terça-feira, 30 de junho de 2009

Gay Talese vem ao Brasil - e não está resfriado!

Jornalistas, preparem-se: neste fim de semana, o mestre norte-americano Gay Talese, um dos criadores do new journalism, chega ao Brasil para participar da Flip, a festa literária de Paraty, no Rio de Janeiro. Rara ocasião para conferir de perto o autor de "Fama e anonimato", "A mulher do próximo" e "O reino e o poder" - grandes reportagens que inspiraram e ainda inspiram repórteres iniciantes e veteranos de todo o mundo. Entre as muitas reportagens que deram fama à Talese, hoje um senhor de 77 anos, uma de minhas preferidas é o perfil que o jornalista escreveu sobre Frank Sinatra.

No inverno de 1965, Gay Talese viajou de Nova York a Los Angeles a fim de entrevistar o cantor Frank Sinatra para a revista Esquire. A entrevista já tinha sido agendada pelo editor da revista e o relações-públicas do cantor. Contudo, pouco depois de chegar à cidade, Talese descobriu que ela não seria concedida. Os motivos alegados eram dois. Primeiro, Sinatra estava muito perturbado com recentes reportagens publicadas em jornais sobre suas supostas relações com a máfia. O segundo motivo poderia ser considerado um tanto mais prosaico, mas não para o maior cantor dos Estados Unidos: Frank Sinatra estava resfriado.

Um jornalista inexperiente daria meia-volta e rumaria ao aeroporto de volta. Mas Talese ficou em Los Angeles. Nos dias e semanas seguintes, enquanto esperava pela melhora na saúde de Sinatra e, quem sabe, a tão esperada entrevista, o jornalista procurou entrevistar gente próxima ao astro, que contava com um staff de 72 pessoas. Conversou com músicos e atores, executivos de estúdios, produtores musicais, seguranças, promotores, uma senhora que acompanhava Sinatra por todo o país carregando uma mala com 60 perucas usadas pelo cantor, donos de restaurantes, o filho que vivia à sombra do sucesso do pai, além de mulheres, muitas mulheres. Pessoas que, de uma forma ou de outra, haviam tido algum contato com o astro. Certo dia o relações-públicas de Sinatra ligou e disse que o cantor ainda não daria a entrevista, mas Talese poderia acompanhá-lo numa gravação de um especial para a TV e em outros momentos - de longe.

De repente, veio o insight: todas aquelas pessoas que dependiam de Sinatra encontravam-se unidas pelo fato de saberem que o astro, o "chefão", estava resfriado. A entrevista acabou não sendo concedida, mas Talese já tinha seu material. Voltou para Nova York e escreveu um dos maiores perfis sobre um astro em todo o século XX. A reportagem, que recebeu o título "Frank Sinatra está resfriado", fez um imenso sucesso e é até hoje estudada em dezenas de faculdades de jornalismo. Sinatra não dera a entrevista, mas seu perfil, sua alma, seus interesses, estava tudo ali naquelas páginas. O começo da reportagem é por si só um clássico:

"Sinatra resfriado é Picasso sem tinta, Ferrari sem combustível - só que pior. Porque um resfriado comum despoja Sinatra de uma jóia que não dá para pôr no seguro - a sua voz -, minando as bases de sua confiança, e afeta não apenas seu estado psicológico, mas parece também provocar uma espécie de contaminação psicossomática que alcança dezenas de pessoas que trabalham com ele, bebem com ele, gostam dele, pessoas cujo bem-estar e estabilidade dependem dele. Um Sinatra resfriado pode, em pequena escala, emitir vibrações que interferem na indústria do entretenimento e mais além, da mesma forma que a súbita doença de um presidente dos Estados Unidos pode abalar a economia do país".

O estilo conhecido como New Journalism teve seu auge na década de 1950, quando jornalistas-escritores como Talese, Truman Capote e Lillian Ross começaram a escrever reportagens longas em que as técnicas jornalísticas recebiam ajuda de recursos da literatura de ficção, como diálogos, voz interior etc. A diferença é que nada ali era inventado.

O estilo sobrevive até hoje, em que pese os cortes de custos das empresas de comunicação, que relutam em financiar grandes reportagens, que dão prestígio mas custam muito tempo e dinheiro. Pra quem estiver interessado, recomendo a coleção de livros da série "Jornalismo Literário", da Cia das letras, com grandes reportagens de John Hershey, Tom Wolfe, Norman Mailer, além de brasileiros como Joel Silveira, autor da incrível "A milésima segunda noite da Avenida Paulista".

Autores que, segundo Humberto Werneck, no posfácio de "Fama e anonimato", realizaram a "arte de sujar os sapatos", ou seja, largaram as redações e foram às ruas descobrir belas histórias.

I'll be there: Como Michael Jackson chegou a todos os lares do mundo

Eu não ia escrever nada sobre a morte de Michael Jackson. Achei que as inúmeras edições especiais de jornais e revistas, programas de televisão, especiais no rádio, além de homenagens em sites nos quatro cantos do mundo se bastariam. Mas foi impossível. Não há como passar ao largo da morte deste grande ídolo. Em termos de comunicação, a morte de Jackson mostrou e ratificou a força do meio online: o site TMZ foi o primeiro a dar o furo mundial e, não satisfeito, ainda mostrou com exclusividade a chamada telefônica dos empregados do astro para a emergência. Rapidamente uma multidão em Los Angeles prostrou-se à frente da clínica para onde o artista fora levado. Na mesma tarde, um congestionamento como há muito não se via na internet chegou a emperrar o serviço de alguns provedores, como o Google. Todos queriam saber sobre o estado de Michael - aquele jovem desconhecido que começou a cantar ainda criança em bares sujos de Gary, Indiana, teve sua morte transmitida em questão de minutos para todos os cantos do planeta.

Agora, me diz com sinceridade: algum outro astro pop conseguiria tal repercussão?

Eu tinha 12 anos quando o álbum "Thriller" foi lançado, em 1982. E, posso dizer, com certeza nunca vi um único álbum tocar tanto nas rádios como naquela época. No auge do sucesso da canção "Billy Jean", uma experiência interessante era girar o dial do rádio FM por inteiro - a cada três estações percorridas, uma delas estava tocando o hit. Em 1983, na festa dos 25 anos da gravadora Motown, Michael, já um grande sucesso, mostrou ao público pela primeira vez os passos inacreditáveis de sua dança mais famosa, o moonwalk. Era a consagração total do astro.



Nos anos posteriores, sua fama só faria por aumentar. Se, no começo da década de 1990, sua trajetória artística já começara a declinar, seu sucesso como celebridade ainda era arrasador, como podemos conferir neste trecho do livro "Dish: how gossip became the news and the news became just another show", de Jeannette Walls:

Por volta de 1993, a cultura das celebridades era tão invasiva que astros do cinema e da música estavam entre as mais poderosas pessoas do país - e nenhum deles era maior que Michael Jackson. Jackson não era apenas um pop star; ele era sozinho um conglomerado multibilionário. Ele havia assinado um contrato com a Sony que chegara a 1 bilhão de dólares, o maior na história do entretenimento. Seu acordo com a Pepsi creditava a ele o aumento no número de consumidores do refrigerante numa média de lucros de 470 milhões de dólares, e Jackson então era uma grande e valiosa commodity para a empresa.
A cultura das celebridades, contudo, estendeu-se para além de seu lado financeiro. Eles eram os mais sagrados ícones da sociedade moderna. Celebridades haviam conquistado um significado cultural e um impacto emocional na América não encontrado em líderes religiosos ou políticos. E no começo dos anos 1990, nenhum performer personificou mais a síndrome de celebridade-semideus do que Michael Jackson. Era uma imagem que ele levara muito tempo cultivando. Embora seu trabalho filantrópico nesta década fosse limitado mais a cantar canções sobre crianças desamparadas em hospitais, Jackson era visto como um dos maiores líderes humanitários do mundo. Presidentes queriam ser fotografados junto a ele, e ele recebeu honras de Carter, Reagan, Bush e Clinton. O prefeito de Los Angeles Tom Bradley criou um Dia de Michael Jackson.

Muito se falou, nessa overdose de Michael Jackson que estamos recebendo desde quinta-feira passada, das contribuições do artista para a cultura de sua época. Jackson não foi somente um ótimo cantor, de voz afiadíssima, mas um grande dançarino e um visionário em seus videoclipes.

Antes de "Thriller", o videoclipe era uma mera peça comercial destinada a promover o disco do artista da música. Michael Jackson percebeu antes de todos que aquilo poderia ser mais que uma novidade da indústria do entretenimento -poderia ser um produto cultural, com valor estético.

Assim, Michael juntou todos os seus talentos na divulgação de seus videoclipes. A MTV americana nascera apenas um ano antes do lançamento de "Thriller", em 1981, conservadora (só tocava artistas brancos) e com um videoclipe de estreia que parecia profetizar o que viria por aí: "Video killed the radio star" ("o vídeo matou o artista de rádio"). Michael Jackson levou a sério o recado e intuiu que a música entrava ali em sua era visual.

O estouro do disco forçou a MTV a exibir os videoclipes de Michael, que se tornou o primeiro astro negro a tocar na emissora. No videoclipe de "Billy Jean", foi de Jackson a ideia de iluminar os pisos da rua que acendiam enquanto o artista dançava e cantava. No clipe de "Beat it", a produção estourou em cinco vezes o orçamento, e a gravadora avisou que não iria pagar. Jackson bancou do próprio bolso. O resultado, com as cenas de lutas coreografadas entre duas gangues rivais, correu o mundo e foram copiadas ad nauseum. Aliás, para dar maior veracidade às cenas, foram chamados em "Beat it" não só bailarinos mas integrantes reais de gangues de rua de Los Angeles.

A partir de "Thriller" - considerado até hoje melhor videoclipe da história, dirigido por John Landis, convidado por Jackson que ficara impressionado com os efeitos especiais mostrados no filme "Um lobisomem americano em Londres" - o artista começou a convocar grandes cineastas para dirigi-los, como Scorcese e Spile Lee. Os orçamentos eram enormes, mas valia a pena: cada clipe era aguardado como um acontecimento.

E assim foi com "Bad", com "They don't care about us", com "Black or white"(com sua lendária e revolucionária, para a época, fusão de rostos, em que um negro virava uma asiática, que virava uma africana, que virava um latino, depois um europeu...) e "Remember the time" (também sem economizar nos efeitos e com vários astros de Hollywood como coadjuvantes. Em todos eles, aparecia o artista em sua totalidade: cantor, dançarino, ator, performer.

Michael Jackson deu status de arte ao videoclipe. Pare um pouco, quando estiver em casa, e assista a um entre vários outros que passam diariamente nos canais de TV. Note que a maioria - em especial aqueles de artistas ligados à black music - copiam ideias já lançadas em algum clipe do artista. Sem o saber, estão pagando tributo ao cantor.

É pena que nos últimos 15 anos Michel jackson não tenha feito nada de artisticamente relevante. Suas mudanças na cor da pele (algo que ainda merece um bom estudo) e as diversas plásticas, além das diversas acusações de pedofilia contra meninos em seu rancho Neverland, transformaram-no numa mina de ouro para tablóides sensacionalistas. Aqueles mesmos que até semana passada o chamavam de freak, excêntrico, maluco, pedófilo; e que agora o veneram como o rei do pop.

E como nós, brasileiros, gostamos de celebrar nossos ídolos através do humor (às vezes rir é bem melhor do que ficar se condoendo em lamentações), deixo aqui a piada já levada em alguns sites e republicada na coluna de Anna Ramalho, no JB (confesso que só havia lido a primeira parte, mas com a "participação" de outra megapopstar a historinha fica ainda melhor):

Após a morte, Michael Jackson chega ao Céu e vai logo perguntando para São Pedro:
- Cadê o Menino Jesus. Estou louco para conhecê-lo!
- Sinto desapontá-lo, mas a Madonna já passou a mão nele! - respondeu o santo.

Descanse em paz, Michael.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Não deixe o samba morrer: Ana Costa e Nilze Carvalho no Sesc Ramos

O cartaz estendido à frente do Sesc Ramos dava o nome do projeto em que elas se apresentariam: Essas mulheres e suas vozes maravilhosas. Uma iniciativa bem sucedida de reunir cantoras - entre consagradas e revelações da música popular brasileira - dentro do circuito dos Sescs cariocas. Fui conferir os shows de Ana Costa e Nilze Carvalho, duas grandes intérpretes que semanalmente batem ponto em casas noturnas da Lapa, atual point da melhor música carioca. Para um fã de cantoras, como eu, devo dizer que valeu muito à pena. Ana e Nilze costuma ser rotuladas como cantoras de samba, mas esse é um título um tanto redutor para elas, que passeiam com autoridade de veteranas por choros, bossas, toadas, música pop, forró, baíão etc. Saí de ambos os shows orgulhoso com a riqueza de nossa música popular, que tão pouco espaço recebe hoje em dia em nossas rádios.

Talvez você não tenha ouvido falar ainda de Ana Costa, "A cantora que todo mundo gosta", como diz Zélia Duncan. Mas, se no ano passado assistiu à abertura dos Jogos Pan-americanos na televisão (quando nosso presidente levou uma vaia histórica em pleno Maracanã) vai se lembrar daquela moça que cantava junto a Arnaldo Antunes a canção-tema do espetáculo, "Viva essa energia". Ana é uma grande cantora e habitué do bar Carioca da Gema, na Lapa, onde canta todos os sábados, às 23 horas . A noite é sua companheira, e Ana chega a brincar com o horário do começo dos shows no Sesc, 19 horas - "A essa hora eu tô acordando...".

Na sexta-feira, dia do show, a plateia era majoritariamente feminina - da terceira idade, bem entendido. "Tô vendo que 99% da plateia são mulheres", diz Ana, logo após a primeira música. São mulheres em sua maioria separadas, viúvas ou simplesmente solitárias que não perdem um espetáculo no Sesc. Pois quem não compareceu, ora, perdeu um ótimo show! Entre os músicos que acompanham Ana há até um guitarrista, e a cantora apresenta parcerias com uma turma mais ligada ao pop, como Zélia Duncan, Moska e Mart'nália. Simpática, vai ganhanmdo o público aos poucos, intercalando canções dela e de parceiros com clássicos consagrados da música brasileira. Sua interpretação para "Feitio de Oração" de Noel Rosa, é um dos destaques. Ana é versátil a ponto de emendar "Sem compromisso", de Geraldo Pereira, a "Homenagem ao malandro", de Chico Buarque, e mais tarde fechar o show com um pout-pourri de sambas e afoxés de Martinho da Vila. Saímos de lá e emendamos no Bar da Portuguesa, um dos participantes de Ramos do festival "Comida de buteco", com seus deliciosos pastéis, caldos e bolinhos de aipim. Uma ótima noite.




Aliás, a celebração destes shows no subúrbio de Ramos não deixa de ser uma bela homenagem ao bairro que ostenta a sede da Imperatriz Leopoldinense e foi moradia de ases como Pixinguinha e Paulo Moura. Segundo Nei Lopes, no livro "Zona Norte - Território da alma carioca", se não houvesse Ramos, não haveria o Cacique de Ramos. "E sem Cacique não haveria o pagode inovador dos anos 80, forma revolucionária de se interpretar o samba, com tantãs, banjos e repiques, trazida pelo grupo Fundo de Quintal e que revelou ao Brasil o talento de Zeca Pagodinho, moleque de Del Castilho e Irajá".

Os anos 80 revelaram muita gente boa do pagode e samba. E revelaram também uma menina que tocava tão bem o bandolim e o cavaquinho que chegou a aparecer no Fantástico, da TV Globo. Nessa época ela gravou a série de discos "Choro de menina": seu nome era Nilze Carvalho. Agora, mulher feita e linda, ela embala as noites de sábado do Centro Cultural Carioca, no Centro do Rio, à frente do grupo Sururu na Roda, e também faz shows solo como este no Sesc.

A abertura do show, com "Coisas nossas", de Noel Rosa, já antecipa o que vem por aí. Nilze celebra não só o samba, mas diversos gêneros brasileiros, que ela e sua banda tocam precisamente. Seu show começa no Rio, com samba e choro; passa por Minas, onde Nilza entoa uma bela toada; aporta em Pernambuco, onde o frevo levanta o público; e desemboca em baiões e forrós nordestinos. Sua interpretação ao bandolim para o clássico "Feira de Mangaio" é simplesmente sensacional.



Nilze arrebata o público ao tocar com a banda uma seleção de choros, inclusive um de sua autoria, composto, segundo ela, "há mais ou menos 28 anos". Depois, retorna ao samba, anuncia que vai cantar dois sambas para a plateia cantar junto e ganha de vez a audiência interpretando Chico Buarque ("Quem te viu quem te vê")e Caetano e Gil - "Desde que o samba é samba". Cantamos, e confiamos nestes lindos versos:

O samba ainda vai nascer
O samba ainda não chegou
O samba não vai morrer
Veja o dia ainda não raiou
O samba é pai do prazer
O samba é filho da dor
O grande poder transformador


Fim do show, animadíssimo, com homenagens ao Salgueiro e a Portela. Nilze, assim como Ana Costa, tem que estar no Centro do Rio dentro de algumas horas para se apresentar a um público mais notívago. Simpática, a cantora abre o camarim para autografar seu CD (vendido no show) e tirar fotos com fãs. Na fila, um senhor com a camisa da Imperatriz carrega orgulhoso um disco em vinil da série "Choro de menina", com uma Nilze ainda garota na capa. Pergunto qual seria o ano de lançamento daquele LP. "Rapaz, tem tempo, viu? Acho que ele é de 1982 ou 1983..."

Pois aquela menina nascida no subúrbio carioca cresceu e continuou levando seu bandolim virtuoso a diversas partes do mundo, até aquela noite da semana passada em que ela pisou o palco do Sesc Ramos. Quando voltará, Nilze? "Ora, é só me convidarem", conclui a cantora, distribuindo simpatia.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Eu, Rogério M., jornalista, professor e chefe de cozinha

Caiu o canudo! Com o fim da exigência do diploma para jornalistas, na última quarta-feira, 17 de junho, surgiram controvérsias no país inteiro - contra ou a favor - e também, é claro, aqui no terreno da internet. Sendo este um blog sobre comunicação e cultura, não posso deixar de dar meus pitacos.

Fiquei bastante curioso com o comentário que o presidente do STF fez ao comparar os jornalistas a chefes de cozinha, argumentando que cozinheiros, assim como jornalistas, "não carecem de conhecimentos específicos para o bom exercício da atividade". Para Gilmar, o jonalismo é uma "profissão diferenciada" e que deve ser tratada à parte. Pois bem: como eu vivi até hoje sem pensar nessas colocações tão geniais? Ironias à parte, a afirmação é desrespeitosa tanto com os cozinheiros quanto com os jornalistas - que adoram os prazeres da boa mesa, embora a maioria dos que conheço prefiram mesmo a baixa gastronomia dos botecos...tão bem representada aqui no Rio pelo festival "Comida de Buteco", que importamos de BH.

Há hoje na Europa, Estados Unidos e mesmo no Brasil excelentes cursos universitários de gastronomia, que formam grandes chefs. Há também programas de TV nos quais chefes de cozinha rabugentos e irascíveis fazem um tremendo sucesso. Viraram celebridades. Aliás, Gilmar esqueceu-se de dizer que alguns editores mais estressados não deixam nada a temer a um tipo como Gordon Ransey, o mal-humoradíssimo chef e hoje pop-star britânico. Um bom cozinheiro é cada vez mais disputado não só em restaurantes, e também, como disse, pela mídia. Mas compará-los com jornalistas é um desatino. Nenhum destes nobres profissionais lidam com a informação relevante e pública, com a verdade, a honra individual, com a notícia que pode desmoralizar políticos corruptos ou transformar medíocres em celebridades - sim, a imprensa também tem seu lado espúreo.

Não sou tão radical a favor do diploma em jornalismo. Apenas acho que a necessidade de uma formação superior humanista - não precisa ser específica de jornalismo - é imprescindível para se trabalhar na área. Muitos retiram o crédito do ensino universitário, com a velha ladainha de que só se aprende de fato a fazer jornalismo dentro de uma redação; outros chegam a desacreditar o ensino da teoria da comunicação em cursos universitários: "Não servem pra nada, o que vale é a prática!"

Erram feio, pois a boa prática deve andar junto com a teoria. Uma teoria bem estudada vai proporcionar ao ex-aluno, quando no jornal, refletir melhor sobre os coflitos éticos que com certeza aparecerão, pois lidamos com o tema desde sempre. Um argumento recorrente também é o de que o mercado deve privilegiar o talento, e não a formação universitária. Ora, essa é uma posição arrogante, pois pressupõe que talento e universidade não se misturam (!). O sujeito pode ser bem talentoso, mas se chegar numa redação moderna sem saber como construir um lide (o primeiro parágrafo de uma matéria), elaborar uma reportagem ou entrevista, ou mesmo alguém muito bom em redação, mas que nunca recebeu noções de técnicas jornalísticas - tudo isso aprendido nas boas faculdades de jornalismo -, vai dançar.

Até mesmo jornalistas veteranos que viraram acadêmicos, como Muniz Sodré, vaticinam que melhorou muito o nível cultural dos repórteres depois da exigência do diploma. Mas sempre teremos advogados espertos tentando ligar a obrigatoriedade do diploma (que começou a vigorar em 1969, junto da Lei de Imprensa) a uma imposição ditatorial do regime militar. Ou mesmo a alegação de alguns ministros do Supremo, que votaram contra o diploma "em defesa da liberdade de expressão". E desde quando o diploma inviabiliza a livre expressão??? Uma coisa não tem nada a ver com outra.

Ou tem? Bem, até essa semana eu também achava que a profissão de jornalista não tinha nada a ver com a dos cozinheiros. Por via das dúvidas, no momento estou pensando seriamente em criar um cartão de apresentação com estes dizeres: "jornalista, professor e chefe de cozinha".

quinta-feira, 18 de junho de 2009

O discurso de Sarney e o culto à personalidade

Look into my eyes, what do you see?
Cult of personality
I know your anger, I know your dreams
I've been everything you want to be
I'm the cult of personality
Like Mussolini and Kennedy
I'm the cult of personality


"Cult of personality", Living Colour

Uma vez, faz alguns anos, eu estava em Salvador, hospedado na casa de amigos, e num dia chuvoso nossos anfitriões resolveram nos levar a um passeio num shopping center. Ao chegar no local, me surpreendi como ali era comum dar nome a alguns setores internos. Havia o "Corredor Antonio Carlos Magalhães", a "Praça de Alimentação ACM", o "Piso Antonio Carlos Magalhães Filho", o "Espaço Antonio Carlos Magalhães Neto" e por aí vai. Como ACM ainda estava vivo, pensei: culto à personalidade é isso aí. Um exemplo da construção do culto a figuras públicas está no patético discurso de José Sarney esta semana no Senado. Colocando-se acima do bem e do mal, o senador disse considerar "uma injustiça o país julgar um homem com tantos anos de vida pública" - situação agravada mais tarde pela infeliz declaração de apoio do presidente Lula em defesa de Sarney, afirmando que o presidente do Senado "não pode ser tratado como uma pessoa comum".

Não? Como assim? O que explica estas atitude típicas de quem se acha livre de contestações? No Wikipedia há uma boa e sucinta definição: o culto à personalidade seria típico de regimes totalitários - embora também possam existir em democracias -, e pode ser entendido como uma estratégia de propaganda política baseada na exaltação das virtudes - reais ou supostas - do governante, bem como da divulgação positiva de sua figura. Eu acrescento: positivista, paternalista, amantíssima, etc.

Um exemplo claro de culto á personalidade está na figura do general Rafael Trujillo, presidente da República Dominicana nos anos 1960, um entre tantos tiranos que infestaram a América Latina com seus regimes ditatoriais. O déspota chegou a mudar o nome de Santo Domingo para Ciudad Trujillo enquanto esteve no poder. Em toda a parte do país havia referências ao ditador, e a tirania chegou ao ápice quando todas as crianças nascidas na República Dominicana eram obrigadas a ter - pasmem! - Trujillo, o "grande pai", como padrinho. Eram cerimônias coletivas nas quais o governo mostrava sua força e poder. Duvida? Pois dê uma lida no livro "A festa do bode", monumental romance de Mario Vargas Llosa, que conta esta e outras histórias de abuso de autoridade. Aliás, no começo do seu governo, diz a lenda que havia uma placa na entrada da capital do país, com os dizeres "Deus e Trujillo". No auge do culto à personalidade, a placa teria sido mudada para "Trujillo e Deus". Na certa, o ditador achava que até Deus deveria lhe prestar continência...

Voltemos à Sarney e o culto à personalidade criado por ele no Maranhão, um dos estados mais pobres do país e comandado pela família do presidente do Senado há mais de 40 anos. Leia abaixo está série de curiosidades sobre o estado, pinçadas pelo jornalista Luis Lara Resende e publicadas no "Jornal da ImprenÇa" (assim mesmo) de Moacir Japiassu, dentro do site Comunique-se. A depender da família, nenhum maranhense jamais esquecerá do nome Sarney.

No Maranhão é assim:

Para nascer, Maternidade Marly Sarney;

Para morar, escolha uma das vilas:
Sarney, Sarney Filho, Kiola Sarney ou Roseana Sarney;

Para estudar, há as seguintes opções de escolas: Sarney Neto, Roseana Sarney, Fernando Sarney, Marly Sarney e José Sarney;

Para pesquisar, apanhe um táxi no Posto de Saúde Marly Sarney e vá até a Biblioteca José Sarney, que fica na maior universidade particular do Estado do Maranhão, que o povo jura que pertence a um tal de José Sarney;

Para inteirar-se das notícias, leia o jornal O Estado do Maranhão, ou ligue a TV na TV Mirante, ou, se preferir ouvir rádio, sintonize as Rádios Mirante AM e FM, todas do tal José Sarney.

Se estiver no interior do Estado, ligue para uma das 35 emissoras de rádio ou 13 repetidoras da TV Mirante, todas do mesmo proprietário;

Para saber sobre as contas públicas, vá ao Tribunal de Contas Roseana Murad Sarney (recém-batizado com esse nome, coisa proibida pela Constituição, lei-maior que no Estado do Maranhão não tem nenhum valor);

Para entrar ou sair da cidade, atravesse a Ponte José Sarney, pegue a Avenida José Sarney e vá até a Rodoviária Kiola Sarney. Lá, se quiser, pegue um ônibus caindo aos pedaços, ande algumas horas pelas "maravilhosas" rodovias maranhenses e aporte no município José Sarney.

Não gostou de nada disso? Então quer reclamar? Pois vá ao Fórum José Sarney, procure a Sala de Imprensa Marly Sarney, informe-se e dirija-se à Sala de Defensoria Pública Kiola Sarney...


Muitos ditadores usaram e usam o poder dos meios de comunicação para amplificar seus desmandos e delírios de grandeza. Quando a imprensa não está ao lado deles, tentam sempre amordaçá-la, silenciá-la, corrompê-la com verbas públicas e demais tentações. (Recentemente a mulher de um político investigado ofereceu um carro ao jornalista da Revista Época para que ele não divulgasse um escãndalo associado ao conjuge).

No entanto, o grande número de cartas dos leitores nos jornais, em repúdio ao discurso de Sarney é um sintoma de que cada vez mais leitores e cidadãos estão insatisfeitos com os escãndalos e as contratações sem concurso de sobrinhos, genros, primos e netos da "grande família" maranhense para cargos públicos.

Desconfiar sempre de candidatos a profetas, gurus e salvadores da pátria é um saudável exercício de cidadania. Desconfie de qualquer culto à personalidade - seja do político tirano, ou até mesmo de seus ídolos no rock. Acreditar em si mesmo - esta é a saída.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Inveja dos Anjos e Rock n' Roll - Teatro com ideias e emoção

Duas peças em cartaz, assistidas recentemente, vão contra a ideia de que o público de teatro só está interessado em prestigiar comédias rasteiras e sexistas. "Rock n' Roll", de Tom Stoppard; e "Inveja dos Anjos", dramaturgia de Maurício Arruda e Paulo de Moraes, são espetáculos densos e que fazem pensar, embora não esqueçam da emoção - a plateia, embevecida, em ambos os casos sai do teatro orgulhosa de conferir um belo texto.

Confesso que de Tom Stoppard eu só conhecia o roteiro de "Shakespeare apaixonado" e pouca coisa mais. "Rock n' Roll" foi a chance de conferir um trabalho teatral deste que é considerado pela crítica um dos grandes dramaturgos em atividade no mundo. Tendo como ponto de partida a invasão dos tanques soviéticos na então Tchecoslováquia, no final dos anos 1960 - evento que ficou conhecido como a "Primavera de Praga", a peça nos leva a personagens como um professor universitário marxista que não abre mão de sua ideologia, mesmo com todas as mudanças no antigo bloco socialista; um jovem estudante de doutorado que, por sua vez, não abre mão de seus discos de rock; uma professora que luta para manter a dignidade enquanto enfrenta um câncer, entre outros personagens que instigam o espectador. A emoção maior está no relacionamento de décadas do velho marxista e o jovem professor e "roqueiro" - ali Stoppard demonstra como poucos a capacidade de externar em diálogos precisos a contradição das pessoas em lidar com aquilo que amam - seja a atitude revolucionária e comportamental do rock, seja a angústia e a impotência da mulher vitimada pelo câncer. Parece dizer em algunms momentos: a amizade está acima de ideologias. Ao fim, uma certeza: mesmo com todo o ativismo político, o que conta mesmo para nós, seres humanos, são as as relações que tivemos com aqueles que amamos ao longo do tempo.

Já em "Inveja dos Anjos", temos um grupo de personagens ora melancólicos, ora solitários, alguns até um tanto patéticos, reunidos à beira de uma estação de trem em alguma grande cidade do Brasil. Aliás, a cenografia, de autoria de Paulo de Moraes e Carla Berri, é um espetáculo à parte - trilhos de verdade atravessam o palco e até sobem pelas paredes. Diferente da apeça de Stoppard - um trabalho solitário do dramaturgo inglês - "Inveja" foi nascendo aos poucos. Como diz Paulo de Moraes no texto de apresentação da peça, personagens e espaço cênico foram surgindo ao mesmo tempo: "Os conflitos iam sendo dscobertos como palavra e já materializados como cena, como ação. Ou vice-versa. As vigas de aço do cenário, um trecho de ferrovia que corta todo o espaço de representação, se tornaram uma síntese segura para que a gente pudesse contar nossas histórias cheias de contradições, desesperos e epifanias." Entre os personagens, há a garçonete sonhadora que de repente recebe a visita do homem que a abandonara há dez anos; o escritor autoconfiante que se apavora com a chegada de uma filha que ele nunca desconfiara da existência; o carteiro que lê as cartas de pessoas antes de entregá-las e separa aquelas com notícias ruins; a mulher que teve os melhors momentos da vida abreviados pela necessidade de cuidar da mãe com problemas mentais... Os encontros e desencontros desses personagens são o cerne da peça, realizados a partir de uma pesquisa formal que teve início no poeta Rainer Maria Rilke ("Se eu gritar, quem poderá ouvir-me na hierarquia dos Anjos? E, se até algum Anjo de súbito me levasse para junto do seu coração: eu sucumbiria perante a sua natureza mais potente").

Em comum nas duas peças está o uso muito bem feito de trilhas sonoras que atravessam a história do rock e "comentam" as cenas, com músicas de Sid Vicious, Pink Floyd e Rolling Stones (em "Rock n' Roll"); Janis Joplin, Beatles e Radiohead (em "Inveja dos Anjos). E não vou esquecer por um bom tempo da atuação de duas grandes atrizes: primeiro, Gisele Fróes - que faz dois papéis na peça de Tom Stoppard, equilibrando com uma sutileza ímpar a professora com cãncer e sua filha iludida e angustiada vinte anos depois. E, em "Inveja dos Anjos", a atuação de Patrícia Selonk como Cecília, papel que lhe rendeu o prêmio Shell de melhor atriz.

Enfim, dois bons motivos para ir ao teatro. E não apenas para se divertir.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Jack Bauer, Renee Walker e a ética flexível da tortura em 24 horas

Depois de um ano de 2008 em que fomos privados das novas aventuras de Jack Bauer, devido à greve dos roteiristas nos Estados Unidos, finalmente o espectador brasileiro pode matar as saudades de 24 horas, que volta agora em sua sétima temporada. Para quem acompanha a série desde seu começo, o consolo para os fãs no ano passado foi o filme de duas horas para a TV Redenção, que mostrava Jack como um foragido do governo americano, em meio a um golpe de estado num país da Africa, enquanto nos Estados Unidos pela primeira vez uma mulher era eleita presidente.

Este ano, não há mais UCT, a agência anti-terrorista do governo onde o herói e demais personagens trabalhavam. A trama agora também não se passa mais em Los Angeles, mas em Washington, logo após a posse da presidente Allison Taylor. Personagens antigos estão de volta, como Bill Buchhanan, Chloe O'Brian e, sim, Tony Almeida - que todos pensavam estar morto. Mas, para mim, passados os primeiros episódios, a grande surpresa desta sétima temporada até agora foi o surgimento de uma nova personagem - a agente do FBI Renee Walker, vivida pela atriz Annie Wersching.

Annie, uma bela ruiva de olhos azuis, tem 31 anos e este é seu papel de maior destaque até o momento. Antes de 24 horas, fez pequenas partipações em algumas séries para a TV, como Startreck: Enterprise, Supernatural, Frasier, General Hospital. Nada muito relevante. O interessante no papel é que Renne Walker, ao longo da trama, será obrigada a atuar ao lado de Jack para confrontar os vilões da série. Aos poucos, a agente vai ficando estranhamente atraída pelos métodos nada ortodoxos do protagonista em obter informações de criminosos.


Annie Wersching e Kiefer Shuterland, ou Renee e Jack

No primeiro episódio, Jack é levado a um tribunal da Corte Suprema dos Estados Unidos a fim de ser julgado pelos seus métodos de lidar com terroristas. Leia-se: torturas. Na verdade, os produtores estão fazendo uma alegoria a respeito dos anos Bush e sua prática do uso da força para arrancar depoimentos, bastante criticada em situações como a da prisão de Abu Graib, no Iraque, cujos desmandos dos militares chocaram o mundo. Na época, comentou-se que os soldados americanos eram fãs da série e "usavam os métodos Jack Bauer" para arrancar confissões. Isso motivou até uma ida de produtores do seriado ao Iraque para dar uma palestra aos soldados contra a tortura. Ironia perde...

No entanto, a série já foi foi acusada mais de uma vez de defender a tortura, situação que gerou controvérsias internamente. Enquanto um dos produtores executivos se apressou em dizer que a tortura "iria diminuir" daqui pra frente, o roteirista e também produtor Evan Katz defendeu o uso destas cenas, em se tratando do personagem Jack Bauer: "Se um personagem sabe onde uma bomba nuclear vai explodir, acho que ninguém diria que ele não deveria ser torturado". Li no blog do Marcus Meyer que no ano passado, durante um debate com pré-candidatos candidatos republicanos, esta mesma pergunta foi feita a John McCain - que respondeu com um convicto "não" -, e a Rudolph Giullini. Este último foi claro: "daria autorização para usarem qualquer método que eu pudesse pensar para extrair a informação". Ou seja, como na série, se a vida de milhares de pessoas estivesse em risco por um ataque nuclear e para evitá-lo fosse preciso "qualquer método" (tortura?) contra uma pessoa, ele não hesitaria.

A passagem de tempo mostrada nesta sétima temporada já fez até alguns comentaristas perguntarem: Jack Bauer seria democrata ou republicano? Creio que a questão não é essa. Os roteiristas, ao notarem a coincidência entre os métodos pouco usuais de Jack e as cenas de tortura cometidas pelo exército americano que provocaram repulsa, ousaram jogar com o tema na nova temporada, provocando o espectador. O próprio fato de a UCT ter sido desmantelada e a série começar com Jack depondo numa comissão que julga os pretensos excessos do protagonista, é um paralelo sutil: os dias de Bush no poder e de métodos para se obter informações por "todos os meios necessários" se encerraram; é hora de um novo governo - e o simples fato de ser uma mulher e não um negro na presidência também vai ao encontro da ideia de novos tempos -, mais tolerante e contra a tortura. Porém, a questão que a cada capítulo tem sido colocada para o espectador é similar àquela feita aos candidatos derrotados por Obama: e quando a vida de milhares depender da tortura de um bandido? É nesta fase que os dilemas da agente Walker vêm à tona.

Após livrar Jack do tribunal em que se encontra para ajudar nas investigações, Renee Walker leva Jack ao FBI, onde ele descobre que seu amigo Tony Almeida está vivo. Este é o ponto de partida da relação tensa entre Jack e Renee. Renee é contra a tortura para investigar suspeitos e trabalha para um chefe definitivamente contra o uso da violência. Mas sua atitude é por vezes ambígua.

Logo no primeiro capítulo, ao capturar um suspeito, quando Jack percebe que só conseguirá arrancar a informação que deseja por meio da força, olha para Renee e pede autorização. Ela se limita a dizer: "prossiga". Em outro episódio, Renee decide interrogar um criminoso dentro de um quarto de hospital. Diante da recusa do criminoso, ela não hesita em ameaçar desligar todas as máquinas que o deixavam vivo, chegando mesmo a cortar por instantes o soro que mantém o homem vivo. Corta para a cena em que ela sai do hospital sorrindo e com a informação conseguida.

Mais tarde, novamente com Jack no encalço de criminosos que estão fazendo o marido da presidente como refém, Renee é orientada por ele a ameaçar a mãe e o bebê de um homem que saberia o local do esconderijo dos assassinos. Ela o faz, embora receosa. A atitude dá resultado.

A perícia dos roteiristas na construção dos diálogos neste último episódio apenas reforço a crecscente empatia entre os dois agentes. Quando Jack pede emprestado o carro do chefe do FBI para ir atrás do homem com informações sobre o esconderijo, ouve dele: "Jack, respeitar as leis é o caminho mais certo". Ao que Jack responde, "Sim..., mas hoje não". mais tarde, Jack consegue encontrar o criminoso, o qual, assustado com a presença de Renee em sua casa, ameaçando a mulher e o filho, acaba liberando a informação sobre o esconderijo. Ao final, tenta matar Jack, mas Bauer se defende e o mata. Bauer então liga para Renee e avisa que já conseguiu a informação, mas o homem está morto. Renee se aflige por um tempo e Jack percebe: "Sei que está sendo um dia bem angustiante pra você. Se quiser estar fora da missão eu entenderei". Renee: "Sim...amanhã", e desliga o telefone.

Enfim, há um tensão latente nesta sétima temporada entre um personagem atormentado que não hesita em recorrer à tortura para conseguir seus fins, e uma agente obrigada a lidar com este homem, e que observa seus métodos entre a repulsa e o fascínio.

Uma tensão, entre homem e mulher, que só tende a crescer no resto da temporada. Enquanto isso, ao final de cada episódio, não dá pra deixar de pensar: em alguns casos, quando a situação chega a um limite, a tortura é realmente necessária?

E até quando Renee estará presa a esta estranha ética flexível da tortura?