quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Hiroshima: 64 anos depois ou A reportagem do século

Há exatos 45 anos, numa manhã nublada, ela foi lançada sobre a cidade. Tratava-se de um dos inventos mais sinistros já inventados pelo homem: a bomba atômica. Em questão de minutos a cidade de Hiroshima perdeu 70 mil vidas. Durante o ano seguinte, mais 30 mil pessoas expostas à radiação morreriam. Ou seja, praticamente 100 mil vidas ceifadas pelo lançamento de uma bomba, com o propósito de dar fim à guerra. Até hoje, há uma controvérsia sobre se os ataques nucleares (três dias depois, seria a vez de Nagasaki receber uma segunda bomba atômica) foram de fato necessários para pôr fim à guerra. Pacifistas alegam que a rendição do Japão era iminente; militares e políticos ainda hoje retrucam, afirmando que sem as bombas a Segunda Guerra Mundial se prolongaria ainda mais.

Ainda assim: não haveria uma forma de pôr fim à guerra sem matar tantos, milhares de vidas?

Acontecimentos trágicos como esse não devem ser esquecidos, para que a humanidade sempre saiba que deve evitá-los. Hoje, no Japão, 50 mil pessoas reuniram-se no monumento dedicado às vítimas da bomba, e o prefeito de Hiroshima pediu o banimento das armas atômicas.

Louvável iniciativa, porém uma utopia num mundo revestido de conflitos, no qual países autoritários como a Coreia do Norte ainda constroem armas atômicas como intimidação.

A tragédia rendeu uma infinidade de livros nos quatro cantos do mundo. Aqui no blog, gostaria de lembrar de apenas um deles: "Hiroshima", do jornalista americano John Hersey. Um ano depois do fim da guerra, Hersey viajou à Hiroshima para uma reportagem: o editor da New Yorker, a revista em que trabalhava, pedira ao repórter um relato sobre o que significava uma cidade ser atingida pela bomba atômica. O caminho escolhido pelo jornalista foi simples: escolheu e entrevistou seis pessoas que haviam sobrevivido ao ataque.

Vejamos o começo da longa reportagem: estão ali todas as seis perguntas básicas de como elaborar um lide (o quê, quem, quando, como, onde e porquê), escrito de forma precisa, concisa e envolvente:

"No dia 6 de agosto de 1945, precisamente às oito e quinze da manhã, hora do japão, quando a bomba atômica explodiou sobre Hiroshima, a srta. Toshiko Sasaki, funcionária da Fundição de Estanho do leste da Ásia, acabava de sentar-se a sua mesa, no departamento de pessoal da fábrica, e voltava a cabeça para falar com sua colega da escrivaninha ao lado. Nesse exato momento o dr. Masakazu Fujii se acomodava para ler o Asashi de Osaka no terraço de seu hospital particular,suspenso sobre ujm dos sete rios deltaicos que cortam Hiroshima; a sra. Hatsuyo Nakamura, viúva de um alfaiate, observava, da janela de sua cozinha, a demolição da casa vizinha, situada num local que a defesa aérea reservara às faixas de contenção de incêndios; o padre Wilhelm Kleinsorge, jesuíta alemão, lia a Stimmen der Zeidt, revista da Companhia de Jesus, deitado num catre, no terceiro e último andar da casa da missão de sua ordem; o dr. Terufumi Sasaki, jovem cirurgião, caminhava por um dos corredores do grande e moderno hospital da Cruz Vermelha local, levando ujma amostra de sangue para realizar um teste de Wasserman; e o reverendo Kiyoshi Tanimoto, pastor da Igreja Metodista de Hiroshima, parava na porta de um ricaço de Koi, bairro do oeste da cidade, para descarregar um carrinho de mão cheio de coisas que resolvera transferir para ali por temer o maciço ataque do B-29, que a população aguardava. Uma centena de milhares de pessoas foram mortas pela bomba atômica, e essas seis são algumas das que sobreviveram. Ainda se perguntam por que estão vivas, quando tantos morreram. Cada uma delas atribui sua sobrevivência ao acaso ou a um ato da própria vontade - um passo dado a tempo, uma decisão de entrar em casa, o fato de tomar um bonde e não outro. Agora cada uma delas sabe que no ato de sobreviver viveu uuma dúzia de vidas e viu mais mortes do que jamais teria imaginado ver. Na época não sabiam nada disso."

Ao contar a história do lançamento das bombas pelo ponto de vista dos sobreviventes, Hersey consegiuiu aliar uma alta carga dramática ao rigor dos fatos, tão exigido no jornalismo. Após a publicação da reportagem na revista e mais tarde em livro - com grande impacto entre o público - o mundo ocidental enfim teve consciência da catástrofe ao fim da guerra.

No final de 1999, uma enquete com mais de 100 jornalistas e escritores elegeu "Hiroshima" como a melhor reportagem do século XX. Vale a pena conferir, principalmente aqueles que desejam ingressar no fascinante mundo do jornalismo - com ou sem diploma.

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