sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Ilha Grande - beleza em estado puro*

A primeira vez em que ouvi falar da Ilha Grande havia sido a respeito do famoso presídio que por décadas funcionou ali, e que se tornara conhecido por abrigar figuras do porte de Graciliano Ramos (que, preso pelo Estado Novo de Vargas, escreveria então seu "Memórias do Cárcere"). Uma outra lembrança era audiovisual: lembro de, ainda moleque, assistir na televisão à série "Bandidos da Falange", na qual o presídio também servira como locação. Para mim, em minha memórias imaginárias, a Ilha Grande era um belo local de natureza selvagem, onde criminosos eram levados e trancafiados, tal como outras ilhas famosas que continham presídios, como Alcatraz e a ilha de Papillon, só pra citar duas que viraram filmes. Antes de conhecermos, estarmos lá, cada local é aquilo que imaginamos.







Tudo isso mudou recentemente, quando pela primeira vez pisei de verdade na maior das ilhas do litoral de Angra dos Reis. De repente, me dei conta de que deveria mudar radicalmente meu conceito. Estava fazendo um lanche numa creperia, à noite, e, afora eu e Ana, todos, ou quase todas as outras pessoas presentes, incluindo as garçonetes, eram estrangeiras. Sinal dos tempos: do antigo presídio, só restam as ruínas e pouca gente se aventura a ir até lá. Hoje, a Ilha Grande é um belíssimo território a céu aberto, movimentado pela pesca e pelo turismo em grande escala, que atrai estrangeiros do mundo inteiro.

Naquela creperia, que me fez sentir com a estranha sensação de estrangeiro dentro de meu próprio país, eram evidentes e em profusão os sotaques em espanhol e italiano. Intrigada, Ana perguntou à dona da pousada em que estávamos como era o movimento no inverno. "Bastante cheio e com muitos turistas", respondeu, para nosso espanto. E quem vem?, perguntei. "Há de tudo. Há a temporada dos italianos, dos espanhóis, dos israelenses, dos ingleses. A Ilha recebe turistas o ano inteiro", ela disse, enquanto acarinhava o belo e dorminhoco cão de guarda da pousada, Cabrón - sim, até o cachorro tinha nome gringo...

Para chegar à Ilha, há três alternativas: de barca, de saveiro ou catamarã. Pegamos a barca das 15h30 na correria, em Angra, após quase tê-la perdido - a pontualidade é uma qualidade dos serviços. Chegamos em torno das 17h à Vila do Abraão, sob um céu claro mas ainda com nuvens. Mal sabíamos que logo as nuvens se dissipariam e teríamos pela frente quatro dias de sol, sob uma temperatura deliciosa de verão carioca.

Deixamos as malas na pousada e fomos caminhar. A Vila do Abraão - de longe a área mais populosa da Ilha Grande, e que concentra a maioria dos hotéis, pousadas e campings - à primeira vista, parece uma vila de pescadores tomada por turistas do mundo inteiro. Era 20 de janeiro. Entramos na bela igrejinha bem no centro da Vila, no meio da praça, e, para minha surpresa, estavam comemorando o dia de São Sebastião, com bandinha e missa montada num palanque do lado de fora. São Sebastião, além de padroeiro do Rio, também o é da Ilha Grande. Coincidência ou não, também moro perto de uma igreja de São Sebastião, no Rio, e a profusão de pessoas vestindo vermelho, a cor do santo, me lembrou das procissões no meu bairro das quais tantas vezes vi passar.

Neste dia ainda estive na Praia Preta e passeando por trilhas, quando fomos até às ruínas do aqueduto. A Ilha Grande é próspera em trilhas e recebe gente de todos os cantos dispostos a passar o dia caminhando e admirando a beleza natural da região. Caminhe pela Ilha e verás que vale a pena: uma hora, você se depara com uma ruína histórica, de alguma edificação dos tempos do Império; em outra, dá de cara com uma bela cachoeira, quando a tentação de largar tudo e entrar n'água é grande.

No entanto, mal sabia eu que o melhor estava por vir. E este melhor atendia por um nome: Lopes Mendes. A praia paradisíaca, já eleita uma das mais belas do Brasil, tem seu acesso de barco, mas apenas até certa parte, pois qualquer embarcação está proibida de atracar por lá. Depois, continuamos numa trilha de cerca de 20 minutos a pé, quando me deparei com uma praia belíssima, de águas cristalinas e visual de tirar o fôlego. Havíamos chegado. Mergulhei e nadei para longe da areia. Ao virar-me, deparei com a Mata Atlântica em todo o seu esplendor, sem nenhum sinal de carros, casas, avenidas, prédios ou viadutos. Não dava pra acreditar: era como se eu estivesse na ilha do seriado "Lost". Apenas a natureza plena, o que me fez sentir como se estivesse num local onde a civilização ainda não se atrevera a pôr os pés e a natureza reinasse absoluta.

No dia seguinte, decidimos por um passeio de barco. Estivemos na Lagoa verde, Lagoa Azul, Praia dos Macacos e Praia da Feiticeira. Lugares belíssimos, onde o grande barato é o mergulho com snorkel, onde dá pra se sentir no fundo do mar, nadando entre peixes coloridos e admirando o fundo, com toda aquela misteriosa profusão de pedras, conchas, vegetação e seus mistérios... Passamos o dia passeando de barco e mergulhando nas águas ora mornas, ora frias daquele litoral sem igual, com paradas para comer peixe na brasa, que era feito dentro do barco...Enfim, foram momentos em que tudo deu certo.

Passei quatro dias plenos na Ilha Grande. O resto da viagem foi de caminhadas, crepes, pizzas de tomate seco, cerveja, sucos naturais, sorvetes, cafés, passeios pelo pier, lojinhas, praia do abraãozinho (com novos sotaques estrangeiros) e uma sensação de que o paraíso não deve ser tão longe.

Do antigo presídio, a única lembrança que vi por lá eu encontrei em duas fotos dentro de uma lojinha de lembranças na Vila do Abraão. Num belo álbum com imagens deslumbrantes da Ilha, havia ali uma foto antes e outra depois da implosão do local. Fotos que destoavam das outras, em sua grande maioria marcadas pela beleza.

Um dia antes de irmos embora, ao pararmos para uma cerveja num bar montado nas areias da praia do Abraãozinho, puxamos papo com nossa simpática garçonete. Não, ela não era estrangeira. Era de Petrópólis, contou. Em uma das idas à ilha, encontrara um francês, pelo qual se apaixonara e agora estava casada com ele. "Na alta temporada do verão, nem saio daqui. Depois, em abril, eu e meu marido vamos pra Europa, onde passamos nova temporada, até voltarmos novamente para a Ilha". Sobre empregos, a oferta é grande e atualmente um dos poucos problemas para turistas que se encantam pelo local e querem, digamos, prolongar todo aquele prazer de estar ali, é a falta de casas para alugar ou comprar. "Quem consegue, fica", ela dizia.

Sinceramente, não encontrei razões para discordar.



* Artigo inspirado no livro de viagens culturais de Ruy Castro e Heloisa Seixas, "Terramarear"

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O bebê rasgando papel na propaganda do Itaú

A primeira vez que vi o comercial achei com pinta de videocassetada do Faustão. Depois, ouvindo a CBN, descobri que se trata de uma propaganda inspirada num viral do ano passado, cujo número de visualizações ultrapassou a marca de 34 milhões só em 2011. Espertamente, o banco utilizou recursos digitais para deixar a roupa do menino da cor laranja (cor-símbolo do Itaú) e também mexeu com efeitos de imagem no papel que o pai rasga, para deixá-lo com cara de extrato bancário.

O resultado: um viral ingênuo e inocente de um adorável garotinho na internet transformou-se em uma propaganda de banco que prega a "sustentabilidade". Tudo bem, afinal a regra hoje é pegar carona no discurso em prol do meio ambiente, mas não podemos esquecer que o interesse comercial, no caso, é bem maior. Pois ao pedir para os clientes que cancelem o recebimento de extratos pelos correios, o Itaú economizará uma grana milionária, como bem observou o blog do JJ, que, à respeito do anúncio, faz uma singela perguntinha: "ninguém fala em reduzir custos dos bancos para os clientes, fala?"

Vejamos o vídeo original...



E, abaixo, o vídeo do Itaú:




Voltando às videocassetadas. É sabido que a produção do Domingão do Faustão e de congêneres que passam estes vídeos feitos pelo público pagam um valor determinado aos responsáveis pelo envio dos vídeos. Também há casos (muitos, desconfio)de pais e mães que planejam determinada "vídeocassetada" para ser mostrada na TV e conseguir uma grana, sem o menor constragimento. Sim, people, não existe almoço grátis. Minha pergunta: será que a agência que criou o comercial do Itaú entrou em contato com a família do garotinho para pedir autorização, no intuito de transformar digitalmente a saudável brincadeira entre pai e filho em anúncio de banco?

Tomara que sim. Pois o que pode parecer excesso de zelo de minha parte ou de outros também pode ser já uma leitura influenciada pela iminência da votação da SOPA. Pra quem não sabe, a sigla (Stop Online Piracy Act) é uma lei controversa proposta pelo governo dos Estados Unidos que propõe regular os direitos autorais na grande rede. Até aí tudo bem. Mas também propõe que qualquer provedor, site de busca ou rede social seja responsabilizado pelo conteúdo publicado pelos usuários caso este seja protegidos por direitos autorais. Ou seja, punir com a lei quando o usuário de uma rede social ou de um blog publica um vídeo musical ou trecho de um filme sem autorização, de uma forma "pirata". É aí que tudo se complica. Pois, o que é conteúdo "pirata" para alguns, pode ser difusão do conhecimento para outros.

O assunto é muito sério e voltaremos a ele em outros posts. Por hora, só gostaria de fazer uma perguntinha ao Itaú: e então, vocês pagaram os devidos direitos de imagem à família do adorável garotinho rasgador de papel?

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Afasta de mim esse celular! Como assistir ao show de Chico Buarque em meio a um mar de gadgets não-convidados

Sábado à noite. Pouco antes de começar o show de Chico Buarque, em temporada no Vivo Rio, as luzes se apagam e uma voz gravada anuncia breves informações sobre os patrocinadores, as próximas atrações etc. Pede também que os aparelhos celulares sejam desligados e deseja um bom show a todos. O segundo desejo foi atendido: Chico está num grande momento e o show é ótimo. Já o recado para desligar celulares, isso já é outra história...

A primeira vez em que notei que os telefones celulares tinham se tornado parte do ambiente em espetáculos foi em meados de 2003 ou 2004, em um show do Los Hermanos, naquela casa da Barra da Tijuca antes conhecida como Metropolitan. O show estava lotado e eu chegara tarde, ficando num lugar bem longe do palco. Em determinada canção, centenas de luzes começaram a piscar da plateia. Mostrei à minha companheira o fenômeno, mas ela se recusou a acreditar. "São isqueiros", disse. Não eram. Prestei mais atenção e então constatei: até os anos 1990, isqueiros se acendiam em determinados momentos de shows, em grande parte quando o artista ou a banda tocavam músicas românticas. Agora, no século XXI, havia poucos fumantes na plateia, e a tecnologia mudara o quadro. Vários jovens munidos de celulares que também tiravam fotos (última moda então) levantavam os aparelhos para tentar fotografar os artistas. Vistos de longe, a impressão que nos dava era a de que de fato havia um mar de isqueiros à frente.

Encarei aquilo como um sinal dos tempos. Não chegou a perturbar a fruição do show. Ontem, isqueiros; hoje, celulares. Ok.

No entanto, semana passada, no show do Chico Buarque, o que pra mim era apenas uma curiosidade virou um tormento. Se por uma lado os celulares transformaram-se em mídias poderosas, verdadeiros computadores móveis para facilitar nossa vida, por outro fez surgir um tipo singular de indivíduo incapaz de concentrar-se num bom show de música se não estiver "interagindo" com seus seguidores em alguma rede social qualquer, postando fotos no facebook ou digitando no twitter para que todos saibam onde ele está.

Prestem muita atenção neste verbo: interagir. Antigamente a única interação que havia num show de música era entre o artista e a plateia. Hoje, há cada vez mais indivíduos que não conseguem assistir a um show, ver um jogo de futebol, ou mesmo jantar num restaurante sem a ânsia patética de "registrar o momento" e "compartilhar" com seus seguidores nas redes sociais. Verdadeiros exibicionistas high-tech, para estes indivíduos o termo privacidade é algo que também ficou preso em algum momento do século passado.

No show do Chico, dei o azar de sentar bem próximo a um destes neuróticos digitais. O sujeito ficou, pelo menos até o meio do show, tirando fotos do palco com seu smartphone último tipo. Não satisfeito, o camarada ainda escrevia alguma bobagem sobre o que registrara e ficava alguns momentos para decidir qual rede social e para quem mandar o que captara. Bem à minha frente. Que situação...

Sim, hoje a mera foto não é suficiente. Não sou um radical e confesso que eu mesmo já tirei fotos com o aparelho celular em um ou outro show. Mas nada a ponto do que dá pra se ver hoje, quando a necessidade de registrar o momento é tão (ou mais) importante do que assistir ao show. Tem que ter o "recadinho" do neurótico para seus seguidores, para que eles sintam como ele é antenado e consegue compartilhar (de novo!, argh) seus momentos com todos. Tenho quase certeza de que o sujeito à minha frente não deve ter a mínima ideia de quais músicas foram tocadas enquanto ele se comprazia em compartilhar (desculpem, é a última vez que escrevo esta palavra) seus momentos.

Sobre o show. Apesar de tudo, do mar de gadgets à frente, foi um bom show, apesar do som não tão bom como deveria, já que várias canções são intimistas e requerem silêncio e ótima acústica. Há várias músicas, como no disco, dedicadas à namorada, a tqmbém cantora Thaís Gullin, e como é bom ver Chico de bem com a vida e com sua ótima banda ao vivo! Entre os ótimos momentos, destaco o novo arranjo para "Geni e o Zepelin", da Ópera do Malandro, o bloco "feminino", de canções como "Ana de Amsterdan", "Terezinha" e "Sob medida" (que fez muitas mulheres na plateia perderem a linha...), a parceria no palco com o baterista e crooner Wilson das Neves em "Sou eu" e "Tereza da praia". O bloco nordestino, com "Baioque" e "A violeira" também foi ótimo, além do final, com a já clássica "Sinhá" (de Chico com João Bosco, uma das melhores canções de 2011) e a delícia de poder cantar junto, no bis, a poesia de "Futuros amantes" e "Na carreira".

Claro que não faltou o momento surpresa, que é quando Chico resgata "Cálice", sua clássica canção com Gilberto Gil, com a nova versão feita pelo artista revelação de 2011, Criolo, a quem Chico saúda com um "evoé, jovem artista!". Trata-se de uma belo momento do velho artista consagrado saudando as novas gerações.


Chico homenageia Criolo em seu show. Este momento não foi captado por celular

Enfim, um belo momento de um show, como todos de Chico, emocionante, apesar da invasão dos smartphones exibicionistas. E confesso que, na saída, não pude deixar de, assim como Criolo, fazer minha própria nova versão para "Cálice": Pai, afasta de mim esse celular!

domingo, 8 de janeiro de 2012

"História do futebol carioca" - golaço da Globo

Ouvi dizer que há um movimento no Rio de Janeiro para que haja alguma alteração na tabela da Copa do Mundo com relação às partidas do Brasil. Como se sabe, a seleção brasileira só jogará no Maracanã (ou seja, no Rio) se nosso time conseguir chegar à final. Bem, levando em consideração que no último ranking da FIFA a seleção brasileira não ficou nem entre as cinco melhores; e com este futebolzinho pífio que o time de Mano Menezes vem se apresentando, não é de se estranhar a cobrança...

Imagine uma Copa do Mundo sem nenhum jogo da seleção no Maracanã. Sim, há ainda hoje uma grande mítica envolvendo o estádio já chamado "maior do mundo" (atualmente um enorme canteiro de obras que em nada lembra sua opulência de outrora). O Maraca foi palco de inúmeras histórias que até hoje são lembradas por fãs de futebol do Rio e de outros estados. O que poucos se lembram é que bem antes de sua construção, em 1950, o futebol carioca já rendera grandes "causos" que até hoje são lembrados. Alguns destes momentos puderam ser lembrados em uma série de pequenos filmes exibidos pela Globo na primeira semana do ano.

Uma bela jogada, pois em janeiro, com os times em férias, repórteres esportivos têm que tirar leite de pedra para conseguir notícias relevantes. (Vejamos: nos últimos dias as "grandes manchetes" relacionadas ao futebol carioca foram a patética encrenca envolvendo Adriano e as periguetes na Barra da Tijuca e o vai-não-vai de Wagner Love para o Flamengo...). O Globo Esporte, então, brindou os espectadores fieis com a ótima série "História do Futebol Carioca". Não resisto ao trocadilho: a ideia é ótima e a série...um gol de placa.

De terça à sábado, os pequenos filmes foram ao ar com com reportagens dramatizadas de histórias reais envolvendo os quatro grandes clubes cariocas: Vasco, Flamengo, Fluminense, Botafogo e o...Mangueira (quem?) - time sem nenhuma relação com a famosa escola de samba, e que ficou marcado por tomar a maior goleada da história do futebol carioca: 24 a 0, para o Botafogo, em 1909. Há ainda episódios sobre o campeonato que o Vasco ganhou e ficou famoso por ser o primeiro grande clube a admitir negros como jogadores; o primeiro Fla X Flu da história (ganho pelo Fluminense), O título que deu ao Flamengo o campeonato carioca de 1944, com um gol do argentino Valido, contratado apenas para os jogos finais, que entrara em campo na finalíssima gripado e ainda assim fez o gol da vitória; além da irresistível história do folclórico e supersticioso presidente do Botafogo, Carlito Rocha, que "adotou" como mascote do clube o cãozinho vira-lata Biriba, após este ter invadido o campo de uma partida do Botafogo.

São histórias e deliciosas de uma era mais româtica do futebol carioca, filmadas dom brilho e com a narração do ator Paulo Goulart. Quem perdeu, e gosta de futebol, não deve deixar de conferir.