sexta-feira, 23 de abril de 2010

"Quando não há escândalo, a gente fabrica": considerações sobre A vida alheia

Dia desses o ator, autor e diretor Miguel Falabella jantava num restaurante com a amiga e atriz Cláudia Jimenez quando subitamente foram fotografados por um paparazzi. O homem tirou a foto e, tão rápido como apareceu, desapareceu do restaurante. Longe de incomodar Falabella, a cena o levou a imaginar e criar um novo programa de televisão.

Pois bem, passou-se um tempo e, entre as apostas da TV Globo para sua grade de programação neste primeiro semestre, o seriado "A vida alheia" tem se mostrado uma das melhores novidades. O programa tem conseguido injetar em seus episódios humor, ironia, acidez e malícia ao revelar os bastidores de uma revista especializada em fofocas no Rio de Janeiro - a meca das celebridades brasileiras.



Sim, o seriado parte de uma ideia de Miguel Falabella. Mas não espere nada parecido com o humor popular de "Sai de baixo" ou "Toma lá, Da cá". O tom aqui é ácido e, apesar de constituir um programa de humor, não deixa de apresentar certa melancolia ao narrar as peripécias de seus personagens. Temos ali a temida editora Alberta Peçanha (conhecida por seus inimigos por "Alberta Peçonha") da revista semanal "A vida alheia" - vivida por Cláudia Jimenez. Marília Pêra (Catarina Faissol)é a dona da revista e cúmplice de Alberta na busca do furo a qualquer custo. Paulo Vilhena vive um fotógrafo que não hesita em ir atrás da imagem inusitada de celebridades em qualquer circusnstância; Danielle Winits é uma repórter que não mede esforços para conquistar o posto que verdadeiramente deseja: a cadeira de Alberta Peçanha. Ou seja, como diria aquele gaiato fotógrafo que Fellini inventou para o filme "A doce vida" e que consagraria o nome "paparazzi", tutti buona gente! Ah, sim! pra não dizer que só há cobras criadas em "A vida alheia", há um personagem do alto comando da revista (mas que na verdade não manda em nada...) que vive angustiado pela hipótese de a revista ser processada por atropelar a ética.

Ética jornalística? Bem, esse termo parece não existir no dia a dia de Alberta Peçanha. Em todo capítulo há uma busca incessante para conseguir a melhor capa para a revista, que não dispensa um escândalo. Logo no primeiro capítulo, o fotógrafo Lírio tira diversas fotos de uma "grande dama" do high society completamente bêbada numa boate acompanhada de um garotão - a foto só não sai na revista porque a socialite é amiga da publisher vivida por Marília Pêra(sob protestos de Alberta, que queria publicá-la de qualquer maneira). Logo em seguida, uma repórter da revista irrompe na sala de Alberta. Segue o diálogo:

- Alberta, procurei todas as celebridades que pude, fui em busca de todas as pesoas que conhecem a atriz tal, mas todos se recusam a falar mal dela, como você pediu. O que faço?
- Querida, comece a escrever a matéria. Depois, escreva o seguinte: uma conhecida da atriz tal, que não quis se identificar, falou à "Vida alheia": "Ela está por baixo e nunca vai conseguir reaver o prestígio que um dia teve".
- Mas Alberta, desde quando a gente pode publicar isso?!
- Desde que o mundo é mundo, minha filha. Agora saia da minha sala e vá escrever a matéria.


Nos dois primeiros capítulos tivemos casos em que o chamado jornalismo responsável simplesmente não existe. Após descobrirem por acaso que o filho de uma modelo-celebridade não é do marido, Alberta e Catarina marcam um encontro com o casal apenas para saberem que tipo de vantagens teriam ao não publicar o escândalo na capa da revista. A frase do marido é lapídar: "Deixemos toda a cerimõnia de lado e conversemos como os verdadeiros canalhas que somos". Tudo se resolve com um novo anunciante para a revista - a empresa do marido, é claro - e o casal feliz na capa da revista, "mostrando sua nova casa e a felicidade a dois"; título obviamente inspirado nas mais famosas revistas de celebridades brasileiras.

Em outro episódio, um ator de telenovelas famoso morre de repente. A equipe da revista fará de tudo (inclusive uma repórter se disfarçará de enfermeira) para conseguir a foto do morto antes dos outros meios de comunicação, a fim de, é claro, ostentar a capa da publicação.

Poderíamos dizer que "A vida alheia" comete exageros aqui e ali. Sim, estaremos corretos. Na verdade o jornalismo de escãndalos é algo em decadência hoje em dia, e mais restrito a jornais populares e sensacionalistas, embora ainda faça bastante barulho em tablóides americanos e ingleses - estes últimos adoram publicar os últimos barracos de Amy Winehouse e seus namorados, bem como as indiscrições de membros da família real. No Brasil, as revistas no estilo "Caras" procuram mesmo é manter um bom relacionamento com a celebridades que, sim, adoram estar nas páginas semanais.

Podemos também dizer que a série denigre a imagem do jornalista, ao mostrá-lo como um indivíduo disposto a tudo por um furo de reportagem. Quanto a esta última declaração, não é bem assim. Como em toda a profissão, o jornalismo apresenta ótimos profissionais ao lado de verdadeiras "cobras criadas" - não por acaso, a expressão dá título à ótima bibliografia escrita por Luiz Maklouf Carvalho sobre David Nasser, jornalista dono de um texto brilhante, mas capaz de tudo para destruir a imagem de pessoas famosas (quem já conferiu o filme "Chico Xavier" viu a sequência em que Nasser, então repórter da revista "O Cruzeiro", junto ao fotógrafo Jean Manzon, tenta "desmascarar" o médium). Há órgãos que apelam demasiadamente ao sensacionalismo; enaquanto há também a imprensa responsável, que busca relatar com precisão e honestidade os fatos. Cabe ao leitor manter sempre o senso crítico. Parafraseando Tom Jobim, nosso jornalismo não é para principiantes.

Quanto ao sucesso de revistas de celebridades como "Caras", "Quem" ou "A vida alheia", por mais que haja reclamações de uma suposta intelligentzia contra elas, não se pode negar que elas só estão à venda porque despertam interesse nas pessoas comuns. O sucesso na TV do Big Brother (a maior audiência em qualquer programa no estilo reality show nos últimos anos). E nossas celebridades (nem todas, é verdade)adotam de fato um perfil peculiar: vivem reclamando do assédio de paparazzis, mas não suportam estar longe dos holofotes, situação que levou o cronista Tutty Vazques a sugerir uma possível "evasão de privacidade" em nosso país.

O que podemos constattar é muito simples. Enquanto houver o interesse fora do comum de nossa população pelo cotidiano das celebridades, revistas como a do seriado global continuarão a vender bastante. Seus editores, como a nem tão irreal assim Alberto Peçanha, sabem que a "vida alheia" é hoje uma mercadoria de alto valor nas bancas de revista.

sábado, 10 de abril de 2010

Um prêmio para a Rádio Sucupira

A Associação Paulista de Críticos de Arte acaba de publicar a lista de agraciados do ano de 2009, e entre os vencedores na categoria Rádio está a hilariante Rádio Sucupira, da CBN, que concorreu como melhor programa de variedades.



Prêmio justíssimo. Pra quem não sabe ou tem menos de 30 anos, Sucupira era a cidade criada por Dias Gomes para a novela O Bem Amado, dos anos 1970 na TV Globo, por onde desfilavam tipos inesquecíveis como o prefeito Odorico Paraguaçu, Zeca Diabo, Dirceu Borboleta e as Irmãs Cazajeiras. O sucesso foi tanto que a novela que renderia um seriado nos anos 80, também na Globo uma peça de teatro de sucesso e agora em 2010 é aguardada sua versão cinematográfica, dirigida por Guel Arraes.

O "coronel" Odorico e o dia a dia de Sucupira é um retrato perfeito da política brasileira, seus conluios, conchavos e tipos folclóricos. O que o programa faz é justamente contrapor as falas - retiradas da novela e do seriado de TV -, do político vivido por Paulo Gracindo, às "sonoras" (o áudio do rádio) dos políticos de hoje - Lula, Dilma, Serra, senadores, deputados e o que mais for notícia. O mais interessante - e é aí que está a graça do programa - é que, ao escutarmos a Rádio Sucupira podemos notar que pouco ou nada mudou na política brasileira dos anos 1970 até hoje. Os problemas satirizados na ficção daquela época continuam praticamente os mesmos na realidade dos dias de hoje.

Ou seja, a Rádio Sucupira é um engenhoso momento radiofônico que mostra ao ouvinte como a arte pode ser eficaz na denúncia da coisa pública. Em certos momentos da montagem muito bem feita do programa, ficamos sem saber em que época estamos - se no programa ou na política brasileira real. Diria mesmo que, se não fosse a inconfundível voz e interpretação de Paulo Gracindo como Odorico, teríamos sérias dúvidas em definir a época ilustrada na rádio. Ponto para a CBN/Sucupira.