"Entre sem bater". Pouca gente sabe que a protocolar frase estampada à frente de centenas de portas de repartições públicas e escritórios Brasil afora foi na verdade inventada pelo Barão de Itararé, pseudônimo de Aparício Torelly, genial jornalista e humorista, vereador e provocador profissional. Conta-se que em 1934, após publicar em fascículos a saga do marinheiro João Cândido e sua Revolta da Chibata, Torelly recebeu na redação de seu jornal a visita indesejada de um grupo (nunca identificado), que lhe teria aplicado uma bela surra, revoltado com a apologia ao almirante negro. Dias depois, já recuperado, o Barão afixava o lembrete irônico à porta de seu escritório.
Passaram-se as décadas e a imprensa livre continua incomodando aqueles que estão no poder, que gostariam mesmo é de vê-la domesticada, sem denúncias, sem fiscalizar os poderes, sem a busca incessante da verdade para auxiliar na construção da opinião pública. Ideologias de direita ou esquerda, ditaduras ou governos autoritários travestidos de democracias, todos eles têm em comum a intenção de cooptar, controlar ou calar os meios de comunicação. Alguns exemplos recentes tem tido destaque na mídia, como a tentativa de controlar a campanha eleitoral no meio online. Ora, definitivamente a classe política brasileira não parece compreender a internet como um território livre.
Como diria o Barão, há alguma coisa no ar, além dos aviões de carreira. Depois de muitas idas e vindas, a Câmara dos Deputados recuou de seu primeiro projeto de reforma eleitoral - que liberava totalmente o debate político no ambiente virtual - e seguiu as modificações aprovadas pelo Senado na noite de terça-feira, dia 15/09. A partir de agora, mesmo não sendo, como os rádios e as TVs, concessões públicas, veículos de comunicação social na internet terão de seguir as mesmas regras de debate aplicadas à TV e ao rádio. Ou seja, quebra-se a autonomia da empresa de comunicação que possui um site em decidir qual candidato participará de alguma entrevista online - ela deverá chamar ao menos dois terços dos candidatos para participar de debates eleitorais, sob pena de multa ou ter o site tirado do ar.
A Câmara manteve a liberdade de blogs, redes sociais, sites e programas de mensagens instantâneas (até o msn neguinho quer vigiar!), mas com ressalvas. Ressalvas um tanto inusitadas: o direito democrático de cada blogueiro em expressar sua opinião por um ou outro candidato está liberado, mas caberá o direito de resposta e a proibição do anonimato em artigos e reportagens. Ufa!, sobre o anonimato não preciso temer, mas será que algum dos 350 (estou sendo bonzinho hoje) apadrinhados do Sarney em empresas do governo vão querer direito de resposta por eu já tê-lo criticado por aqui?
Como afirmou o Xexéo outro dia no programa da CBN "Liberdade de Expressão" (atentem para esta expressão, senhores), parece que nossa classe política ainda não sabe lidar bem com a internet. Vejamos: caso a emenda seja aprovada, os sites jornalísticos continuarão proibidos de “dar tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação, sem motivo jornalístico que justifique”. Que tipo de privilégios a proposta se refere? E o quê um fato político precisa para virar “motivo jornalístico”, no entender dos nobres deputados?
Adiante: direito de resposta para blogs?!?! Ora, os blogs estão entre os meios mais democráticos da internet, pois o "direito de resposta" já é algo inerente a eles, na ideia dos comentários que qualquer leitor pode fazer após a leitura das postagens. É isso que torna a internet 2.0 única. Aqui, o leitor também tem vez: cada post tem espaço para comentários, elogios, críticas, "direitos de resposta" etc. E há também a flexibilidade: podemos sempre "corrigir" textos já escritos, acrecentando algo ou cortando eventuais tropeços. Quando um blog obstrui a participação/interação do internauta, aí sim, deixa-nos em dúvida se é realmente um blog, como é o caso do recente Blog do Planalto.
Sobre este blog, já apelidado o "blog do Lula", fica difícil levá-lo à sério após constatarmos que ele não permite comentários após as postagens. Ou seja, é um monólogo, uma via de mão única à qual o leitor internauta não foi convidado a manifestar-se e exercer seu direito de cidadão, apenas ler (ou, no máximo, clicar num ridículo "gostou ou não gostou?" após o post. Longe de resignarem-se, internautas mais atentos já criaram um "clone" do Blog do Planalto, à sua imagem e semelhança. A única diferença, muito importante, é que ali os comentários são liberados.
Enquanto isso, a imprensa vem sofrendo mais perseguições no Brasil e América do Sul. Enquanto aqui temos a censura ao jornal Estado de São Paulo, impedido de denunciar um esquema de corrupção envolvendo o filho de Sarney (olha ele aí de novo), na Venezuela, Chavez (que já fechou uma TV bastante popular) ameaça com o fim da concessão pública inúmeras rádios e TVs locais. E como se não bastasse, semana passada a redação do jornal Clarín, um dos mais críticos ao governo de Cristina Kirchner, foi invadida por um grupo de agentes da AFIP a Receita Federal argentina), sob a acusação de "problemas com a receita federal". Ora, por que dona Cristina não mandou que invadissem as mansões dos ricos argentinos que sonegam impostos?
Aliás, é interessante notar a cara de pau destes políticos ao tentarem explicar o incontornável: na Argentina, madame Kirchner afirmou que nunca houve tanta liberdade de expressão como agora. No entanto, a invasão à redação do Clarín, coincidentemente, se deu no mesmo dia em que o jornal denuciou irregularidades na entrega de um subsídio de US$ 2,5 milhões a uma empresa por um órgão estatal ligado à AFIP. No Brasil, Sarney foi a tribuna do Senado declarar que os parlamentares - e não a imprensa - seriam os "legítimos representantes do povo", porque, eles sim, "agem às claras". Bom, no caso específico do presidente do senado, não parece ter sido este o caso ao nomear secretamente uma infinidade de parentes, namorados de netas, mordomos, amigos de amigos...
Em algum lugar, longe deste Brasil pândego de hoje, Aparício Torelly deve estar rindo a valer com essas situações absurdas e dando graças a Deus por já ter morrido. Por enquanto, resta-nos lutar sempre contra estes desmandos da classe política e as novas formas disfarçadas (ou não) de censura aos meios de comunicação. Caso contrário, como diria o Barão de Itararé, de onde menos se espera...daí é que não sai nada mesmo.
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