sábado, 31 de julho de 2010

Playing for change: a música das ruas por um mundo melhor

Na saída do metrô da Carioca, no Centro do Rio, há um homem que toca diariamente seu saxofone há mais de 25 anos.

No Central Park, em Nova York, percussionistas africanos reúnem-se toda semana para levarem um som juntos. Nunca faltam músicas do artista Fela Kuti, o lendário músico e ativista político que criou o estilo musical afrobeat.

Nas pedreiras da UniRio, no bairro carioca da Urca, todo sábado pela manhã alunos e mestres da Escola Portátil de Música reúnem-se para tocar clássicos do choro. Alguns deles estarão, no dia seguinte, na praça São Salvador, no Flamengo, tocando por prazer clássicos do samba e choro. Vários ouvintes saem dos subúrbios e dirigem-se ao bairro apenas para escutar as músicas.

Em Portugal, no centro velho de Lisboa, Dona Rosa, uma senhora cega de 53 anos, apresenta-se num canto da Rua Augusta todos os dias cantando fados. Descoberta por um empresário, ganhou fama e apresenta-se em outros países europeus. Mas não largou a rua.

Em São Francisco, na Califórnia, na agitação do Centro nervoso, outra praça consegue a proeza de fazer trabalhadores apressados pararem por uns instantes para curtirem o som que sai daquelas guitarras e contrabaixos: rock n' roll. Na mesma cidade, no Pier, se você passar por lá num fim de semana, pode dar de cara com um velho hippie munido de um violão a cantar "If you are going to San Francisco, be sure to wear some flowers in your hair", o clássico pop de Scott Mackenzie.

Em 1994, Vedran Smailovic, integrante da Orquestra da Ópera de Sarajevo, após testemunhar a morte de 22 pessoas vítimas de uma explosão durante a Guerra da Bósnia, decidiu usar sua música em prol da paz, tocando na rua por 22 dias consecutivos em homenagem aos mortos.

Numa estação de metrô nova-iorquina, dois monges vestindo túnicas brancas cantam, e tocam violão para os passantes. Não raro dezenas de pessoas costumam parar por alguns momentos apenas para ouvir os monges.

Algumas destas passagens acima foram presenciadas por mim no Rio, onde moro, ou em viagens, como os músicos de rua de San Francisco. Outras eu soube pelos jornais e revistas. São músicos que tocam nas ruas pelos mais variados motivos; mas que, por fazerem sempre um bem à alma de quem passa em frente a eles, nos leva pensar sobre o poder da música como confraternização universal, e na esperança por um mundo melhor. A música é também uma forma de comunicação, e a comunicação, a princípio, evoca a ideia de comunhão, ou seja, uma forma de compartilhar experiências. É mais ou menos essa a ideia do projeto "Playing for Change", criado pelo produtor musical americano Mark Johnson.

Durante dez anos, Mark percorreu o mundo munido de um estúdio de gravação móvel e saiu gravando músicos de rua. A ideia é forte e é a mesma que nos faz parar em qualquer viagem para escutar estes artistas, mesmo sem conhecer o idioma, o poder da música. (Sim, sim, eu sei que você pode ter pensado que usar a música para transmitir mensagens de "comunhão", "congraçamento", pode não dizer muito nos tempos cínicos em que vivemos, e quantas vezes não deparamos com picaretas sem talento tocando nas ruas por uns trocados? Mas a intenção de Mark Jonhson é encontrar e registrar músicos que estão nas ruas não pela fama ou por dinheiro, mas pela alma. Ou seja, por um sentimento irresistível de amor à música que os impele às ruas em lugares tão díspares como São Paulo ou Marrocos).

Segundo escreveu o jornalista Leonardo Lichote, em matéria para o jornal O Globo ("Muitos sons, uma utopia"), munido de seu aparato, Johnson desde então roda o mundo gravando artistas de rua - negros, brancos, árabes e muçulmanos, violoncelistas europeus e percussionistas indígenas - em seus habitats, interpretando hinos pop de paz, tolerância, amor e apelos por um mundo melhor.

Os registros já renderam um documentário em 2003, com músicos de apenas três cidades americanas, e o CD/DVD "Playing for Change: Songs around the world", com cantores e instrumentistas das ruas de todo o mundo. Inclusive do Brasil: este ano Mark Johnson esteve por três semanas no Rio e em Salvador, a procura de músicos de rua dispostos a gravarem sucessos pop. No Rio, recebeu a ajuda na empreitada do Grupo Cultural AfroReggae, que foi convidado a colaborar com o braço filantrópico do projeto, a ONG "Playing for Change Foundation", responsável pela criação de seis programas de ensino de música no nepal, África do Sul e Gana.

Deixo aqui a música "Stand by me", sucesso no youtube, no formato atual do projeto, ou seja, tocada por músicos de todo o mundo. Como explica Johnson: "Estava em Santa Monica, na California, quando ouvi Roger Ridley cantando "Stand by me" a um quarteirão de distância. Corri para assistir a sua apresentação e nunca mais fui o mesmo. Sua voz, alma e paixão nos levaram a buscar pelo mundo outros músicos para adicionar à sua gravação de "Stand by me" - essa canção transformou o projeto "Playing for Change", de um grupo pequeno de indivíduos para um movimento global de paz e compreensão. A faixa trás 35 músicos de todo o mundo. Eles podem não ter se encontrado nunca, mas conversaram pela música".

Conversaram pela música. A última frase de Johnson me faz lembrar aquelas histórias da música popular que de vez em quando ouvimos, nas quais músicos que jamais se eencontrariam se não fosse a música, ou que nunca falaram o mesmo idioma, de repente promovem encontros musicais notáveis. E faz-nos lembrar que, à despeito das diferenças culturais e das guerras inúteis, o ser humano, em todo o mundo, é muito parecido e compartilha os mesmos desejos de paz e por um mundo melhor.

"You may say I'm a dreamer", como diria Lennon. But I'm not the only one, como comprovam os 25 milhões de acessos a esta canção no youtube.

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