sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Existe amor em SP - Parte 2


Eu me mudei para a Estação da Luz 
Porque estava tudo escuro dentro do meu coração
("Augusta, Angélica e Consolação", Tom Zé)

Atravesso a Avenida Paulista e alguém lembra de uma piada recorrente dos paulistas sobre sua tão querida e imponente avenida principal: a Avenida Paulista é como o casamento: começa no paraíso e acaba na consolação. Desta forma, usando como exemplo as estações de metrô, muitos deles orientam aqueles de fora, como eu, sobre como não se perder na imensidão da avenida...e da cidade.  

Uma ótima reportagem da Revista São Paulo, da Folha, dava conta das “impressões forasteiras” que muitos estrangeiros têm sobre São Paulo. Intitulada “Um estanho mundo em SP”, trazia declarações como “Os brasileiros adoram tomar banho” (de um irlandês); “Cumprimentamos o outro colocando as mãos juntas em forma de flor-de-lótus. Nada de beijinhos” (mulher tailandesa); “Comer de maneira saudável é coisa de rico por aqui”(francês); “Esse tal de palitinho após as refeições...” (chinês); “No Brasil, a mulher participa de reuniões da família. Na África, ela tem de ser só bonita e calada (camaronesa). Longe de fechar-se num bairrismo atrasado, reportagens como essa nos fazem refletir sobre nós mesmos...às vezes o olhar de fora observa coisas que pra gente são naturais, enquanto para outros causa espanto.

No último texto, falei que minhas lembranças da capital paulista eram raras e...noturnas. Pois foi com espanto e admiração que percorri vários quarteirões da Avenida Paulista numa quinta-feira, novamente à noite. Eram vários arranha-céus convivendo com prédios residenciais, casarões do princípio do século transformados em centros empresariais ou agências bancárias, enormes antenas dos meios de comunicação, cafeterias chiques, pobres, ricos, perdidos, engravatados triunfantes após um dia tenso na bolsa, desesperados confessando seus lamentos de amor nos bares...enfim, uma fauna urbana urgente e única. “Em São Paulo, você pode sair à noite em qualquer dia e achar o que fazer”, dizia um estrangeiro na reportagem da Folha. Ele tem razão.

Há algum tempo, meu irmão esteve em SP visitando um amigo paulista que fizera junto com ele faculdade, na UFF. O primeiro lugar que visitaram foi uma feira para comer pastéis. Perguntei espantado: pastel na feira?! Segundo nosso amigo paulistano, quem vai a SP não pode deixar de comer pastéis. Na feira, havia fila para o pastel, de boys a engravatados, todos aguardando sua vez de comprar um chops e dois pastel – outro amigo meu que trabalhou oito anos na capital paulista ficara intrigado com a mania paulista de quase não usar o plural nos substantivos, algo que ia do menos alfabetizado ao mais instruído. Peculiaridades paulistas. O fato é que a baixa gastronomia faz sucesso em São Paulo. Onde mais você poderia comer um sanduíche de mortadela – um petisco considerado “pobre” por muita gente - tão maravilhoso como no Mercado Municipal da cidade? Creio que só em São Paulo. Eu provei não só os pastéis na Avenida Paulista como o sanduíche do mercado e digo que valem muito a pena.

Em meu segundo dia em São Paulo, conferi o Museu do Futebol, que fica no embaixo das arquibancadas do Estádio do Pacaembu. Moderno e interativo, com até a brincadeira de uma bola para quem quiser chutar a gol e testar a potência do chute, o local consegue atrair a atenção até de velhinhas pouco interessadas no esporte, que saem de lá fascinadas com o misto de diversão, história e cultura proporcionada pelo museu. Um destaque, para mim, foi o espaço “Futebol de papel” – ali estão guardados e expostos dezenas, centenas de caixinhas de fósforo, álbuns de figurinhas, cigarros antigos com estampas de jogadores (o polticamente correto ainda não havia dado as caras...), jornais artesanais feitos por apaixonados pelo esporte, enfim, toda uma memória coletiva que conecta quem visita o local ao esporte mais amado dos brasileiros.




Na primeira foto, a memorabilia do esporte, depois detalhe dos álbuns de figurinhas (quem nunca colecionou um?). Por último, uma história que se me contassem eu não acreditaria...


E tome cultura, que nunca é demais. À tarde, visitei o MASP pela primeira vez (como é que esperei tanto?). Que luxo é estar numa cidade brasileira rodeado por mestres como Van Gogh, Renoir, Matisse, Picasso...e ver que eles estão reunidos em um só lugar. Pra quem gosta de arte, havia ainda no segundo andar a genial exposição temporária de Lucian Freud, com os rostos tensos de suas modelos e ex-mulheres. Sem faltar os estudos para o famoso retrato da Rainha da Inglaterra, que pediu pra ser retratada por Freud e depois detestou o resultado...

No terceiro dia, aniversário da cidade, ida à Estação da Luz, ao Museu da Língua e à Pinacoteca. Na entrada da estação, há um piano antigo. Um velhinho que escutava as orientações da guia rapidamente se dirige ao instrumento, senta e toca uma linda música. Aplausos gerais. Ele agradece, levanta e diz que a música era de sua própria autoria, feita na década de 30 e inclusive gravada por um cantor de sucesso. Há um pequeno período para fotos e depois nos dirigimos ao Museu da Língua, ainda mais interativo que o do futebol, e com direito à concorrida exposição temporária sobre Cazuza. Pra quem foi adolescente nos anos 80 e cantou junto aquelas canções do poeta, primeiro com o Barão Vermelho e depois em carreira solo, não havia como não se emocionar.  Vale a visita, por Cazuza e para descobrir curiosidades sobre a história de nossa língua, desde antes do latim até os dias de hoje. A língua é viva e continua se reinventando sempre.




Detalhe do prédio da Estação da Luz. Depois, um dos vários versos de Cazuza nas janelas do Museu da Língua. Uma garota canta "Ideologia" no karaokê instalado na mostra.  


Pra quem vai ao Museu da Língua, outro passeio imperdível está praticamente em frente, atravessando a rua: a Pinacoteca do Estado. Um lugar muito charmoso, englobando desde as pinturas mais acadêmicas até as obras mais pós-modernas. No mais, lembre do conselho: reserve pelo menos duas horas para cada visita a estes museus. Na correria, acabei perdendo muita coisa da Pinacoteca, e ficou aquela sensação de quero mais. Um dia eu volto, com calma.




Como encerrar a viagem sem prestar conta da diversidade cultural e étnica de São Paulo? Simples: visitando na manhã de domingo a feirinha do bairro da Liberdade, conhecido como o bairro japonês. Ali encontramos uma cultura ao mesmo tempo tão distante e tão próxima à gente...doces de feijão, saquês diversos, yakisobas às centenas, luminárias cinematográficas, objetos de um design absolutamente original, tudo isso percorrido por uma multidão que poderia estar na 25 de março paulista ou no Saara carioca, mas preferiu conferir de perto este bairro único no Brasil. 


Sim, a grana ergueu e destruiu coisas belas. Há em São Paulo prédios caindo aos pedaços ao lado de construções incríveis. Pichações horríveis convivendo perto de grafites sensacionais. Esse desenvolvimento marcado por contrastes reflete uma cidade que não para de crescer e insiste em se reinventar a cada dia. Enfim, se você gosta de cultura em suas mais diversificadas manifestações, não deixe de inserir São Paulo em sua rota de viajante. Nem que seja, usando um termo da moda, para dar um simples rolezinho.  


Existe amor em SP - Parte 1


Na medida do impossível
Tá dando pra se viver
Na cidade de São Paulo
O amor é imprevisível
Como você
E eu
E o céu
("Lá vou eu", Rita Lee)

O dia: sexta-feira, 24 de janeiro, por volta das 22h30. O local: Sesc Vila Mariana, São Paulo. Adentra o palco o músico Curumin. Ele senta num banquinho e segura um violão. Os músicos a sua volta aguardam o momento de acompanhá-lo. Ele dedilha o instrumento, faz uma pequena pausa...aproxima-se do microfone e começa a cantar "Não existe amor em SP". A plateia vibra de satisfação e aplaude. Um arrepio corta a espinha enquanto acompanho o público cantando junto o clássico instantâneo de Criolo. Curumin está acompanhado por um time de músicos e intérpretes de primeira, selecionados pelo produtor Bid em parceria com o Núcleo de Apresentações Artísticas do Sesc Vila Mariana, para comemorar o aniversário de 460 anos da cidade. Para este show, a ideia foi selecionar músicas que representassem a relação do paulistano com sua cidade - uma relação muitas vezes amorosa; outras vezes de ódio.  



Para um carioca de passagem pela cidade, como eu, o roteiro contrastante do show poderia parecer exótico. No Rio, é difícil encontrar alguém que diga "amo e odeio esta cidade com igual intensidade", como muitos paulistas repetem. Mesmo vítima de tantos governantes incompetentes, tendo que aturar o caos no trânsito com as obras para a Copa, o morador do Rio costuma poupar a cidade de tantos dissabores. Claro que há aqueles bairristas, que adoram criticar São Paulo, com a mesma alegação tosca: não tem praia. Sim, não tem praia, mas tem o Museu do Futebol, o Museu da Língua, O Parque do Ibirapuera, 6 mil pizzarias, tem o Masp, a Pinacoteca e muito mais.      



Algumas destas atrações eu pude conferir de perto na semana passada, durante uma breve estada na capital paulista. Eu havia estado em SP algumas vezes na minha infância, em excursões pela finada Soletur, com meus pais e irmãos. Nos divertíamos a valer naquele programa básico: Simba Safari, Cidade das Crianças etc. Minhas lembranças da capital paulista eram muito poucas. Lembro-me de jantar com a família num ótimo restaurante e imagens da cidade à noite. Somente isso. Depois, voltávamos ao hotel, para dormir e seguir viagem no dia seguinte. Com 12 ou 13 anos, eu estava bem mais interessado em me divertir nos parques do que mergulhar na cultura da maior cidade do país.

Também àquela época eu não conhecia muitas das músicas apresentadas no espetáculo do Sesc. Para minha sorte, o tempo passou, a cidade e eu crescemos e, na qualidade de "estrangeiro" em SP, pude aproveitar e cantar junto grande parte das músicas escolhidas, músicas estas que, segundo o programa de divulgação, buscassem "expressar, por meio de um repertório eclético, as contradições da metrópole e os sentimentos provocados em seus habitantes".  



O show começara com a banda de ótimos músicos - a maioria vestindo roupas nas cores branca, vermelho e preto, as mesmas da bandeira do estado - levando um número instrumental de categoria. Há até um DJ no palco, o que sugere um show em sintonia com os novos tempos. Aos poucos cada convidado vais sendo chamado para números individuais ou em dupla. São eles: Monica Salmaso, Paula Lima, Curumin, Edi Rock, Silvio Modesto e integrantes da escola de samba Pérola Negra.

Difícil dizer o momento mais emocionante. Monica Salmaso interpretando "Eugenia", de Adoniram Barbosa ("Venha ver Eugenia, como ficou bonito o viaduto Santa Efigenia") e fazendo todos cantarem juntos "Sampa", de Caetano. Paula Lima, linda, cantando "Do lado direito da rua direita" e levando um rap com Edi Rock. Curumin, além da já citada interpretação de Criolo, ensinando ao público as deixas para a deliciosa canção "Augusta, Angélica e Consolação", de Tom Zé. Silvio Modesto, ritmistas e pastoras levando um samba-enredo da Pérola Negra. Tudo até o final, com todos no palco cantando "Trem das 11", um dos maiores clássicos da MPB.



Não houve bis após o fim do show. Mas nem precisava: a plateia já tinha sido arrebatada desde que Monica Salmaso cantara ""Lá vou eu", de Rita Lee ou Curumin interpretou Itamar Assumpção, outra das infinitas traduções de SP.

Criolo cantou o labirinto místico de sua cidade com um misto de paixão e desilusão. Pois é...na medida do impossível, os paulistanos vão encontrando um jeito de se viver. Pela beleza do espetáculo apresentado, eles estão no caminho certo. Enquanto isso, os grafites gritam: mais amor, por favor.






quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Cervejas, ame-as ou deixe-as*


Verdade ou lenda? Conta-se que nas últimas décadas do século XIX, um imigrante alemão recém-chegado ao Brasil resolveu abrir um bar no centro do Rio de Janeiro. O homem era um mestre cervejeiro em sua terra, e esperava prosperar por aqui com a bebida. No entanto, nos primeiros dias após abrir seu estabelecimento, teve uma triste constatação. Suas cervejas não dispunham da preferência dos brasileiros e portugueses que ali passavam, que preferiam o vinho. O alemão, um sujeito forte e de grande estatura, teve então uma ideia: mandou um funcionário afixar um cartaz na entrada do bar com a oferta de cerveja grátis, com um pequeno detalhe - era grátis para todos que o ganhassem numa prosaica queda de braço. Rapidamente, a frequência de seu bar aumentou. O esperto alemão ganhava quase todas as disputas, e de vez em quando relaxava o braço para que alguém o ganhasse. Quase sempre o "ganhador" voltava no dia seguinte trazendo amigos, que se tornavam novos fregueses. Aos poucos a frequência do bar foi preferindo a cerveja ao vinho.

Sem o saber, nosso próspero comerciante alemão foi um dos primeiros homens de marketing ligado à cerveja no Brasil. No entanto, se lhe fosse permitido viajar no tempo e chegar a 2013 para uma passeada pelos bares brasileiros, ficaria espantado com a quantidade de apaixonados por cerveja que temos por aqui. e creio que ele adoraria as diversas cervejarias brasileiras que começam a abrir suas portas aos amantes da bebida.      



No sábado passado, estive em Petrópolis, conferindo pela primeira vez a fábrica da Bohemia, e o Museu da Cerveja. Em mais um sábado de calor infernal no Rio, valeu  a pena subir a serra para uma tarde cultural e etílica. No Brasil, estas visitas guiadas em cervejarias são uma atividade recente, feitas com muita propriedade pelo marketing ligado às cervejarias.Sou de um tempo em que as únicas visitas abertas à fábricas de bebidas alcoólicas eram aquelas que tínhamos (e ainda temos, com muito sucesso) pelas vinícolas da região o sul do Brasil. Foi lá, em Bento Gonçalves (ou seria outra cidade?, não me lembro bem), que pela primeira vez ingeri álcool. Eu devia ter entre 13 ou 14 anos. Ainda me recordo dos imensos barris de vinho que nos cercavam enquanto o guia contava histórias sobre o vinho. A cerveja até então era algo "menor", uma bebida mais comum que - pelo menos aqui no Brasil - não parecia digna de merecer uma tour.

Mas os tempos mudaram. As grandes cervejarias viram que valia a pena apostar nessa paixão do brasileiro pela bebida, e começaram a abrir suas portas para receber cada vez mais pessoas dispostas a conhecer um pouco da história, da feitura da bebida e, como não deveria deixar de ser, beber um pouco. E a tendência não é só incrementar o turismo e alavancar as vendas. De um tempo para cá, bares e restaurantes com cartas de cerveja proliferam pelas cidades brasileiras, e aos poucos vai se tornando um hábito comum reunir os amigos para degustar cervejas artesanais de qualidade.

Outro dia, estive na rua Barão de Mesquita, na Tijuca, para encontrar um amigo que escolheu comemorar seu aniversário numa cervejaria. O local se chama Cerveja Social Clube e, a julgar pela fachada totalmente discreta - nem se preocuparam em colocar o nome do estabelecimento ali - me pareceu que ali se pretende ser um local aberto para iniciados. Um clube de fãs da bebida. E que já possui até site, como diz o folheto que me deram na saída: "Um site com mais de 250 cervejas de várias partes do mundo. Entrega em 48h na cidade do Rio de Janeiro. Copos, acessórios e revistas". Na loja física, há informações sobre degustações guiadas e aulas sobre cerveja, as quais acontecem esporadicamente. Mas peraí: degustações guiadas, aulas de cerveja? Pois é. Vivemos novos tempos etílicos...

O negócio da cerveja parece ser irreversível. Na fábrica da Mistura Clássica, cerveja artesanal de Volta Redonda, que abriu um bar para seus seguidores dentro da fábrica. O bar oferece degustações de seus diversos tipos de cerveja (PIlsen, Ale, Black etc) em minúsculos copos. Feita a degustação, o freguês escolhe sua (s) preferida(s) e pede ela por inteiro numa tulipa.  Mais que uma ocasião para "derrubar cervejas", o que ocorre ali é uma experiência para quem realmente aprecia a bebida.

No ano passado, Aproveitando um feriado em Pedro do Rio, na região de Itaipava, estive com amigos na visita guiada á Itaipava. A visita é com hora marcada e deve ser reservada antecipadamente, de forma um tanto burocrática: nome, cpf e identidade de quem vai, proibido levar crianças, bermudas proibidas etc.  A despeito de todos esses entraves, a visita vale a pena. Guias explicam detalhadamente o processo de formatação da cerveja, Sobretudo ao final, quando do alto do imenso pátio da fábrica, vislumbramos a etapa em que máquinas-robôs engarrafam, selam e empacotam centenas de garrafas da bebida que airá dali para diversos pontos do país.

Se  na fábrica da Itaipava, o processo técnico da feitura da cerveja é o primordial, no fábrica da Bohemia, graças ao Museu da Cerveja, o impacto é bem maior, e cultural. Logo na entrada ficamos sabendo do surgimento da bebida, há milhares de anos no Oriente Médio, e também das lendas que cercaram a bebida e deram-lhe notoriedade, Conhecemos uma profissão de alto nível no Egito antigo: a de provador de cerveja; o legado dos santos católicos da Idade Média que teceram loas à bebida (como Santo Agostinho) assim como o trabalho de monges trapistas que inventaram a fórmula de uma das cervejas mais famosas até hoje. Acompanhamos os percalços e a evolução da bebida do alvorecer da Idade Moderna, passando pelas grandes navegações, o capitalismo e o surgimento da fabricação em série, que tornou a bebida famosa mundialmente. Registrei e compartilho com vocês algumas imagens do local.  











Nos outros andares destinados á visitação, assistimos ao processo de fabricação da bebida, a um filme sobre a criação da fábrica da Bohemia em 1863, e o grand-finale: a degustação da bebida, quando, após um suspense feito pelo guia, uma sala que estava oculta subitamente surge à frente dos visitantes, com direito a serpentina de chope, garçons e o chamado para experimentar a bebida. Difícil, muito difícil resistir.

Enfim, provar, degustar, amar as infinitas cervejas hoje á disposição tornou-se algo definitivamente profissional no Brasil. Quem bebe por prazer agradece. Agora, por favor, com  licença que vou à geladeira buscar minha red ale...  


*inspirado em Paulo Leminski
               

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Walter Mitty, ou a saga do fotojornalismo em revista


Há uma cena bem interessante ainda no começo do filme "A vida secreta de Walter Mitty". Estamos numa grande sala de uma grande revista - a Life - em Nova York. Todos os funcionários estão ali - dentre eles o protagonista, vivido por Ben Stiller -, e todos aguardam uma uma notícia que se revelará ruim para a maioria. Adentra a sala o novo e arrogante "manager" da revista, Ted Hendricks (Adam Scott) e sem demora avisa a todos o motivo da reunião: a edição impressa da lendária revista não circulará mais. Apenas a edição online sobreviverá. Em vista disso haverá corte de custos, começando com os funcionários.

O novo patrão, do alto de sua soberba, diz a todos que o último número deverá ser especial, e para tanto a foto da capa deverá ser aquela escolhida pelo mais famoso fotógrafo da revista, Sean O'Connel (vivido por Sean Penn, um personagem que é uma homenagem do filme a grandes fotógrafos, como Robert Capa). Em um telegrama enviado à revista, O'Connel explica a razão da foto específica: para ele, ela contém a "quintessência da vida". Hendricks, após ler a palavra, parece confuso, e um dos seus assessores o socorre com a definição de quintessência: seria algo que por si só revelasse o essencial, o principal, o último apuramento de determinado artista.

Stiller sente um arrepio. Ele está há 16 anos na revista e é o chefe dos reveladores. Será ele quem terá a importante tarefa de entregar a foto revelada para a publicação especial. Porém, há um problema: a foto escolhida pelo fotógrafo sumiu. Como a edição final está prevista para dali a duas semanas, Stiller parte em uma viagem pelo mundo em busca do fotógrafo para saber o paradeiro da tão especial fotografia.      




(Cabe aqui um parêntesis sobre a Life. A revista, fundada em 1936, fez grande  sucesso nas décadas de 1940 e 1950, quando era semanal e um grande veículo de comunicação de massas. Em 1978, passou a ser mensal e em 2000, após sucessivas crises financeiras, teve sua última edição impressa. Hoje a Life só existe online e vez por outra realiza edições temáticas).

Num tempo de banalização de imagens trazido pela overdose de câmeras e smartphones digitais, onde tudo é motivo para ser fotografado, pode parecer "coisa de cinema" alguém, como Walter Mitty, correr o mundo em busca de uma deteminada foto, aquela que conteria, como no filme, a quintessência de um verdadeiro artista. O lema da Life, escrito pelo fundador da revista, Henry Luce, em 1936, era: "Ver coisas a milhares de distância, coisas escondidas atrás de muros e dentro de quartos, coisas perigosas por vir". É esta mensagem que o fotógrafo escreve no telegrama à Mitty, a quem ele considerava um verdadeiro parceiro profissional, por revelar sempre da melhor maneira seus cliques ao redor do mundo. Houve um tempo, ainda na primeira metade do século XX, antes da televisão e internet, na qual era apenas pelo cinema ou por revistas ilustradas como a Life que as pessoas ficavam conhecendo "coisas a milhares de distância". Na Europa, não se pode esquecer a Paris Match. E no Brasil, tivemos o exemplo de O Cruzeiro, fundada por Assis Chateaubriand em  1928, publicação que revolucionou o fotojornalismo no Brasil a partir dos anos 1940, enquanto surgia por aqui pela primeira vez uma incipiente indústria cultural.

No livro "As origens do fotojornalismo no Brasil: um olhar sobre O Cruzeiro, 1940/1960", publicado pelo Instituto Moreira Sales, explica-se a razão do sucesso das revistas ilustradas: Na Europa e nos Estados Unidos, o surgimento destas revistas esteve intimamente relacionado aos aperfeiçoamentos tecnológicos, que permitiram a inclusão da fotografia nas páginas dos periódicos, à industrialização da imprensa, à comercialização da notícia e à expansão da publicidade. No Brasil, não seria diferente, mesmo com toda a defasagem nossa em relação às indústrias culturais do exterior. Se no século XIX, quando surge a fotografia, tivemos em grande parte o trabalho de ilustradores que desenhavam por cima de fotografias reais (como no caso da Guerra do Paraguai), devido ao alto custo de imprimir fotos em jornais e revistas, com o avanço da tecnologia nas décadas posteriores tivemos a revista ilustrada como a grande vitrine do fotojornalismo moderno.

Quem viu o filme de Ben Stiller entende porque o fotógrafo vivido por Sean Penn considerava sua arte um trabalho de equipe: era assim em toda a revista Life: "As instruções da Time-Life deixam claro que não bastava ter boas fotos para ter uma boa fotorreportagem, e revela os bastidores de um trabalho de equipe que exigia uma grande articulação entre os participantes (...).Com o surgimento da Life, a fotorreportagem se transformava numa fórmula passível de ser aplicada aos mais variados contextos", ressalta o livro do IMS.



Fica explicado porque os grandes fotógrafos procuram a "quintessência da vida" em imagens reveladoras. São momentos decisivos, como diria Cartier-Bresson, são cliques que de tão impactante nos mostram toda uma era da história, como a menina nua correndo das bombas de napalm no Vietnã, as bombas da Segunda Guerra Mundial, a chegada dos aliados à Normandia pelas lentes de Robert Capa, os índios do Amazonas olhando fascinados para os "pássaros de fogo" (aviões) pelas lentes de Jean Manzon em O Cruzeiro, o incrível périplo de Sebastião Salgado para descobrir e revelar povos ainda sem contato com a civilização em pleno século XXI e muito mais.

A Life foi uma das grandes criadoras do fotojornalismo em revista. Algo que o filme "A vida secreta de Walter Mitty" demonstra de forma brilhante. Não perca. Pra encerrar, deixo o link do site da Life em que eles mostram o trabalho das capas falsas feitas especialmente para o filme. Sim, aquelas capas mostradas nos corredores por onde Stiller e outros personagens circulam são criações da equipe cinematográfica em cima do acervo da própria Life. Divirtam-se.

http://life.time.com/culture/walter-mitty-life-magazine-covers-that-never-were/#1





            





quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Rememorando um velho cartão postal....


Resolução para o Ano Novo: voltar a escrever para o blog. Cumprirei? O tempo dirá.

Ok, eu não vou tentar explicar porque este blog ficou tanto tempo desativado, mas este texto - imperfeito, como verão -, é apenas uma tentativa de voltar a utilizá-lo agora em 2014. Depois de meses sem abri-lo, vi que meu último texto, sobre o cantor Roberto Silva (escrito em janeiro!) recebeu um comentário simpático de alguém que também ama a música escolhida. Isso me faz querer continuar. Sei que devo ter perdido milhares de leitores potenciais (brincadeira...rs), mas o que me faz voltar de verdade é a necessidade de escrever sobre cultura, livros, cinema, música, televisão, quadrinhos, enfim, todo meu universo como jornalista e professor de Comunicação. Se alguém por acaso parar um tempinho que seja por aqui e ler um ou outro texto, já me sentirei recompensado.

Fim de ano é época de planos a serem feitos e rememorar o que fizemos de bom ou ruim. Não é hora de falar do que mais me empolgou (ou não) em 2013 porque isso levaria muito tempo. Vou é compartilhar um momento de minha vida com vocês, de uma época em que eu nem imaginara o que estaria fazendo hoje. Falarei rapidamente de minha viagem aos Estados Unidos, em 1995, através das lembranças que voltam à tona motivadas por um cartão postal. Naquele ano, eu embarcara numa viagem costa a costa pela America através da antiga Soletur, a agência que dava as cartas no turismo brasileiro antes da CVC.

Entre as cidades visitadas, estavam Los Angeles, Las Vegas, São Francisco, Washington, Filadélfia e Nova York. Vinte e um dias desbravando as terras americanas. Minha primeira viagem internacional e um período inesquecível. A imagem que vem a seguir é do Chinese Theatre, próximo à calçada da fama, em Hollywood, Los Angeles. Eu estava há menos de três dias nos Estados Unidos e me hospedara na famosa Sunset Boulevard, uma das mais famosas ruas da cidade e mesmo título de um meus filmes preferidos: "Crepúsculo dos deuses" ("Sunset Boulevard", de Billy Wilder). Eu estava na terra de deuses construídos e das ilusões perdidas.




No dia em que comprei o postal, eu já havia tirado algumas fotos de estrelas da calçada da fama. Na mensagem escrita à minha família, contava-lhes uma história que já havia esquecido:

Este é o Chinese Theatre. Diz a lenda que na data de sua inauguração, choveu o dia inteiro em Los Angeles. A atriz homenageada chegou numa limusine, completamente bêbada. Na entrada, levou um tombo e deixou as mãos marcadas no cimento ainda fresco do teatro. Daquele dia em diante, todo grande astro do cinema deixou seu "autógrafo" no local. 
Como estão todos aí no Brasil? Aqui está tudo ótimo. Um beijo grande para mãe, pai, Nanda, Maurício, Valéria e Luarinha. 

Rogério

Pois é. Eu nem lembrava do conteúdo do cartão, muito menos da tal atriz bêbada que teria inaugurado involuntariamente a tradição de marcar as mãos no cimento ainda fresco - um gesto para a eternidade. Quem seria essa atriz? Talvez tenha sido o guia da excursão que me contou. Seria verdade? Não faço ideia, mas sem dúvida uma história boa demais para não ser contada, e por isso a escrevi no postal. Naquele ano a internet ainda engatinhava e pouca gente no Brasil tinha e-mail ou internet (discada). Blogs como esse? Só nos Estados Unidos, e ainda funcionando como diários íntimos. Hoje um e-mail viaja para qualquer lugar do mundo em questão de minutos ou segundos. O cartão levaria duas semanas para chegar ao Brasil, às vésperas de meu retorno.

Em meados de dezembro último, meu pai, que costuma guardar todas estas memórias familiares, me mostrou novamente o cartão. Ao lado, ele anexou uma foto de Arthur, meu filho com, alguns meses de idade, a qual eu lhe dera de presente em 2005, ano de seu nascimento.

Aquele cartão comprado em minha primeira viagem internacional, mais a foto de meu filho bebê, me comoveram e  me fizeram perguntar a mim mesmo: o que seria de nós sem nossas melhores lembranças? Até quando este espaço virtual guardará a imagem daquele cartão, que em uma tarde de 1995, em, solo americano, eu comprei e enviei à minha família? 

Espero que para sempre.

Desejo a todos um Feliz Ano Novo em um ótimo 2014!