Não posso mais viver assim do seu ladinho
Por isso colo meu ouvido no radinho de pilha
Pra te sintonizar
Sozinha...numa ilha
(Sonífera ilha, Titãs)
Sexta passada comemorou-se o dia do rádio. Mesmo atrasado, este blog não poderia deixar de falar um pouco sobre este veículo de comunicação tão importante. "Alguém ainda ouve rádio?", poderia logo perguntar algum apressadinho amante das chamadas "novas mídias", entre elas esta internet a qual você se debruça neste momento, caro leitor.
Ora ora, eu respondo que sim, o rádio está vivo e não vai acabar - apenas irá se reinventar e segmentar sua programação a fim de atingir um novo público. Exemplo claro desta reinvenção são as inúmeras rádios online aqui no território da internet - agora, além de agregarem ao som digital imagens, podcasts e interatividade (em muitas emissoras você pode montar sua programação particular), há a vantagem de podermos escutar nossa rádio preferida em qualquer lugar do mundo.
Pessoas em todos os lugares escutam diariamente as rádios e suas programações. Assim como os jornais impressos (outro meio de comunicação visto pelos apocalípticos de plantão como um meio fadado à extinção), os rádios tiveram sua época áurea, e na primeira metade do século XX foram com certeza - junto com o cinema - o maior veículo de entretenimento das grandes massas. Nos anos 1930, o rádio era sinônimo de espetáculo: era diante de um grande aparelho valvulado, ou seja, um rádio, que as famílias se reuniam, na sala, antes do advento da televisão. Era na rádio que os artistas de maior prestígio surgiam, que os cantores de maior sucesso atuavam, que os programas de auditório e novelas arrebanhavam multidões de ouvintes.
Um fato real do poder de fogo do rádio nesta época aconteceu nos Estados Unidos, mais precisamentre a partir das nove horas da noite de 1938. Foi nesse momento que os americanos começaram a ouvir a transmisão radiofônica da obra "A Guerra dos Mundos", do escritor H.G.Wells. A obra tratava de uma fictícia invasão da Terra por marcianos, mas o condutor do programa e adaptador da obra - um jovem e já genial Orson Welles - levou ao ar uma obra em formato jornalístico, como se a invasão estivesse realmente acontecendo. Foi o bastante para levar milhares de pessoas ao desespero, como mostra este trecho do artigo de Giusela Ortriwano, do livro "Rádio e Pânico":
Todas as características do radiojornalismo usadas na época – às quais os ouvintes estavam habituados e nas quais acreditavam – se faziam presentes: reportagens externas, entrevistas com testemunhas que estariam vivenciando o acontecimento, opiniões de especialistas e autoridades, efeitos sonoros, sons ambientes, gritos, a emotividade dos envolvidos, inclusive dos pretensos repórteres e comentaristas, davam a impressão de um fato, que estava indo ao ar em edição extraordinária, interrompendo outro programa, o radioteatro previsto. Na realidade, tratava-se do 17º programa da série semanal de adaptações radiofônicas realizadas por Orson Welles e o Radioteatro Mercury que explorava as técnicas jornalísticas com a ambientação sonora requerida pela linguagem específica do rádio.
A CBS calculou na época que o programa foi ouvido por cerca de seis milhões de pessoas, das quais metade passaram a sintonizá-lo quando já havia começado, perdendo a introdução que informava tratar-se do radioteatro semanal. Pelo menos 1,2 milhão tomaram a dramatização como fato, acreditando que estavam mesmo acompanhando uma reportagem extraordinária. E, desses, meio milhão tiveram certeza de que o perigo era iminente, entrando em pânico e agindo de forma a confirmar os fatos que estavam sendo narrados: sobrecarga de linhas telefônicas interrompendo realmente as comunicações, aglomerações nas ruas, congestionamentos de trânsito provocados por ouvintes apavorados tentando fugir do perigo que lhes parecia real, etc. O medo paralisou três cidades. Pânico ocorreu principalmente em localidades próximas a Nova Jersey, de onde a CBS emitia e Welles situou sua história. Houve fuga em massa e reações desesperadas de moradores de Newark e Nova York (além de Nova Jersey), que sofreram a invasão virtual dos marcianos da história.
O episódio, até hoje lembrado e discutido por estudiosos da Comunicação, marcou o apogeu do rádio e seu poder de influência. A partir de então políticos, homens de marketing e publicitários viram que estavam diante de um instrumento que poderia influenciar milhões, e não por acaso o rádio foi bastante usado como máquina de propaganda nos anos anteriores e durante a Segunda Guerra, tanto por nazistas como aliados, os dois lados em guerra dispostos a manipular corações e mentes em prol de uma ideologia vencedora.
A história mostra que a chegada de uma nova mídia não necessariamente implica no fim das anteriores. Com a chegada da televisão, o rádio perde seu apogeu e poder de influência. O baque foi profundo, mas ele se reinventou escorando-se no tripé jornalismo/prestação de serviços, esportes e entretenimento - este último representado pela música gravada, já que, como a transferência das verbas publicitárias para a televisão, as rádios perderam seus fabulosos castings, atraídos agora pelos programas de auditório televisivos, que pagavam melhor. A partir de então, o veículo teve que investir na segmentação, reformulando suas programações para atingir cada público-alvo em particular, tornando-se quase um "amigo íntimo" de quem estava em casa ou no trabalho - até hoje o rádio e seus locutores são a única companhia de milhares de solitários mundo afora, que abrandam a solidão ao escutar seus programas favoritos.
Hoje temos rádios com as mais diversas linhas de programação, Há desde as emissoras em FM cujo foco é a música, até aquelas que se propõem a levar uma programação 24 horas de notícias, também chamadas de "all news". Pra quem duvida do poder de influência das rádios, elas ainda hoje são bastante procuradas por políticos interessados num "upgrade" em suas carreiras, e há muitas emissoras cujos donos são deputados e senadores, que utilizam o espaço no dial como uma espécie de palanque eletrônico. Há também as inúmeras rádios arrendadas por igrejas evangélicas na busca midiática pelo aumento dos fiéis. Tudo isto só comprova que as ondas sonoras do rádio ainda estão vivas e fortes junto à população.
Marginal conservador aproveitará este tema tão rico para tecer em outros artigos comentários sobre a programação radiofônica, assim como alguns programas em especial. Quem gosta de ouvir rádio, deixo um recado no estilo dos bons locutores: fique ligado!
2 comentários:
Ótimo texto, Rogério!
Aproveito pra perguntar o que você achou do fim da Antena 1 FM, uma rádio super tradicional aqui do Rio. O veículo realmente passa por mudanças drásticas e estruturais, não? Beijos
Obrigado, Jana. Não era ouvinte assíduo da "Antena 1 Light FM", mas sim simplesmente da Antena 1, nos anos 80, quando a programação era mais pop e menos votada para o padrão "adulto contemporâneo" - tema de uma futura postagem no blog, aguarde!
Senti mais com o fim da Globo FM, que eu quase não acreditei quando acabou. Mas sei que a Globo FM migrou para a internet. Já a Antena 1...não sei.
Realmente o veículo passa por mudanças estruturais, o que é normal em tempos de novas mídias. mas esteja certa: o rádio, assim como a imprensa escrita, não vai acabar. Os dois meios vão é se transformar e se adaptar aos novos tempos, como já está acontecendo.
Um abraço!
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