domingo, 16 de agosto de 2009

Hitchcock: seu nome é suspense

Na última quarta-feira, 13 de agosto, o mundo do cinema comemorou a data em que o cineasta Alfred Hitchcock completaria 110 anos. Difícil lembrar de comemoração mais justa. Quando vivo, Hitchcock foi um dos mais populares diretores de seu tempo: não só inventou as regras básicas do suspense cinematográfico (gerando inúmeros imitadores, nenhum conseguiu igualá-lo), como também foi um gênio do marketing. É uma delícia rever pelo youtube o clássico trailer de "Psicose", no qual o próprio cineasta circula pela sinistra mansão de Norman Bates comentando ironicamente as cenas de crimes que o público veria; ao final, depois de lembrar a todos que banheiros podem ser lugares muito perigosos, o cineasta faz uma pausa, puxa a cortina do chuveiro e ...ora, vou deixar vocês no suspense! Confiram.

Muito antes de os franceses criarem o termo "cinema de autor", a simples menção de que um "filme de Hichcock" estaria estreando já era motivo para levar milhares de pessoas aos cinemas. Qual a razão deste fascínio do público pelo medo? O que leva até hoje milhares de pessoas a procurarem filmes de suspense e intriga, a ficar por duas horas experimentando a sensação de medo e aflição para ao fim respirarem aliviados?

Talvez apenas o prazer de assistir a uma história bem contada e se deixar levar pela emoção. Nos filmes hitchcoquianos, a manipulação das emoções do público era essencial. Um exemplo clássico de construção do suspense foi dado pelo cineasta ao diretor francês François Truffaut no livro "Hitchcock/Truffaut": "Se um homem está caminhando até sua casa e, ao abrir a porta, uma bomba explodir, o público levará um susto. Mas o susto será certamente bem maior se o público souber da existência de uma bomba-relógio e contar os segundos que faltam para a explosão".

Meu filme preferido do mestre é "Um corpo que cai", um suspense mórbido estrelado por James Stewart e uma Kim Novak no auge da beleza. Vi o clássico quando tinha uns 20 anos, no Estação Botafogo, aqui no Rio, e saí do cinema extasiado com a trama, a belíssima trilha sonora de Bernard Hermann e a direção.

O cineasta que tinha o mesmo cuidado ao filmar tanto cenas de suspense como cenas de amor deixou inúmeras sequências inesquecíveis na história, daquelas que cabem em qualquer boa antologia cinematográfica. Como não lembrar da cena do assassinato do chuveiro logo ao começo de "Psicose"; do beijo de Grace Kelly em James Stewart em "Janela Indiscreta"; do inofensivo brinquedo no parque infantil atulhado de corvos em "Os pássaros"; de um James Stewart desesperado para evitar um assassinato dentro de uma sala de concertos, cujo tiro seria disparado pelo assassino na exata hora do bater dos pratos, em "O homem que sabia demais"?

Para homenageá-lo, escolhi a cena final de outro clássico: "Intriga internacional", filme sensualíssimo no qual o humor e o suspense se mesclam de forma genial. Aliás, dificilmente você verá casal mais charmoso que Cary Grant e Eva Marie Saint, protagonistas aqui. Confiram a sensacional montagem final, que corta de uma cena num despenhadeiro diretamente para um casal em lua de mel dentro de um trem, culminando com uma sutilíssima insinuação sexual (deixei as legendas em italiano só para "apimentar" mais a cena).



Prova de que Hitchcock não estava interessado apenas em amedrontar o público. O cara realmente sabia demais...

4 comentários:

Janaina Faustino disse...

Merecida homenagem a Hitchcock, Rogério! Acho que a obra dele (assim como a de grandes realizadores europeus) serve pra que a gente reflita sobre o futuro do cinema de autor, não?
Um beijo.

Rogério Martins disse...

É verdade, Janaína. Apesar de a cultura dos blockbusters estar cada vez mais acintosa (a ponto de um shopping com 10 cinemas exibir quatro "Eras do gelo", três "Harry Potters" e somente um ou outro filme mais adulto ou com a marca de algum autor) as verdadeiras revoluções na estética coinematográfica ainda hoje vêm quase sempre do pensamento de algum autor, como prova o cinema popular e inteligente de Hitchcock.

Janaina Faustino disse...

Pois é, Rogério. O próprio desaparecimento dos cinemas de bairro já ilustra isso. Há cada vez menos espaço para o chamado cinema de autor. Claro que não sou contra a indústria cinematográfica. Afinal, foi muito através da larga produção que estes grandes realizadores surgiram. Mas considero necessária a reflexão sobre esse processo. Estes filmes têm cada vez menos incentivo tanto na produção quanto (principalmente) na distribuição. Beijos

Rogério Martins disse...

Também não sou contra a indústria. Grandes autores (não só Hitchcock) conseguiram realizar obras-primas do cinema dentro da indústria, como Billy Wilder, John Ford, John Huston. Mal comparando, ouso dizer que hoje em dia temos Sam Raimi, o diretor da deliciosa trilogia do Homem-Aranha (meu filho é fã), que, quando volta-se para filmar o que realmente gosta - o terror - realiza obras autorais. Beijo.