saudade a minha amiga mais constante”. O disco segue com tristíssima “Assum Preto”, de Luis Gonzaga e Humberto Teixeira – se no primeiro álbum a cantora inseriu partes de canções mais animadas de Gonzaga, como o “Xote das meninas” e “Adeus Maria Fulê”, aqui temos a trágica história do pássaro que tem seus olhos furados para poder cantar melhor (“Mas Assum Preto, cego dos óio//Num vendo a luz, canta de dor”), apenas para comparar-se a ele no final da canção: “Também roubaram o meu amor que era a luz dos olhos meus”. A tristeza ganha tons mais atenuados na canção seguinte, “Canción de las simples cosas”, de Armanda Tejada Gomes e César Isella, dona de belos versos como “Por eso, muchacho, no partas ahora, soñando el regreso//Que el amor es simple y las cosas simples las depura el tiempo”.

Há um tom intimista que perpassa estas primeiras canções, como em “Como duele perderte”, gravada em ritmo de samba apenas com voz, violão e tamborim. Logo depois temos uma quebrada de ritmo em “Y”, em que Marina canta acompanhada apenas do violão de Daniel Oliva. É um dos únicos momentos do disco que não decolam, algo logo quebrado pela contagiante e já citada “Juracy”. O disco mantém a qualidade na faixa 10, “Dile que por mi no tema”, num arranjo jazzístico do pianista Pepe Cisneros, em que dá vontade de estalar os dedos junto à canção. O trombone de Raul de Souza volta a se fazer notar em “Muñeca”, em que a cantora faz confidências amorosas a uma...boneca. Aqui o destaque é a percussão, que faz a música começar lentinha, num quase bolero, para depois transformar-se numa bela salsa, enquanto Marina canta: “Ay mi muñeca, perdoname”. O clima “cubano” do álbum soa mais forte nestas últimas canções. “Idílio” é uma bela salsa que conta com a bateria de Pupilo, o sax de Thiago França e até palminhas da cantora e Ricardo Valverde. Marina canta novamente as dores de amores, enquanto o refrão diz “Soñando, contigo, querendo que se cumpla nuestro idílio”. As duas últimas canções continuam a falar de romances, arrebatada como em “Voy a tatuarme tu nombre” (“Voy a tatuarme tu nombre, em cada parte del cuerpo//Para que nadie te robe//Para que nadie te borre”) ou mais contida, como em "Voy a guardar mi lamento", cantada em português e espanhol (“Tudo acabado//Fiquei tão triste//Mas não me queixo//Ninguém vai me ver chorando//Eu vou guardar o meu lamento para quando estiver sozinha//Voy a guardar mi lamento para cuando yo esté sola”.


Após a audição deste belo álbum, uma reflexão se faz necessária. Seria Marina de La Riva capaz de angariar sucesso para além do público fiel e selecionado que já possui? Ou continuará, como naquela festinha fechada em Paraty, um privilégio para poucos, fãs de música mais sofisticada? Sabemos que a música cantada em espanhol não tem a mesma popularidade do pop internacional tocado na maioria das rádios, em sua grande maioria em inglês. Nos anos 1950 tivemos uma onda de música latina especialmente ligadas a salões de dança de salão, onde o bolero atingiu grande sucesso (pergunte a seus pais quais as músicas que eles dançavam nos bailes quando namoravam - há grandes chances de haver um bolero no meio). Boleros e outras canções derramadas, de amores perdidos e apaixonados, foram sufocados mais tarde com as canções ensolaradas da bossa nova e a alegria dos rocks da Jovem Guarda. Desde então, o sucesso de músicos “cantantes” na língua espanhola no Brasil foi cada vez mais esporádico, situação que vem mudando com a globalização e uma maior abertura a grupos pop argentinos, mexicanos e espanhóis. Marina de La Riva é a prova de que a música pop hoje não tem fronteiras, e o pop anglo-americano hoje tem que conviver com colegas latino-americanos e europeus. Com “Idílio”, ela demonstra algo também raro no pop atual: personalidade.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Minha carne é de carnaval...meu coração é igual

Carnaval já vai indo, os foliões se retirando, a galera que curte a festa ainda esperando os últimos blocos na cidade para fechar a tampa neste fim de semana. Pra quem é de carnaval e curte um som atemporal, que tem tudo a ver com a folia, vale a pena ouvir de novo - e sempre - o clássico álbum "Acabou chorare", dos Novos Baianos, que está completando 40 anos em 2012.

Uma pena que eu só fui conhecer o disco com mais de 30 anos de idade. Eu devia ter uns 20 e poucos anos e quase todo o sábado frequentava uma casa noturna perto de casa, em Bonsucesso, chamada Miro's. Havia ali uma banda que tocava sucessos do rock e pop brasileiros, e em especial um número no qual a galera sempre cantava junto: "Preta pretinha", um dos muitos sucessos daquele disco. Um dia, no centro da cidade, finalmente comprei o CD do grupo, com uma capa diferente daquela que ficou famosa - com o que parece ser o final de uma refeição, com a mesa ainda por arrumar, daquele grupo que optou por viver, no melhor estilo hippie da época (1972), em comunidade, num sítio em Vargem Grande, Rio de Janeiro. Na capa do "Acabou chorare" que tenho aqui em casa, está a turma toda dos Novos Baianos, junto com filhos e agregados, uma típica foto "família" - a qual eles realmente eram - de quem viveu todo aquele desbunde setentista.

"Acabou chorare" é hoje e sempre um dos meus "discos de cabeceira", um dos raros procutos artísticos que pego pra ouvir não só no sofá de casa, no carro, em viagens, como também pra anular qualquer baixo astral. Que o digam Marisa Monte, Lucas Santtana, China, Wado e outros talentos que em matéria especial do Segundo Caderno, do Globo, reverenciaram os 40 anos do lançamento do clássico álbum, aquele que pela primeira vez na música brasileira uniu a guitarra de Jimi Hendrix (ave, Pepeu!) ao samba de João Gilberto.

Rock n' Roll, Samba e Carnaval. Para sempre novos. Novos Baianos.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Quem deveria ganhar o "oscar canino"?

Um dos maiores prazeres de assistir ao filme "O artista", candidatíssimo ao oscar de melhor filme de 2012, está em acompanhar a atuação do melhor amigo do protagonista, um cãozinho da raça jack russel terrier chamado Uggie, que dá uma verdadeiro banho em cena. Uggie é tão bom que consegue dançar, se envergonhar, fingir de morto e até salvar a vida de seu dono nesta deliciosa obra muda que homenageia a era clássica do cinema em Hollywood. Leio no site do G1 que o cão acaba de ganhar um prêmio nos Estados Unidos, o Golden Collar Award (algo como "coleira de ouro"), desbancando outro cão em destaque nos filmes do Oscar, o doberman Blackie, do filme "A invenção de Hugo Cabret". Uggie também ganhou prêmios na Europa, entre os quais uma "palma de ouro canina", dos franceses, deliciados com sua performance.





Infelizmente Uggie não foi convidado a participar da cerimônia do Oscar 2012. Uma pena. Havia rumores de que o apresentador Billy Cristal e Uggie estariam até preparando um número em conjunto para a cerimônia, mas a academia nega. Pior para a academia: no Globo de Ouro, premiação na qual "O artista" saiu como grande vencedor, Uggie estava lá, no colo do ator e protagonista Jean Dujardin, "agradecendo" os prêmios recebidos.


Tirando o doberman Blackie do filme de Scorcese, o qual ainda não vi, penso que o único cão que poderia competir com Uggie seria Milu, o mascote de Tintim, do filme de Spielberg. A diferença óbvia é que Milu não existe de fato - é uma criação digitalizada,dentro da técnica impressionante da equipe do filme, que faz os seres de animação parecerem reais. O cão de Milu, assim como Uggie, também é bastante inteligente e tem papel importante em todas as histórias de Tintim. Sendo que nos quadrinhos da série, que devorei avidamente na minha infância, Milu também pensava e ajudava o repórter detetive a sair de várias enrascadas.


Milu ou Uggie? Apesar de ser fã de Tintim, de ter gostado muito do filme (meu filho já me perguntou pra quando é o "Tintim 2"), fico com Uggie. Nada contra a tecnologia, mas só de saber que Uggie é real, e que suas peripécias não foram obra de homens por trás de computadores e pranchetas, mas sim de muito empenho de seu treinador, escolho o astro canino de "O artista". Não ha ali bichos recriados digitalmente, como no recente "O planeta dos macacos" ou "O zelador animal" - tão bem feitos e manipulados que impressionam. Há, na verdade, uma atuação comovente do cãozinho e que realça o tom singelo do belo filme francês. É um animal de carne e osso, assim como aqueles que atuam em "Cavalo de Guerra", também em Spielberg, que ao contrário do que fez em "Tintim, preferiu usar cavalos de verdade no filme (li em uma entrevista que em apenas duas cenas o diretor recorreu à tecnologia digital). "São grandes atores", disse. É verdade - a cena em que os dois lados em conflito na guerra fazem uma trégua para juntos salvarem o pobre cavalo preso num emaranhado de arames farpados é uma das mais belas do cinema recente.


Por aqui, vou ficar na expectativa de muitos prêmios para "O artista" na festa do Oscar. E que de repente a academia volte atrás da decisão e faça como palma e o globo de ouro, liberando a entrada de Uggie na cerimônia. Nem que seja apenas para fazer xixi no terno de Billy Cristal...








quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Da série lides imperdíveis - o perfil de Maria Prestes

Gay Talese já dizia que o jornalismo é a "arte de sujar os sapatos". Ou seja, sair das redações e bater perna nas ruas ao encontro de alguma boa história, ou de algum personagem interessante para descrever. Uma reportagem poderá render bem mais quando o jornalista é testemunha ocular: quando ele pode descrever o local de forma atraente para a narrativa e para o leitor. À maneira de um autor de romances, um bom jornalista sabe descrever o cenário, as luzes, objetos e o local do acontecimento de modo a enriquecer seu texto com pequenos detallhes os quais, se bem colocados, fazem toda diferença. Da mesma forma é a entrevista. Pergunte a algum repórter experimentado e ele dirá que o contato pessoal é a melhor forma de realizar um perfil do seu entrevistado. Bem melhor do que a entrevista por telefone, marcado pela impessoalidade, o contato pessoal dá a chance ao jornalista de não só ganhar a confiança do entrevistado, como também usar a observação e a memória para descrever o cenário a sua volta.


Voltando à série "lides imperdíveis", com grandes começos de reportagens, darei como exemplo a reportagem "Retrato de família", realizada pelo jornalista Chico Otávio para a Revista do Globo, matéria de capa do dia 15 de janeiro de 2012. O jornalista começa seu texto com uma descrição detalhada de objetos da casa da viúva do ex-lider comunista Luiz Carlos Prestes. Ao longo da leitura, o leitor vai assimilando traços peculiares do cotidiano e da personalidade daquela mulher que fora casada com um dos mais conhecidos políticos brasileiros.
O "gancho" da matéria, ou seja, o motivo da reportagem, havia sido a repercussão de cartas, fotos e outros documentos familiares de Prestes que mostravam não o líder comunista, com aquela imagem que ainda é forte para muita gente, a do homem com tempo apenas para luta políticas. Em sua maioria, são fotos simples e banais, como aquela que acabou sendo capa da Revista de História, com Prestes na praia, de sunga e tomando sol, e que acabou atiçando a ira da filha mais famosa do líder comunista, Anita Leocádia, filha de Prests com Olga Benário, ardorosa defensora da imagem do pai e que, segundo a matéria, nem fala com a "imprensa burguesa".



Pois foi esta mesma imprensa burguesa que, num perfil excelente, conseguiu levar ao leitor estes conflitos familiares, descobrindo uma personagem que nunca frequentou manchetes, mas rica em sua humanidade. Uma leitura que vale a pena e, por isso mesmo, não poderia faltar nesta série.



Na sala repleta de fotos do Velho e de foices e martelos estampados em objetos da antiga União Soviética, que fazem do ambiente um santuário comunista, Maria do Carmo Ribeiro Prestes expõe um ateísmo convicto:
- Religião é apenas uma hipótese. Só hipótese.
Um olhar mais atento, porém, descobre entre matrioskas, cálices de vodca, pinturas russas e outras recordações, guardadas no apartamento da Gávea, uma pequena imagem de Nossa Senhora. Intrigado, o visitante cobra explicações.
- Ah, ganhei e deixei aí - sorri a anfitriã.
Mãe de sete dos oito filhos de Luiz Carlos Prestes, com quem foi casada por 38 anos, Maria nunca deixou de zelar pelas memórias e pelas crenças do marido. Mas a vida difícil, marcada por perseguições, clandestinidade e exílio, foi incapaz de endurecer o seu discurso ou turvar o seu humor. A matriarca, aos 81 anos, preserva a mesma generosidade com que, na gélida Moscou dos anos 1970, abria as portas de casa aos exilados atraídos pelo aroma brasileiríssimo de uma improvável feijoada.
Na defesa do legado de Prestes, Maria criou um estilo. Não é solene, não prega a ortodoxia. Partiu dela a revelação das recordações mais íntimas do Cavaleiro da Esperança que vieram a público este mês, com a doação de cartas, documentos e fotografias familiares de Prestes ao Arquivo Nacional, na contramão da ideia de que o legendário líder comunista só tinha tempo para as lutas contra as oligarquias e o capitalismo.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Ilha Grande - beleza em estado puro*

A primeira vez em que ouvi falar da Ilha Grande havia sido a respeito do famoso presídio que por décadas funcionou ali, e que se tornara conhecido por abrigar figuras do porte de Graciliano Ramos (que, preso pelo Estado Novo de Vargas, escreveria então seu "Memórias do Cárcere"). Uma outra lembrança era audiovisual: lembro de, ainda moleque, assistir na televisão à série "Bandidos da Falange", na qual o presídio também servira como locação. Para mim, em minha memórias imaginárias, a Ilha Grande era um belo local de natureza selvagem, onde criminosos eram levados e trancafiados, tal como outras ilhas famosas que continham presídios, como Alcatraz e a ilha de Papillon, só pra citar duas que viraram filmes. Antes de conhecermos, estarmos lá, cada local é aquilo que imaginamos.







Tudo isso mudou recentemente, quando pela primeira vez pisei de verdade na maior das ilhas do litoral de Angra dos Reis. De repente, me dei conta de que deveria mudar radicalmente meu conceito. Estava fazendo um lanche numa creperia, à noite, e, afora eu e Ana, todos, ou quase todas as outras pessoas presentes, incluindo as garçonetes, eram estrangeiras. Sinal dos tempos: do antigo presídio, só restam as ruínas e pouca gente se aventura a ir até lá. Hoje, a Ilha Grande é um belíssimo território a céu aberto, movimentado pela pesca e pelo turismo em grande escala, que atrai estrangeiros do mundo inteiro.

Naquela creperia, que me fez sentir com a estranha sensação de estrangeiro dentro de meu próprio país, eram evidentes e em profusão os sotaques em espanhol e italiano. Intrigada, Ana perguntou à dona da pousada em que estávamos como era o movimento no inverno. "Bastante cheio e com muitos turistas", respondeu, para nosso espanto. E quem vem?, perguntei. "Há de tudo. Há a temporada dos italianos, dos espanhóis, dos israelenses, dos ingleses. A Ilha recebe turistas o ano inteiro", ela disse, enquanto acarinhava o belo e dorminhoco cão de guarda da pousada, Cabrón - sim, até o cachorro tinha nome gringo...

Para chegar à Ilha, há três alternativas: de barca, de saveiro ou catamarã. Pegamos a barca das 15h30 na correria, em Angra, após quase tê-la perdido - a pontualidade é uma qualidade dos serviços. Chegamos em torno das 17h à Vila do Abraão, sob um céu claro mas ainda com nuvens. Mal sabíamos que logo as nuvens se dissipariam e teríamos pela frente quatro dias de sol, sob uma temperatura deliciosa de verão carioca.

Deixamos as malas na pousada e fomos caminhar. A Vila do Abraão - de longe a área mais populosa da Ilha Grande, e que concentra a maioria dos hotéis, pousadas e campings - à primeira vista, parece uma vila de pescadores tomada por turistas do mundo inteiro. Era 20 de janeiro. Entramos na bela igrejinha bem no centro da Vila, no meio da praça, e, para minha surpresa, estavam comemorando o dia de São Sebastião, com bandinha e missa montada num palanque do lado de fora. São Sebastião, além de padroeiro do Rio, também o é da Ilha Grande. Coincidência ou não, também moro perto de uma igreja de São Sebastião, no Rio, e a profusão de pessoas vestindo vermelho, a cor do santo, me lembrou das procissões no meu bairro das quais tantas vezes vi passar.

Neste dia ainda estive na Praia Preta e passeando por trilhas, quando fomos até às ruínas do aqueduto. A Ilha Grande é próspera em trilhas e recebe gente de todos os cantos dispostos a passar o dia caminhando e admirando a beleza natural da região. Caminhe pela Ilha e verás que vale a pena: uma hora, você se depara com uma ruína histórica, de alguma edificação dos tempos do Império; em outra, dá de cara com uma bela cachoeira, quando a tentação de largar tudo e entrar n'água é grande.

No entanto, mal sabia eu que o melhor estava por vir. E este melhor atendia por um nome: Lopes Mendes. A praia paradisíaca, já eleita uma das mais belas do Brasil, tem seu acesso de barco, mas apenas até certa parte, pois qualquer embarcação está proibida de atracar por lá. Depois, continuamos numa trilha de cerca de 20 minutos a pé, quando me deparei com uma praia belíssima, de águas cristalinas e visual de tirar o fôlego. Havíamos chegado. Mergulhei e nadei para longe da areia. Ao virar-me, deparei com a Mata Atlântica em todo o seu esplendor, sem nenhum sinal de carros, casas, avenidas, prédios ou viadutos. Não dava pra acreditar: era como se eu estivesse na ilha do seriado "Lost". Apenas a natureza plena, o que me fez sentir como se estivesse num local onde a civilização ainda não se atrevera a pôr os pés e a natureza reinasse absoluta.

No dia seguinte, decidimos por um passeio de barco. Estivemos na Lagoa verde, Lagoa Azul, Praia dos Macacos e Praia da Feiticeira. Lugares belíssimos, onde o grande barato é o mergulho com snorkel, onde dá pra se sentir no fundo do mar, nadando entre peixes coloridos e admirando o fundo, com toda aquela misteriosa profusão de pedras, conchas, vegetação e seus mistérios... Passamos o dia passeando de barco e mergulhando nas águas ora mornas, ora frias daquele litoral sem igual, com paradas para comer peixe na brasa, que era feito dentro do barco...Enfim, foram momentos em que tudo deu certo.

Passei quatro dias plenos na Ilha Grande. O resto da viagem foi de caminhadas, crepes, pizzas de tomate seco, cerveja, sucos naturais, sorvetes, cafés, passeios pelo pier, lojinhas, praia do abraãozinho (com novos sotaques estrangeiros) e uma sensação de que o paraíso não deve ser tão longe.

Do antigo presídio, a única lembrança que vi por lá eu encontrei em duas fotos dentro de uma lojinha de lembranças na Vila do Abraão. Num belo álbum com imagens deslumbrantes da Ilha, havia ali uma foto antes e outra depois da implosão do local. Fotos que destoavam das outras, em sua grande maioria marcadas pela beleza.

Um dia antes de irmos embora, ao pararmos para uma cerveja num bar montado nas areias da praia do Abraãozinho, puxamos papo com nossa simpática garçonete. Não, ela não era estrangeira. Era de Petrópólis, contou. Em uma das idas à ilha, encontrara um francês, pelo qual se apaixonara e agora estava casada com ele. "Na alta temporada do verão, nem saio daqui. Depois, em abril, eu e meu marido vamos pra Europa, onde passamos nova temporada, até voltarmos novamente para a Ilha". Sobre empregos, a oferta é grande e atualmente um dos poucos problemas para turistas que se encantam pelo local e querem, digamos, prolongar todo aquele prazer de estar ali, é a falta de casas para alugar ou comprar. "Quem consegue, fica", ela dizia.

Sinceramente, não encontrei razões para discordar.



* Artigo inspirado no livro de viagens culturais de Ruy Castro e Heloisa Seixas, "Terramarear"

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O bebê rasgando papel na propaganda do Itaú

A primeira vez que vi o comercial achei com pinta de videocassetada do Faustão. Depois, ouvindo a CBN, descobri que se trata de uma propaganda inspirada num viral do ano passado, cujo número de visualizações ultrapassou a marca de 34 milhões só em 2011. Espertamente, o banco utilizou recursos digitais para deixar a roupa do menino da cor laranja (cor-símbolo do Itaú) e também mexeu com efeitos de imagem no papel que o pai rasga, para deixá-lo com cara de extrato bancário.

O resultado: um viral ingênuo e inocente de um adorável garotinho na internet transformou-se em uma propaganda de banco que prega a "sustentabilidade". Tudo bem, afinal a regra hoje é pegar carona no discurso em prol do meio ambiente, mas não podemos esquecer que o interesse comercial, no caso, é bem maior. Pois ao pedir para os clientes que cancelem o recebimento de extratos pelos correios, o Itaú economizará uma grana milionária, como bem observou o blog do JJ, que, à respeito do anúncio, faz uma singela perguntinha: "ninguém fala em reduzir custos dos bancos para os clientes, fala?"

Vejamos o vídeo original...



E, abaixo, o vídeo do Itaú:




Voltando às videocassetadas. É sabido que a produção do Domingão do Faustão e de congêneres que passam estes vídeos feitos pelo público pagam um valor determinado aos responsáveis pelo envio dos vídeos. Também há casos (muitos, desconfio)de pais e mães que planejam determinada "vídeocassetada" para ser mostrada na TV e conseguir uma grana, sem o menor constragimento. Sim, people, não existe almoço grátis. Minha pergunta: será que a agência que criou o comercial do Itaú entrou em contato com a família do garotinho para pedir autorização, no intuito de transformar digitalmente a saudável brincadeira entre pai e filho em anúncio de banco?

Tomara que sim. Pois o que pode parecer excesso de zelo de minha parte ou de outros também pode ser já uma leitura influenciada pela iminência da votação da SOPA. Pra quem não sabe, a sigla (Stop Online Piracy Act) é uma lei controversa proposta pelo governo dos Estados Unidos que propõe regular os direitos autorais na grande rede. Até aí tudo bem. Mas também propõe que qualquer provedor, site de busca ou rede social seja responsabilizado pelo conteúdo publicado pelos usuários caso este seja protegidos por direitos autorais. Ou seja, punir com a lei quando o usuário de uma rede social ou de um blog publica um vídeo musical ou trecho de um filme sem autorização, de uma forma "pirata". É aí que tudo se complica. Pois, o que é conteúdo "pirata" para alguns, pode ser difusão do conhecimento para outros.

O assunto é muito sério e voltaremos a ele em outros posts. Por hora, só gostaria de fazer uma perguntinha ao Itaú: e então, vocês pagaram os devidos direitos de imagem à família do adorável garotinho rasgador de papel?

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Afasta de mim esse celular! Como assistir ao show de Chico Buarque em meio a um mar de gadgets não-convidados

Sábado à noite. Pouco antes de começar o show de Chico Buarque, em temporada no Vivo Rio, as luzes se apagam e uma voz gravada anuncia breves informações sobre os patrocinadores, as próximas atrações etc. Pede também que os aparelhos celulares sejam desligados e deseja um bom show a todos. O segundo desejo foi atendido: Chico está num grande momento e o show é ótimo. Já o recado para desligar celulares, isso já é outra história...

A primeira vez em que notei que os telefones celulares tinham se tornado parte do ambiente em espetáculos foi em meados de 2003 ou 2004, em um show do Los Hermanos, naquela casa da Barra da Tijuca antes conhecida como Metropolitan. O show estava lotado e eu chegara tarde, ficando num lugar bem longe do palco. Em determinada canção, centenas de luzes começaram a piscar da plateia. Mostrei à minha companheira o fenômeno, mas ela se recusou a acreditar. "São isqueiros", disse. Não eram. Prestei mais atenção e então constatei: até os anos 1990, isqueiros se acendiam em determinados momentos de shows, em grande parte quando o artista ou a banda tocavam músicas românticas. Agora, no século XXI, havia poucos fumantes na plateia, e a tecnologia mudara o quadro. Vários jovens munidos de celulares que também tiravam fotos (última moda então) levantavam os aparelhos para tentar fotografar os artistas. Vistos de longe, a impressão que nos dava era a de que de fato havia um mar de isqueiros à frente.

Encarei aquilo como um sinal dos tempos. Não chegou a perturbar a fruição do show. Ontem, isqueiros; hoje, celulares. Ok.

No entanto, semana passada, no show do Chico Buarque, o que pra mim era apenas uma curiosidade virou um tormento. Se por uma lado os celulares transformaram-se em mídias poderosas, verdadeiros computadores móveis para facilitar nossa vida, por outro fez surgir um tipo singular de indivíduo incapaz de concentrar-se num bom show de música se não estiver "interagindo" com seus seguidores em alguma rede social qualquer, postando fotos no facebook ou digitando no twitter para que todos saibam onde ele está.

Prestem muita atenção neste verbo: interagir. Antigamente a única interação que havia num show de música era entre o artista e a plateia. Hoje, há cada vez mais indivíduos que não conseguem assistir a um show, ver um jogo de futebol, ou mesmo jantar num restaurante sem a ânsia patética de "registrar o momento" e "compartilhar" com seus seguidores nas redes sociais. Verdadeiros exibicionistas high-tech, para estes indivíduos o termo privacidade é algo que também ficou preso em algum momento do século passado.

No show do Chico, dei o azar de sentar bem próximo a um destes neuróticos digitais. O sujeito ficou, pelo menos até o meio do show, tirando fotos do palco com seu smartphone último tipo. Não satisfeito, o camarada ainda escrevia alguma bobagem sobre o que registrara e ficava alguns momentos para decidir qual rede social e para quem mandar o que captara. Bem à minha frente. Que situação...

Sim, hoje a mera foto não é suficiente. Não sou um radical e confesso que eu mesmo já tirei fotos com o aparelho celular em um ou outro show. Mas nada a ponto do que dá pra se ver hoje, quando a necessidade de registrar o momento é tão (ou mais) importante do que assistir ao show. Tem que ter o "recadinho" do neurótico para seus seguidores, para que eles sintam como ele é antenado e consegue compartilhar (de novo!, argh) seus momentos com todos. Tenho quase certeza de que o sujeito à minha frente não deve ter a mínima ideia de quais músicas foram tocadas enquanto ele se comprazia em compartilhar (desculpem, é a última vez que escrevo esta palavra) seus momentos.

Sobre o show. Apesar de tudo, do mar de gadgets à frente, foi um bom show, apesar do som não tão bom como deveria, já que várias canções são intimistas e requerem silêncio e ótima acústica. Há várias músicas, como no disco, dedicadas à namorada, a tqmbém cantora Thaís Gullin, e como é bom ver Chico de bem com a vida e com sua ótima banda ao vivo! Entre os ótimos momentos, destaco o novo arranjo para "Geni e o Zepelin", da Ópera do Malandro, o bloco "feminino", de canções como "Ana de Amsterdan", "Terezinha" e "Sob medida" (que fez muitas mulheres na plateia perderem a linha...), a parceria no palco com o baterista e crooner Wilson das Neves em "Sou eu" e "Tereza da praia". O bloco nordestino, com "Baioque" e "A violeira" também foi ótimo, além do final, com a já clássica "Sinhá" (de Chico com João Bosco, uma das melhores canções de 2011) e a delícia de poder cantar junto, no bis, a poesia de "Futuros amantes" e "Na carreira".

Claro que não faltou o momento surpresa, que é quando Chico resgata "Cálice", sua clássica canção com Gilberto Gil, com a nova versão feita pelo artista revelação de 2011, Criolo, a quem Chico saúda com um "evoé, jovem artista!". Trata-se de uma belo momento do velho artista consagrado saudando as novas gerações.


Chico homenageia Criolo em seu show. Este momento não foi captado por celular

Enfim, um belo momento de um show, como todos de Chico, emocionante, apesar da invasão dos smartphones exibicionistas. E confesso que, na saída, não pude deixar de, assim como Criolo, fazer minha própria nova versão para "Cálice": Pai, afasta de mim esse celular!

domingo, 8 de janeiro de 2012

"História do futebol carioca" - golaço da Globo

Ouvi dizer que há um movimento no Rio de Janeiro para que haja alguma alteração na tabela da Copa do Mundo com relação às partidas do Brasil. Como se sabe, a seleção brasileira só jogará no Maracanã (ou seja, no Rio) se nosso time conseguir chegar à final. Bem, levando em consideração que no último ranking da FIFA a seleção brasileira não ficou nem entre as cinco melhores; e com este futebolzinho pífio que o time de Mano Menezes vem se apresentando, não é de se estranhar a cobrança...

Imagine uma Copa do Mundo sem nenhum jogo da seleção no Maracanã. Sim, há ainda hoje uma grande mítica envolvendo o estádio já chamado "maior do mundo" (atualmente um enorme canteiro de obras que em nada lembra sua opulência de outrora). O Maraca foi palco de inúmeras histórias que até hoje são lembradas por fãs de futebol do Rio e de outros estados. O que poucos se lembram é que bem antes de sua construção, em 1950, o futebol carioca já rendera grandes "causos" que até hoje são lembrados. Alguns destes momentos puderam ser lembrados em uma série de pequenos filmes exibidos pela Globo na primeira semana do ano.

Uma bela jogada, pois em janeiro, com os times em férias, repórteres esportivos têm que tirar leite de pedra para conseguir notícias relevantes. (Vejamos: nos últimos dias as "grandes manchetes" relacionadas ao futebol carioca foram a patética encrenca envolvendo Adriano e as periguetes na Barra da Tijuca e o vai-não-vai de Wagner Love para o Flamengo...). O Globo Esporte, então, brindou os espectadores fieis com a ótima série "História do Futebol Carioca". Não resisto ao trocadilho: a ideia é ótima e a série...um gol de placa.

De terça à sábado, os pequenos filmes foram ao ar com com reportagens dramatizadas de histórias reais envolvendo os quatro grandes clubes cariocas: Vasco, Flamengo, Fluminense, Botafogo e o...Mangueira (quem?) - time sem nenhuma relação com a famosa escola de samba, e que ficou marcado por tomar a maior goleada da história do futebol carioca: 24 a 0, para o Botafogo, em 1909. Há ainda episódios sobre o campeonato que o Vasco ganhou e ficou famoso por ser o primeiro grande clube a admitir negros como jogadores; o primeiro Fla X Flu da história (ganho pelo Fluminense), O título que deu ao Flamengo o campeonato carioca de 1944, com um gol do argentino Valido, contratado apenas para os jogos finais, que entrara em campo na finalíssima gripado e ainda assim fez o gol da vitória; além da irresistível história do folclórico e supersticioso presidente do Botafogo, Carlito Rocha, que "adotou" como mascote do clube o cãozinho vira-lata Biriba, após este ter invadido o campo de uma partida do Botafogo.

São histórias e deliciosas de uma era mais româtica do futebol carioca, filmadas dom brilho e com a narração do ator Paulo Goulart. Quem perdeu, e gosta de futebol, não deve deixar de conferir.